Capítulo 9 9

Saem abriu a porta do carona segurando a minha mão e eu entrei com cuidado, deslizando nossos dedos. Ao me ajeitar, pensei no que minha mãe acharia se me visse interagindo com ele. Ela gostaria do Saem? A resposta era óbvia, mil vezes sim. Quem não gostaria? Minha avó sem dúvidas ficaria encantada, iria enchê-lo de queijo caseiro e goiabada. Já meu pai, eu não saberia dizer...

Onde será que ele se enfiou, para início de conversa? Será que pensava em mim? Em como eu estava me saindo nessa coisa toda chamada vida? Meus olhos ameaçaram marejar novamente, respirei fundo para evitar uma possível crise futura. Em alguns momentos me sentia tão abandonada e sozinha, sempre que esse sentimento ruim dava as caras eu me afundava no trabalho. Só que de uns tempos para cá, não estava mais funcionando. Até eu conhecer Saem; e, bom, ficar tudo muito colorido e vivo de uma hora para a outra.

Olhei pela janela, para Saem não perceber meus olhos brilhando, mas acho que foi em vão.

- Ananda, o que houve? - indagou, querendo tocar meu queixo para que eu pudesse olhá-lo nos olhos.

- Nada, não se preocupe - menti, pois não era aconselhável sair chorando sem motivo em um encontro.

Pelo menos foi o que um garoto me falou, quando inventei de encontrá-lo semanas após minha avó ter falecido, somente para não ficar sozinha com a minha própria dor. E eu meio que já gastei minha cota de choro com o Saem.

- Eu fiz algo que te incomodou? - quis saber, seu tom soando receoso e moderado.

- Não, você é perfeito - afirmei, sentindo um nó na garganta.

- Ananda, não precisa me esconder o que está sentindo - argumentou, tocando sutilmente meu rosto. - Antes de qualquer coisa, quero que sejamos amigos. E amigos dividem as emoções uns com os outros. - ele acariciou minha bochecha.

- Não é nada demais, é só que às vezes eu penso nos meus pais e na minha avó e então me sinto sozinha - envolvi meus próprios braços, sentindo frio subitamente. - Logo passa.

- Vem cá. - Seu pedido soou imperativo, quase como uma ordem.

Saem movimentou os dedos, me convidando para um abraço. Respondi ao chamado, achegando-me nele. Aliás, qual foi a última lembrança de um abraço que eu tive mesmo? Olha, pelo visto, quando minha avó ainda estava viva. Digo um abraço de verdade, não aquela coisa fria que geralmente trocamos na virada do ano ou em festas comemorativas. Saem afagou cuidadosamente meu cabelo, embrenhando os dedos na minha nuca. Como se soubesse exatamente o que fazer, acariciou ali, deixando um beijo casto no topo da minha cabeça.

- Obrigada - agradeci sem jeito. - Você é maravilhoso, sabia? - elogiei, olhando para cima.

Nossos olhares se encontraram, ele sorriu.

- O que posso fazer para te animar? - questionou, genuinamente interessado.

- Apenas sendo você mesmo já me anima e muito - confessei, um sorriso mais sincero ousou esticar meus lábios.

- Sei aonde te levar. - ele deu outro beijo na minha cabeça, entendi que precisava me afastar.

Mas, olha, foi uma tarefa complicada. Saem tinha aquele cheirinho tão gostoso, era quase um calmante natural. Enfim, ele ligou o carro, dando partida. Foi quando tomei a liberdade de colocar música para tocar, Saem aprovou com um um jóinha.

- É estranho não ter que ir trabalhar - comentei ansiosa, pensando nas minhas atividades possivelmente atrasadas. - Sua mãe falou alguma coisa?

- Não, acho que hoje eu vou ir até lá conversar com ela sobre as fotos que encontramos. Procurei por mais algumas coisas pela casa, só que não achei nada além do que já temos - explicou, minha língua coçou para confessar que ouvi toda a conversa entre eles no escritório. - Esse assunto não sai da minha cabeça, mas minha mãe não me ligou e não atendeu quando eu liguei. Deve estar fazendo isso porque a contrariei, acontece desde que eu era criança - contou, tentando em vão esconder a decepção. - Mandei uma mensagem informando que iria ao apartamento dela hoje à noite para conversarmos. Só preciso me preparar mentalmente antes, conversas importantes com a minha mãe sempre resultam em discussões entre nós. Eu preciso abordar todo e qualquer assunto com cuidado, do contrário ela sempre fica na defensiva - suspirou cansado.

Dava para notar em seu tom de voz que ele estava visivelmente chateado.

- Vamos encontrar respostas no tempo certo - afirmei, visando acalmar a ansiedade que eu mesma sentia por esclarecimentos.

Se a mãe do Saem soubesse de algo do meu passado e estivesse escondendo por algum motivo. Eu queria descobrir. Também não parava de pensar no fato de nossos pais se conhecerem, minha avó não falava muito disso. Principalmente do meu pai, o nome "Henrique Duarte" era quase um palavrão dentro da nossa casa. Por mais que eu perguntasse coisas a respeito do homem que tecnicamente me deu a vida. Nunca era contemplada com respostas, até chegar o momento em que desisti de querer saber. Ele me abandonou, o mínimo que eu podia fazer era abandoná-lo de volta. Então algo me ocorreu, eu não queria começar escondendo segredos.

Ouvir a conversa entre Saem e Angélica era algo de que eu não me orgulhava.

- Tem razão - ele me olhou de esguelha. - Quero aproveitar ao máximo esses dias com você, não preciso do meu passado para saber que desejo você no meu presente. Ainda assim quero entender o que minha mãe esconde e porquê. Sei que tem uma história por trás disso - declarou, meu peito se expandiu de felicidade ao ouvi-lo dizer "desejo" e "no meu presente" na mesma frase.

Eu sentia o mesmo, que não precisava compreender exatamente o que aconteceu antes para desejar conhecê-lo melhor. Nesse ponto decidi revelar o que estava me incomodando.

- Preciso te contar uma coisa - iniciei, temerosa.

- O que? - indagou curioso.

- Ouvi toda a conversa que teve com a sua mãe antes de falar comigo. - baixei os olhos envergonhada.

Saem riu.

- Tudo bem, acho que o escritório todo ouviu - ponderou calmamente. - Algo te incomodou na conversa?

- Te conto que ouvi uma conversa particular e pergunta se alguma coisa me incomodou? - ironizei. - Você não existe.

- Isso não vem ao caso - contrapôs, sem se alterar. - Quero saber se ficou chateada.

- Bom, não sei dizer ao certo. Eu trabalho para sua mãe há um ano, estou acostumada com o jeito dela - expliquei, tentando ser diplomática. - Já você me defendendo foi outra história.

- Gostou ou foi estranho?

- Claro que gostei, só penso que não deve trabalhar no escritório se não quiser realmente - observei, lembrando do que ele me contou. - Você tem outro sonho.

- Não se preocupe com isso agora - respondeu mais sério. - Só aproveite seus dias de descanso, de preferência comigo. - piscou daquele jeitinho gracioso que eu pedi para não fazer.

Só que eu não reclamaria mais. Era melhor ter muitas doses de Saem, para me acostumar logo e não sentir que fosse desfalecer sempre que ele respirava, ou assoprava aquele cabelo.

Enfim, como Saem mesmo aconselhou no carro: acostume-se.

Tipo, ter uma overdose de todas as expressões faciais dele em breve me deixaria imune, certo?

- Vou tentar - concordei, voltando a ficar animada e curiosa.

Aonde será que Saem me levaria? Andamos mais um tempo e percebi que seguíamos rumo ao shopping. Achei previsível, no entanto, aguardei porque poderia estar enganada sobre o destino final.

- Calma, que só vamos fazer uma coisinha aqui - anunciou, como se lesse mentes, e manobrou para entrar no estacionamento.

Fiquei olhando fixamente para seu rosto de perfil, enquanto Saem checava os retrovisores. Notando uma pintinha quase imperceptível no canto de seu olho direito. E a boca? Tinha uma marcação sugestiva bem no centro de seu lábio inferior. Era como um lembrete. Estilo: olha para esse rostinho, os olhos são lindos, mas você não sente vontade de beijar essa boca? E eu sentia, droga.

Acabei rindo e balançando a cabeça, parecia que tudo nele era perfeitamente esculpido por um artista muito talentoso. Ô coisinha linda esse garoto! Chegava a ser constrangedor o modo como eu o admirei nesses segundos em que Saem estava distraído com a manobra do carro. Será que era atração o que eu sentia por ele? A simples e pura atração física? Explicaria o porquê de eu sentir tanta vontade de embrenhar os dedos nos cabelos do Saem e beijá-lo até me faltar ar. Afinal, qual garota em sã consciência não desejaria isso ao mesmo uma vez, após bater os olhos em um garoto tão estupidamente lindo? Já senti isso antes, o desejo insano de beijar um cara e depois que o fiz, passou. Da mesma forma que veio se foi. E se estivesse acontecendo novamente com o Saem? E se o que eu sentia fosse somente atração e quando nos beijássemos, tudo acabasse em um passe de mágica? O fato de ele me provocar no carro daquele jeito, atiçou algo na minha mente.

Eu dormi e acordei imaginando como seria sentir a boca do Saem na minha. Onde eu deixaria minhas mãos, onde ele colocaria as dele. Todos esses pensamentos se intensificaram quando Saem me abraçou daquele jeito ao nos vermos.

Trazendo-me à razão, o que Verônica disse ecoou na minha mente, sobre eu não magoá-lo. Eu tinha essa capacidade? Pensar que existia tal poder em minhas mãos era surpreendente. Saem não estava apaixonado por mim, com certeza não.

Ele podia estar atraído também, acontecia sempre, certo? Certo!

Quantos casais ficaram juntos após acabarem de se conhecer? Um caso de uma noite apenas. Nada mais. Eu precisava descobrir, antes de estragar tudo. Porque ele era o filho da minha patroa e...

- Ananda. - A voz do Saem soou ao longe. - Vamos? - perguntou, estendendo a mão para mim.

A porta do carro estava aberta, eu nem sequer percebi quando paramos e ele saiu.

- Hã? - meu rosto queimou com os pensamentos impuros.

Baixei os olhos envergonhada.

- No que estava pensando? Ficou com o rosto vermelho do nada. - Saem fez uma expressão maliciosa. - Onde sua mente estava há pouco?

- Em lugar nenhum! - me defendi. - Eu não pensava, por exemplo, em como seria quando você acabasse com esse suspense e me beijasse de uma vez por todas. Na boca - frisei - Nem em como seu lábio inferior tem um risquinho no centro, e como notar isso me atormentou toda a noite imaginando como seria quando eu pudesse mordê-lo. - Era como se minha língua tivesse adquirido vida própria. - Ou em onde eu colocarei minhas mãos quando nos beijarmos e onde você colocará as suas... Porque se for somente atração o que estamos sentindo, é melhor acabar logo com isso, não ficar postergando ou fazendo joguinhos de sedução. Porque eu sou a assistente da sua mãe e... - Saem puxou-me para fora do carro, colidi abruptamente em seu peito.

Fiquei imóvel e sem ar quando ele envolveu minha cintura, prendendo-me a si. Então olhou bem dentro dos meus olhos, antes de dizer:

- Eu também estou sentindo uma vontade louca de te beijar, Ananda - sussurrou, causando um rebuliço dentro de mim. - Só quero que seja especial, não acho errado existir um processo de sedução antes disso. Você acha? - Não consegui responder, estava em choque. - Quero aproveitar cada passo da conquista e isso implica em te mostrar o meu lado romântico e um pouco meloso, talvez. Além disso, você realmente acredita que o que está rolando entre nós seja somente atração física e nada mais?

- Não - respondi baixinho, minha voz mal saiu.

- Então seja uma boa menina e me deixa fazer o meu papel, te cortejar... te conquistar aos pouquinhos e te mimar muito. - Saem deixou um beijo lento e demorado no canto da minha mandíbula.

Como se precisasse desses artifícios para me deixar totalmente entregue. Por falar nisso, minhas pernas fraquejaram.

- Faça como quiser a partir de agora - escapou, ele sorriu em aprovação.

- Assim está melhor - respondeu, em seguida deixou um beijo na minha testa. - Agora vamos que eu quero te comprar algo.

De onde esse garoto saiu?

            
            

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