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- Fica à vontade. - Ele pediu, quando apontei na sala.
Olhei ao redor e a casa estava exatamente como da última vez que apareci aqui. Retirei os sapatos, largando no canto da porta. O alívio em meus pés foi imediato, realmente ficar oito horas em cima de um salto agulha não era para qualquer um. Tinha algumas daquelas pantufas de ficar em casa no corredor, mas não tomei a liberdade de pegar nenhuma.
- Obrigada - agradeci, sem saber muito bem o que fazer.
- Descansa - Saem indicou o sofá enorme e confortável. - Quer água ou suco? - ofereceu, analisando minha expressão.
- Não precisa se incomodar. - Eu estava com sede sim, mas parecia estranho aceitar qualquer coisa dele.
- Relaxa, você vai ter que ficar um tempo aqui por causa da minha mãe - respondeu, colocando uma das mãos na cintura. - O mínimo que posso fazer é te oferecer algo para beber.
Ele saiu da sala sem dizer mais nada e retornou com uma jarra de um líquido verde claro.
- Não quero dar trabalho - argumentei, já aproveitando a deixa para sentar.
Peguei o celular, confirmando o que já sabia. Angélica me faria acompanhar o filho mesmo, não que fosse de todo ruim. Meu trabalho atrasaria, eu ficaria ansiosa para colocar tudo em dia depois. Entretanto, como já mencionei, ficar longe do escritório em semana de reunião da diretoria era um prêmio que deveria ser agradecido. Nessa época, Angélica me explorava ainda mais, como se fosse possível. Podem perguntar porquê eu me submeti a esse tratamento se não gostava. A questão é que ela pagava muito bem, acima do piso salarial de uma assistente executiva, e eu precisava desesperadamente desse dinheiro.
- Você não vai atrapalhar - afirmou, colocando suco em dois copos. - Eu pretendia jogar videogame, mas já que não podemos contrariar a senhora minha mãe, o que quer fazer? - Ofereceu um dos copos para mim.
- Eu gosto de jogar videogame - respondi, esperando que Saem compreendesse.
Seria perfeito me distrair com algo tão banal feito jogos. Quanto tempo eu não pegava em um controle mesmo? Nem lembrava mais.
- Ótimo! - Ele sorriu, surpreso. Então foi até a televisão enorme da sala, ligou o aparelho e mexeu em alguns cabos. - Qual tipo de jogo prefere? - Saem deu uma olhada por sobre o ombro em minha direção.
- De lutas - informei, bebericando o suco. - Mortal Kombat é meu favorito.
Ouvi o som de sua risada, antes de ele responder:
- Imaginei.
- Por quê? - retruquei confusa.
- Não sei dizer ao certo - desconversou meio vago.
Deixei para lá, porque eu estava desconfortável naquela sala enorme. Eu nem deveria estar ali, não em meio ao expediente. Aliás, em horário nenhum. O silêncio se instalou no local, enquanto ele ligava o videogame. Eu queria falar alguma coisa inteligente e descontraída, mas não sabia o que. Portanto, continuei quieta, batucando os pés no chão. Até não aguentar mais ficar em silêncio e soltar a primeira coisa que passou pela minha cabeça:
- Você fala português muito bem.
Droga, eu sabia que ele cresceu no Brasil. Não fazia sentido esse tipo de comentário.
- Obrigado - agradeceu sem se importar com a minha gafe. - Eu nasci na Coreia, mas vim para o Brasil bem pequeno e passei minha vida toda aqui, pelo menos que eu me lembre.
- Ah, acho que sei. - Foi minha resposta.
- Eu fui para Seul melhorar meu coreano - explicou pacientemente o que eu também já sabia. - Minha mãe quer que eu assuma a empresa e sem falar coreano fluente não daria certo. Na verdade, sempre fui preguiçoso para o idioma. Enfim, não faz sentido mencionar esses assuntos, vai te entediar - acrescentou, inseguro.
- Que isso - respondi de imediato. - Já que vamos passar um tempo aqui, seria legal conhecer um ao outro. Você não acha? - Saem olhou para trás, me encarando por alguns segundos.
Bem hoje que meu cabelo não estava em seu melhor dia, eu fiquei cara a cara com o filho da Angélica. Imaginei esse momento durante meses, acho que desde que comecei a trabalhar com ela. Agora que meu desejo se realizava, meus cachos estavam presos em um coque nada sedutor. Enquanto minha maquiagem provavelmente não deveria estar lá essas coisas também.
- Acho uma boa ideia. - Saem sorriu novamente, o que quase me causou uma fisgada no peito.
- Deu certo o videogame? - perguntei, vendo que ele ainda não tinha ligado o aparelho.
- Não, acho que alguém mexeu aqui e não está funcionando - murmurou, já de costas para mim. - Madalena deve ter limpado e desconectou alguma coisa, preciso ver com calma. - Saem levantou, colocando ambas as mãos na cintura, enquanto soprava uma mecha de cabelo que caiu em seus olhos.
- Quer que eu vá para outro lugar e finja que estou te acompanhando? - propus, sem saber exatamente porquê.
Eu não queria fazer isso e não deveria ignorar um pedido da Angélica. Ainda que fosse acompanhar o filho recém chegado dela.
E, bom, já mencionei que não estava sendo tão ruim quanto eu imaginava?
- Céus, não - retrucou de pronto. - Eu queria ficar sozinho no começo, mas vai ser legal ter companhia. - Acabei relaxando.
Nesse ponto um celular apitou, ele foi até o aparelho e olhou o visor antes de atender:
- Oi, Verônica. - Saem ouviu em silêncio, afastando-se com sutileza de mim. Sua voz foi ficando mais distante à medida que ele sumia da sala. - Cheguei sim, não avisei porque o voo adiantou. É, eu estou em casa, a assistente da minha mãe está aqui comigo. Isso, ela pediu que a Ananda ficasse por perto porque vai ficar trabalhando... - E não ouvi mais.
Existia uma mulher na jogada.
Não me surpreendeu, normal, ué. Saem era lindo, com certeza existiria alguém esperando por ele aqui. Tamborilei os dedos no sofá, tentando ignorar a curiosidade. Olhei meus pés e por sorte tinha feito as unhas no dia anterior, pelo menos estavam bonitinhos. Quando Saem voltou, sua expressão não era mais descontraída como antes. Não que ele estivesse tão descontraído, mas agora seus ombros pareciam tensos e seus olhos um pouco maiores.
- Minha ex está vindo pra cá. - Soltou, me olhando como se me visse pela primeira vez. - Ela é tranquila no geral, mas ficou com ciúmes quando confirmei que você estava aqui. Quer dizer, eu acho que ficou... - Coçou a nuca, parecendo incomodado.
Ergui as sobrancelhas.
- Posso ir embora, não quero atrapalhar. - Peguei minha bolsa, no entanto, Saem me impediu.
- Não, prefiro não ficar sozinho com ela - parei, aguardando. - Somos amigos, mas a Verônica pensa que vamos voltar agora que estou no Brasil. - Ele balançou a cabeça. - Desculpe despejar essas coisas em cima de você, eu não deveria te envolver nos meus conflitos.
- Está tudo bem - garanti, relaxando a postura.
Saem não queria voltar com a garota, certo? Eu podia ajudar, não podia?
- Acho que minha mãe provavelmente quer que a gente volte e ligou para a Verônica. Não sei bem, não dá para ter certeza quando se trata dela - refletiu pesaroso.
Nesse momento meu celular vibrou. Era Angélica.
- Alô. - Atendi temerosa.
- Nanda, querida. - Sua voz soou ainda mais cantada do que nunca. - Preciso de você aqui no escritório urgentemente. Não se preocupe, já pedi a alguém para fazer companhia ao Saem. Pode voltar.
Mordi o lábio de raiva.
Quem ela pensava que eu era? Um ioiô para ficar indo e vindo? Argh!
- Tudo bem, senhora Angélica - respondi, como sempre. - Já estou voltando para o escritório.
Saem me olhou com os olhos suplicantes e eu tive uma vontade hercúlea de falar meu primeiro não para minha chefe.
- É minha mãe? - questionou, fiz que sim. - Posso falar com ela, por favor? - ofereci o telefone, Saem o colocou na orelha, tornando a se afastar de mim.
- Mãe, por que a senhora pediu para a Verônica vir aqui? - Seu tom soou alto e firme, imperativo. - Eu não queria vê-la hoje. - Ele apenas ouviu por alguns instantes. - Não, a senhora pediu para a Ananda ficar comigo e agora quer que ela volte para o escritório? A garota atravessou a cidade toda e agora já é final de tarde... - Saem estava me defendendo, ele estava me defendendo da própria mãe.
Minhas pernas fraquejaram, foi a coisa mais legal que um garoto fez por mim. Eu ainda estava em pé, quando Saem me entregou o celular.
- Tenho duas notícias para te dar.
- Quais seriam?
- A primeira é que você não precisa voltar para o escritório hoje - contou sorrindo.
- E a segunda? - Ousei perguntar, fingindo naturalidade com seu olhar em mim.
- Que precisa ser minha acompanhante por sete dias. Como minha mãe não tem tempo de ficar comigo, eu pedi que me fizesse companhia - acrescentou, fazendo meu coração bater forte. - Ela se culpa por me deixar sozinho quase sempre. - Bagunçou o cabelo.
Eu sorri involuntariamente.
- Por mim tudo bem. - tentei não transparecer muito entusiasmo na voz.
- Eu realmente preciso da sua ajuda com a Verônica, porque não quero magoá-la. O que tenho que fazer? - Saem não pareceu perguntar para mim, era como se falasse consigo mesmo.
- Nesse caso, acho que cabe a boa e velha sinceridade - aconselhei, mesmo sem ter certeza se Saem queria ouvir.
- Tem razão - concordou, soprando aquele cabelo.
Era um gesto tão fofo, ele todo era fofo.
- Não por isso. - Soltei a bolsa no sofá. - Obrigada pela ajuda, seria cansativo voltar para o escritório hoje ainda.
- Eu conheço minha mãe, não foi nada - afirmou, me encarando.
Assenti lentamente, sem desviar o olhar.
Bom, ficar sete dias fora do escritório não parecia algo ruim.
De início não quis buscá-lo no aeroporto, é verdade. Contudo, retiro agora minha revolta anterior, pois não foi tão mal assim.
Não quando envolvia um garoto lindo que me defendeu da própria mãe.