Asdria estava em seu quarto todo em rosa choque e preto, encolhida sobre a cama, abraçada aos joelhos dobrados e com lágrimas escorrendo por suas bochechas já úmidas, e ainda podia ouvir a voz do pai ecoando pelas paredes.
-Você não vai sair desse quarto por um bom tempo!
Asdria tentou argumentar, o que só piorou a raiva do pai, este chegou a levantar a mão para esbofeteá-la e só não o fez porque mencionou a mãe que não chegaria a esses extremos.
Isca bufou, expirou e saiu de seu quarto batendo a porta e gritando – Asdria não sai desse quarto e somente eu entro – e a porta foi trancada.
Desde então, a mais de duas semanas atrás, Asdria está presa, literalmente, a ver o sol nascer pela janela de seu quarto onde está com as mãos agarradas firmemente a mureta, inclinada para frente, as emoções a lhe esfaquear por dentro.
Asdria suspirou ao ar, então um movimento dentre as folhas de uma árvore - nem sabia explicar o porquê de ter achado que algo ou alguém lhe observava dali- de repente um par de olhos negros brilharam.
Asdria ficou boquiaberta, chegou a olhar para os exterminadores que rondavam o perímetro para ver se algum deles olhava e via o que ela via, mas continuavam a percorrer o local com suas armas em punhos, sem nem olhá-la. Seus olhos lilás claros voltaram a tal árvore, só que agora seu olhar bateu de frente com o rosto de Gael.
Alguns horas atrás
Gael jamais imaginou, sequer, cruzar pela estrada que leva a instalação dos exterminadores, muito menos ir até lá. Mas o pior nem fora isso, e sim o que ele 'forçou', praticamente, a irmã a fazer. Ainda ouvia a conversa deles em sua cabeça.
-Você ficou louco Gael?
Leticia vociferava, andava de um lado para o outro e gesticulava com suas mãos, tentando se acalmar e tentar ainda mais assimilar o que seu irmão lhe pedia.
-Tenta entender o meu lado, Leticia – apelou, embora para Leticia não houvesse justificativas para o que pedira.
Talvez nem ele próprio conseguisse se justificar.
-Entender o seu lado – Leticia o encarou com raiva, não do irmão claro, mas do seu pedido - você quer que eu te transforme em vampiro. Seja sincero, acha que dá pra entender isso?!
Gael caiu no sofá - Leticia, você é uma vampira, se protege por si só; meus amigos são vampiros e também se cuidam sozinhos. Até quando vocês pensam que vão estar do meu lado para me proteger?!
-Isso não justifica!
-Justifica sim! – gritou ao levantar-se abruptamente –porque nem nossos pais não estão mais aqui para me proteger.
A porta se abrira, foi melhor assim, pois a discussão estava ficando acalorada demais, e briga entre irmãos sempre termina ruim para um ou para o outro.
-Se vocês gritarem mais um pouquinho, vai dar pra ouvir a dois quarteirões - comentou Bruno entrando na sala com Caleb e Vinicius a lhe seguir.
-Qual o motivo da briga? - perguntou Caleb olhando de um irmão ao outro, ambos com expressões raivosas.
-Vai, Gael, conta pros seus amigos o teu pedido estupido – enfatizou Leticia de braços cruzados.
-Vai, cara – Vinicius largou-se em outro sofá -desembucha, afinal sua irmã parece querer te devorar por causa desse pedido.
Agora que era para Gael falar alguma coisa, ele fechara a boca, mas Leticia fez questão de abrir, e bem, a sua.
-Esse idiota – olhou para Gael que estreitou os olhos – me pediu para transformá-lo em vampiro.
Expressões e palavras de surpresa se chocaram no ar, e pareceu levar um século para alguém conseguir formular uma frase.
-Gael, qual é o motivo desse pedido? - perguntou Caleb sério, afinal conhecia o amigo a um bom tempo para saber que se ele pedira isso, haveria um bom motivo por detrás.
Em duas palavras Gael dera a sua resposta – defesa e proteção.
-Defesa e proteção? - repetiu Bruno ao cruzar os braços e sentar-se ao lado de Vinicius no sofá - e para quem?
-Para mim e para os que amo.
-Respostas curtas e precisas – comentou Vinicius ao estalar a língua - você vai convencer Leticia – e olhou-a ainda com expressão irredutível.
Gael suspirou.
-Eu não quero ser aquele que quando andar com os meus amigos – olhou para cada um deles – e sermos atacados, ser o único a fugir para não morrer. E não quero ser aquele- agora direcionara seus olhos a Leticia – que quando minha irmã ser atacada, eu não puder ajudá-la.
Caleb suspirou.
-Os argumentos são bons – concordou – mas as consequências não.
-Eu sei – admitiu - conheço todos os riscos, mas estou pronto para corrê-los.
-Você não vai mudar de ideia, não é? - recorreu Leticia ao bom senso que no momento parecia ter tirado uma folga.
-Não - afirmou – e se nenhum de vocês me ajudar, eu tenho certeza de que tem outros vampiros por ai que vão adorar provar o meu sangue - ameaçou.
Leticia primeiro rosnou em fúria, mas acabou suspirando ao menear a cabeça.
-Está bem, Gael, eu te mordo – ele sorriu muito aliviada por sinal, afinal procurar por qualquer outro vampiro não lhe agradava muito – mas, primeiro vamos ser sinceros –ele assentiu – isso tudo é por causa da tal Asdria, não é?
-Hum, agora ela acertara o alvo – comentou Vinicius e todos concordaram.
-Antes de tudo o mais, sim – admitiu, afinal sempre foi difícil enganar a irmã quando humana, que dirá agora que é vampira.
-Bem, o que é que eu tenho de fazer? - perguntou inocente á menção de ser mordido.
-Nada, seu idiota – ralhou Leticia ainda muito desgostosa e já que é para morder o irmão, ela não perdera tempo em arreganhar os dentes; ela arregalou os olhos e antes mesmo de piscar, sentiu o afundar dos caninos enormes da irmã em seu pescoço, e depois este apagou.
Algum tempo depois, Gael acordara, deitado em um sofá e com um bilhete entre as mãos e leu - parabéns, seu idiota, agora você é um vampiro. E cuidado, pois quando eu estiver em perigo vou te querer do meu lado para me proteger. OBS: seus amigos já foram e eu sai para espairecer. Bj. Leticia .
Gael sorriu – essa é a minha irmã - murmurou. E já que agora era um vampiro, sem pensar em mais nada, saiu de casa, pegando um casaco de moletom escuro pelo caminho e indo direto para o seu carro. E quando chegara a autoestrada que leva a instalação dos exterminadores, estacionara o carro em uma clareira e seguira a pé pela floresta, seguindo seu novo olhar de vampiro avistara
vários exterminadores, e antes de chegar lá, isso a alguns quilômetros. Para encurtar o caminho e se proteger de qualquer eventual ataque sem avisos, transformou-se em morcego e voou pelas copas das árvores e só parou quando chegou o mais próximo e aceitável possível do prédio. E a primeira e última coisa que queria ver era Asdria com o semblante triste, debruçada sobre a mureta
onde Gael supôs ser o quarto dela, e quando este estava pronto para ir voando até lá...
Asdria estreitou os olhos e sua alma encheu-se de alegria e pavor – alegria por ver Gael e pavor por ele ter vindo até ali – ao perceber que Gael estava pronto para vir ao seu encontro.
Gael fez menção de ir até Asdria, mas esta meneou a cabeça em negativa, implorando com o olhar para que ele não fizesse nada. E logo entendera o porquê.
-Asdria, o que faz na janela?
Asdria assustou-se com a voz do pai atrás de si e virouse com cara de quem esconde algo, e seu pai era ótima para achar coisas escondidas.
-Eu ainda estou no quarto, não estou?
Isca franziu a tez, fora até a janela e observou até onde seus olhos puderam alcançar, mas olhos humanos não são tão aguçados quanto olhos de vampiros ou lobos. Mas para isso a tecnologia já inventara binóculos com infravermelho e detector de calor e frio e foi ai que Isca viu um garoto vampiro a julgar pelo baixo calor corporal, escondido nos galhos de uma árvore a frente.
Isca rosnou – exterminadores! - estes o olharam – atirem naquela árvore - apontou com o dedo.
-Não! - gritou Asdria, mas já era tarde pois os homens de seu pai já estavam a destruir a árvore com tiros.
Asdria sentiu o coração apertar-se por Gael, e quando o seu pai a encarou e viu em seu rosto a preocupação por aquele garoto, não pensara duas vezes em lhe esbofetear, jogando-a ao chão com os lábios a sangrar e os olhos marejados.
-Agora até está janela vai ser trancada! - esbravejou ao apontar a janela atrás de si, mas olhando para Asdria encolhida no chão com a mão na lateral do rosto onde o pai, sem qualquer hesitação, lhe batera e o sangue escorria em filete único bem como lágrimas ao queixo.
Gael já esperava que Isca o viesse não hesitaria em atirar ou melhor mandar seus homens atirarem, só que Gael não esperava que Isca fosse vê-lo, afinal era um humano, mas para azar seu, ele tinha um binóculo em infravermelho com detector de calor.
Gael nem esperou para ouvir as ordens de Isca, assim que seu olhar encontrara o dele e vira toda a raiva contida, tratou logo de transformar-se em morcego e voar. Agora enquanto descia do céu para o chão transformando-se em humano e já ia pegando o celular do bolso de seu moletom, discando alguns números, isso enquanto se dirigia a clareira – mana, eu preciso da sua ajuda- iniciou a conversa com Leticia.
Prefeitura Municipal
Em sua sala, Isaac acabara de jogar o paletó sobre o espaldar da cadeira e desabotoar as mangas de sua camisa, as quais enrolara até os cotovelos – pena que não podia se dar ao luxo de tirar a gravata e os sapatos – afinal, a qualquer momento a sua secretária pode lhe informar de que precisa comparecer a tal reunião em tal lugar ou algo do gênero.
No momento, abria uma das várias gavetas de sua longa escrivaninha e dali tirar uma fotografia de Katrina tirada no dia do evento do Palácio do Congresso, tão bela, embora uma sombra triste cruzasse seu olhar.
-O que será que você está fazendo, minha bela dama? -perguntou á foto, então lhe ocorreu uma ideia – acho que vou descobrir por mim mesmo – e guardou a foto de volta na gaveta embaixo de um caderno, levantou-se, pegou seu paletó novamente, chaves e saiu da sala.
20 minutos depois
Um carro branco com o logotipo da prefeitura vinha desacelerando pela rua e o motorista- adivinha? - Isaac estava de olho na casa de Katrina – ele pegara o endereço pela internet por se tratar da mulher do falecido prefeito –e agora já encostando o carro na calçada em frente a grama. O cinto abriu-se e devagar, mas cheio de pompa ao ajeitar o paletó, Isaac seguira a porta e...
Mesmo que Katrina esteja com os vampiros no castelo Kaxal há sempre um vampiro de vigia, mas agora todos foram para lá, mas para a sorte de Soraia, sua vizinha que lhe conhece desde criança e nada tem contra vampiros ou lobos, encarregou-se de cuidar da sua mãe, e quando está não está, cuida da casa e qualquer coisa sob suspeita liga para Soraia.
A mulher simpática observou por sua janela quando o carro da prefeitura, o motorista sendo o próprio prefeito, descera e agora a campainha da casa de Katrina soava pela casa.
A mulher pegara o telefone residencial fixo á parede e ligou para Soraia.
Soraia já voltava com Augusto, abraçados, a pé pela avenida em forma de túnel fechado por eucaliptos, quando uma música começou a tocar do bolso todo trabalhado da calça de Soraia que ela pegou, e por se tratar de sua vizinha atendeu, já que sua mãe não estava lá.
-Dona Mercedes?
-Menina Soraia, o prefeito está em sua casa – informou ainda a observá-lo pela sua janela enquanto ele dava a volta na casa como disse para ela.
-Já estou indo, e muito obrigado por ter me avisado Dona Mercedes.
-Enquanto eu estiver aqui, ninguém chegara na casa de sua mãe sem que você saiba.
-Eu sei – assim se despediram.
-Daqui até a sua casa vamos levar uns quarenta minutos –calculou Augusto bem ciente do assunto da ligação entre as duas.
-Não se o lobo e a vampira entrarem em ação - sugeriu e com um sorriso cúmplice nos olhares o Alfa sorriu internamente e transformou-se, enquanto Soraia fazia o mesmo. Um por terra e o outro pelo céu.
Nem dera vinte minutos e o lobo e a vampira surgiram dentre as árvores próximas as casas. Então ele levantou-se nas patas traseiras e voltou a forma humana e Soraia conforme ia descendo a chão fazia o mesmo.
-O que será que ele perdeu na sua casa? - perguntou-se Augusto ao cruzar os braços em frente ao peito e encarar Soraia que tinha o olhar frio em Isaac que agora estava a forçar a porta.
-É isso que eu irei perguntar – falou indo em direção a Isaac, e Augusto a lhe seguir caso ele precisasse salvar o homem, se bem que se Soraia o atacasse, viesse a ajudá-la, pois não ia com a cara daquele sujeito.
Isaac estava tão distraído, empurrando e mexendo na maçaneta da porta que só percebeu a presença de Soraia quando esta já estava atrás de si lhe perguntando;
-O senhor procura algo em minha casa, prefeito?
Isaac arregalou os olhos e sentiu o coração acelerar, algo que Soraia ouviu claramente. Droga, a última coisa de que precisava era da filha de Katrina lhe rondando como uma predadora. Então, engoliu em seco, estampou seu melhor sorriso e virou-se para encará-la. Este a encontrara de braços cruzados e olhos estreitos para si, e o pior, logo atrás, escorado em seu carro estava Augusto também de braços cruzados ostentando seus músculos.
Um tremor percorreu seus ossos - só vim fazer uma visita para a sua mãe.
Soraia, claro que lia a alma dele e sabia muito bem queestava mentindo, pois desde o instante que encontrara os olhos daquele homem sabia que ele queria a sua mãe, mas entrou no jogo mentiroso dele.
-E por que estava forçando a porta?
Com um sorriso displicente dissera – temi que tivesse acontecido algo com a sua mãe.
Soraia devolvera o sorriso - não se preocupe, minha mãe foi viajar e não tem data para voltar.
-Ah – foi a única palavra que encontrara para balbuciar sua decepção, então disfarçou-se e despediu-se, saindo de fininho até seu carro onde Augusto, ele não sabe como já que havia trancado o seu carro, mas abrira a porta do carro para Isaac e a fechou quando o homem adentro e saiu cantando pneu.
Soraia riu da cara de tacho que Isaac fez.
-Assim você assusta o homem, Augusto.
Augusto riu enquanto se aproximava de Soraia.
-O coitado deve estar até agora se perguntando como eu abri a porta do carro dele – e ambos adentraram na casa já que Soraia tinha uma cópia da chave pendurada no cordão de sua estrela.