Capítulo 4 3

Quando coloquei meus olhos na Verônica, tentei controlar minha surpresa. Eu a imaginei como uma garota diferente do que era. Ela entrou toda tímida, como se estivesse envergonhada por estar ali. Como se atrapalhasse. Saem foi até ela e a abraçou, em seguida fomos apresentadas. Verônica calçava um converse branco, calça jeans e uma baby look do BTS. Ela era baixa, talvez menor do que eu e parecia uma garota simples. Quando terminaram as apresentações, Verônica sorriu e eu retribuí amigavelmente.

- Desculpe atrapalhar, mas a Angélica pediu para eu vir. Disse que o Saem estava triste aqui sozinho e que você tinha que voltar para o escritório - contou, apontando para mim. - Aliás, eu estava com saudades de você, seu cabeça de vento! - então ela se jogou novamente em Saem, agarrando sua cintura.

Ele a abraçou de volta, desviei o olhar, porque parecia algo íntimo.

- Você não incomoda, baixinha. - Saem apertou a ponta do nariz dela e sorriu.

Achei carinhoso, mas de alguma forma me incomodou.

- E desculpe se pareci enciumada ao telefone, eu só fiquei um pouco chateada por você não ter me ligado para te buscar no aeroporto - confessou timidamente.

- Eu achei que minha mãe fosse me buscar, comentei com você - Ele se desculpou. - O voo adiantou também, por isso não contei nada. Mas eu iria te ligar essa semana.

- Certo. - Verônica sorriu. - Não quero atrapalhar, só quis saber como você estava. - Ela olhou para mim sugestivamente.

Minhas bochechas esquentaram.

- Está tudo bem - garanti, foi eu quem caiu de paraquedas naquela situação. - Só vim por ordens da Angélica, mas agora que você tem companhia eu vou indo. - Olhei para Saem e coloquei as mãos nos bolsos.

Eu deveria voltar para minha casa, me acabar em Cup Noodles por estar cansada demais para cozinhar. Sei lá, qualquer coisa do tipo. Já tinha conhecido a garota, não fazia mais sentido ficar atrapalhando a conversa que eles teriam.

Eu estava sobrando.

- Já disse que te levo - Saem insistiu. - Você nem comeu.

- Tá tudo bem - afirmei. - Eu estou cansada, fica para outro dia.

- Então a gente te leva. - Verônica ofereceu, acho que ela quis ser gentil, não me expulsar o quanto antes da casa. - Podemos marcar outro dia mais cedo, o que acha?

- Seria ótimo - concordei, mesmo sem saber se era um convite formal ou apenas educação.

- Se não tem jeito - Saem deu de ombros, abri um sorriso educado e peguei minha bolsa. - Você está me devendo uma partida de videogame também.

- Sempre pago minhas dívidas.

No caminho de casa, eu fui atrás e os dois na frente. Saem dirigia, enquanto contava como foi os anos que passou com os avós. Eu não tomei parte, fiquei em silêncio ouvindo a conversa. Eles pareciam muito amigos, quem visse de longe nem saberia que foram namorados ou talvez pensassem que ainda eram. Não que fosse da minha conta, de qualquer forma. O caminho até minha casa seria longo, eu olhava pela janela pensando no meu surto. Quando chorei do nada na frente de um garoto que não conhecia direto. Era meio ridículo, eu estava envergonhada agora.

Saem seguia o GPS, portanto, não precisei dar coordenadas. Em questão de quarenta minutos chegamos.

- Obrigada pela carona - agradeci, saindo do carro.

- Não foi nada. - Saem respondeu, sorrindo. - Amanhã então eu te busco, pode ser?

- Como assim? - demorei a compreender.

- Já esqueceu nosso acordo? Sete dias, lembra? - piscou, eu sorri sem querer.

- Não acho que a senhora Angélica vai me liberar por uma semana - argumentei, fechando a porta.

- Você tem férias vencidas? - perguntou, confirmei que sim. - Então, é seu direito.

- Está bem - não queria discutir, me sentia exausta. Eu precisava de um banho urgentemente. - Foi um prazer conhecê-la. - Sorri para Verônica, ela retribuiu e acenou.

- Até breve, se o Saem prometeu comida, aproveite. Ele cozinha divinamente. - Ela fez um gesto exagerado com os dedos.

- Obrigada pela dica.

Com isso entrei em casa.

∞∞∞

No outro dia pela manhã, eu dormia como uma pedra quando meu celular tocou. Tateei ao lado da cama em busca dele, com a visão ainda turva olhei no visor, constatando que era Angélica. Eu sabia que ela não iria liberar essa semana que Saem pediu. Nem me iludi, tá legal, no começo sim.

Ela disse que precisava de mim no escritório em no máximo uma hora, eram seis da manhã. Respondi que estava a caminho, mesmo sem ter sequer acordado direito. Cambaleante, levantei da cama e rumei para o banheiro. Eu precisava de um banho para despertar, mas infelizmente não levei mais de cinco minutos embaixo do chuveiro. O cabelo foi outra história, não lavei no dia anterior e não teria tempo de lavar hoje muito provavelmente. Ou seja, tentei um penteado fácil e não tão sofisticado para disfarçar. Não ficou lá essas coisas, no entanto, teria de bastar. Peguei uma torrada, comprei um café puro na lanchonete ao lado de casa e pedi um Uber. Eu não andava de táxi, era mais caro e meu salário era bom, porém não permitia tantos luxos.

Ao chegar, Angélica logo tratou de colocar pastas e mais pastas em minha mesa, alegando que eram contratos importantes e estavam atrasados. Informou que precisava deles até o meio-dia, o que me dava um total de cinco horas para revisar minuciosamente contratos com centenas de folhas. Sozinha, era um esforço de um dia, no mínimo. Todavia, eu apenas assenti, começando meu trabalho. Fiquei completamente entretida, não vi o tempo passar. Lá pelas dez da manhã, meu celular vibrou. Não atendi para não perder tempo, só que vibrou de novo. Pensei em ver se era importante, o que eu duvidava muito.

Contava nos dedos quantas pessoas tinham meu número.

Quando tocou insistentemente por umas três vezes, resolvi atender:

- Alô.

- Ananda? - Era a voz do Saem.

Com o cansaço nem salvei o número.

- Oi - respondi sem emoção.

- Onde você está? - perguntou confuso.

- No escritório - afirmei, sem deixar de checar os relatórios.

- Como assim? E nosso acordo? - Seu tom de voz denotava confusão.

- Estou fazendo meu trabalho, Saem. Tenho um prazo apertado - suspirei. - Desculpe.

- Estou indo pra aí. - desligou.

Nem me importei, continuei trabalhando. Entretanto, em dado momento, comecei a ouvir sons e apurei os ouvidos, eu estava sozinha no escritório. Angélica deveria estar na sala da diretoria ou em algum outro lugar. Contudo, ouvi uma conversa em voz baixa, então resolvi investigar. Minha curiosidade comichou e minha bunda estava quadrada de tanto ficar sentada ali. Alonguei o corpo, girei a cabeça, movimentei os ombros e saí. Passei pelo corredor, indo em direção ao som de conversa. Percebendo que era Saem, ele discutia ou conversava em um tom baixo. Eu não podia espiar atrás da porta, mas não passava ninguém pelo corredor. Todos deveriam estar concentrados em seus afazeres.

- Então os sete dias de folga da Ananda foi um blefe? - O ouvi indagar.

- Preciso dela aqui. - Angélica respondeu, em uma voz calma e apática.

- Não, a senhora me garantiu ontem que daria esses dias à Ananda. Que horas ela chegou? - retrucou, parecendo contrariado.

- Às sete da manhã e não é da sua conta, você não tem que se envolver em como trato meus funcionários - afirmou, ainda mantendo o tom sereno. - Você não trabalha aqui.

- Então dê pelo menos sete dias de folga para ela e eu venho trabalhar com você. - Saem propôs, arregalei os olhos de surpresa. - Com uma condição.

- E qual? - Angélica pareceu flutuar ao ouvir aquilo.

- Ela vai ser minha assistente, não sua.

- Não - Angélica revidou de imediato. - Por que está tão preocupado com a minha funcionária? - Saem não respondeu, então ela continuou: - Eu pedi que a Nanda te fizesse companhia por um tempo para que não ficasse sozinho apenas. Não tem motivo algum para você se apegar a uma simples assistente. Você tem a Verônica - concluiu sem se abalar.

- Verônica e eu somos apenas amigos agora. Conversei com ela ontem, aliás, graças a senhora. Já pode parar de manipulá-la. - foi quase uma ordem

- Eu só quero o que é melhor para você.

- A senhora não sabe o que é melhor pra mim! - Saem exclamou alterado. - Mas manterei minha palavra, daqui uma semana começo a trabalhar na empresa. Não deixarei mais a senhora explorar a Ananda.

- Ela ganha muito bem para ser explorada e não concordei com seus termos ainda - alertou, não tão pacífica quanto antes.

- Dinheiro não é tudo, mãe. - Saem sussurrou, quase sem forças.

- Não, Saem? - ela ironizou. - Sobreviva somente com o seu trabalho, abra mão dos seus vários cartões de crédito e eu acredito em você.

- É impossível dialogar com a senhora, se é o que quer. É o que eu farei - respondeu com a voz alterada -, mas a Ananda vai ficar comigo.

- Você tem a mim, não precisará de assistente - desdenhou.

Eu pensei que era hora de sair de fininho, no entanto, estava obcecada por aquela conversa. Saem estava disposto a tudo isso por uma garota que acabou de conhecer?

- Eu preciso de alguém que conheça a empresa e a senhora não tem tempo pra nada - barganhou, meu coração acelerou com a possibilidade.

- Feito, te dou um mês para me provar que consegue. Dependendo do resultado, prometo diminuir as tarefas da Ananda - afirmou, como se fosse a coisa mais gentil que decidiu fazer na vida.

- A senhora sabe que não precisa fazer isso, certo? - mordi o lábio, ponderando se devia ir embora ou ouvir mais. - Sabe que ela é uma boa funcionária e está sobrecarregada.

- Ananda reclamou para você? - foi como se Angélica se agigantasse sobre o filho.

Era estranho vê-la falando com ele assim pessoalmente. Pensei que ela fosse mais carinhosa, me enganei.

- Não, droga! - Saem exclamou injuriado. - Sou empático e percebi, o que a senhora devia fazer também. Sabe que está barganhando comigo um direito dela, esse direito se chama férias - enfatizou, eu quase ri.

- Não tenho que discutir esses assuntos com você, não enquanto perder seu tempo alimentando esse desejo infantil de ganhar a vida cozinhando. - Seu comentário foi tão ácido, que eu me encolhi. - Sabe o quão ridículo soa para mim? Seu pai deve estar se revirando no túmulo.

- Não meta meu pai nessa discussão, estamos acordados. - Ele deu a entender que queria encerrar o assunto. - Vou buscar a Ananda, as férias dela começam hoje. Até semana que vem, já que não espero ver a senhora em casa.

- Por que não fica comigo no apartamento? Tem espaço suficiente para os dois - propôs, como uma oferta de paz.

- Não, obrigado. - Saem negou.

Nesse ponto eu corri como se não houvesse amanhã, esperando que não checassem a câmera do corredor. Porque ninguém demoraria tanto tempo assim ajeitando a barra da calça.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022