- Tem, querida. Está doendo muito? Não é de tomar remédios à toa.
Meu pai pegou a caixa de medicamentos que ficava em um canto do gigantesco armário da cozinha e me passou um comprimido.
- Obrigada, pai. - Engoli apressada, para sair o mais rápido possível dali.
- Quer que eu faça uma vitamina, Clozinha? - Lalinha perguntou com seu jeitinho carinhoso.
- Agora não, mais tarde quem sabe. - Beijei o rosto enrugado dela. - Vou voltar pra cama. Ah! Convidei o Tony para almoçar conosco.
- Tudo bem, o Roger também vai ficar. Ele é o único que usufrui da nossa academia - comentou minha mãe.
- Que bom - falei, achando uma péssima ideia. - Mais tarde eu desço.
- Espera! Vou subir com você - Roger disse sem a menor cerimônia, andando atrás de mim.
Com ele na minha cola, ao subir as escadas apressei os passos sem compreender bulhufas de tamanha liberdade.
- Vou tomar uma ducha. - O safado tirou a camiseta, provocando-me parado na frente do quarto de hóspedes.
- Fez lavagem cerebral na minha família? - Olhei na boca dele e voltei a encarar seus olhos, continuar olhando mais abaixo seria muito arriscado e eu não estava disposta a correr esse risco. Os lábios opulentos dele imploravam para serem saciados.
- Não. Por quê? - Caminhou e aproximou-se mais do que deveria, deixando-me quase sem fôlego.
- Frequenta demais a minha casa, trabalha na metalúrgica, usa a nossa academia e até banho toma aqui.
- Sou bem-vindo, Chloe. Sua família é a minha família.
- Pois deveria ficar mais com a SUA então. E não com a família dos outros - enfatizei com irônia. - Existe uma linha tênue entre amizade e invasão de privacidade, e pelo visto você extrapola.
Um tanto chocado, eu diria, Roger segurou o meu queixo, meneou a cabeça e entrou no quarto.
Fiz o mesmo, totalmente irritada e confusa. Ele no quarto da frente, entrando no banho, era muita incitação para uma pessoa só. Voltei para a cama, respirando compassadamente tentando me acalmar. Sem grande êxito resolvi abrandar a comichão que me perturbava, debaixo de um jato de água fria e mesmo assim não surtiu um grande efeito. Pensar nele e em seu peito desnudo era o maior dos meus problemas naquele momento. Voltei para a cama e lá permaneci tempo o suficiente para minha cabeça melhorar e o meu corpo se aquietar.
Mais tarde, troquei-me e desci. Todos já estavam na área do jardim conversando, inclusive a Kelly.
- Oi - cumprimentei num aceno geral e todos responderam.
- Melhorou? - Tony levantou-se e beijou meu rosto. - Sua mãe comentou que estava indisposta.
- Melhorei. Uma chata e incômoda dorzinha de cabeça. - Sorri. - Seu presente. - Entreguei a sacolinha com as iniciais do Pietro D'Angelo.
- Obrigado. - Tony abriu a embalagem e sentiu a frangância. - Muito bom, Chloe, do jeito que eu gosto.
- É o mesmo que o Pietro usa. Achei que combinava com você. Ambos gostam de toque amadeirado, supus que iria gostar.
- Perfeito. gostei bastante, acertou em cheio. - Ele sorriu agradecido por saber que eu não havia me esquecido de sua predileção.
- Que honra, Tony! O perfume do gostosão - comentou Kelly invadindo a nossa conversa.
- Eles possuem muitas semelhanças, incluindo a beleza, mas a principal delas é que tanto o Tony quanto o Pietro sabem como tratar uma mulher. - Fitei Roger e com semblante austero, ele me devolveu o olhar.
- Uau! - Dafne bateu palmas. - Ai, que lindo, você e o Tony formam um belo casal.
- Não exagera, Dafne - André comentou.
Sentei ao lado deles e me servi de um pouco de suco.
O almoço não demorou a ser servido, jogamos conversa fora até que o meu irmão aficionado por filmes de ação sugeriu que fôssemos para a sala assistir a um. Ver Kelly pendurada no pescoço do Roger o chamando de neném me irritava muito mais do que gostaria. Por conta disso acabei me aproximando do Tony. Ele passou o braço ao meu redor e eu me aconcheguei nele.
Quando o filme terminou, o meu irmão acendeu as luzes e como sempre resolveu se opor ao me ver tão próxima de Tony.
- Vocês estão muito grudados. - Jogou uma almofada no amigo, que a pegou no ar.
- Concordo com a Dafne, formam um belo casal - Roger disse ironicamente e eu o olhei incrédula.
- Você a viu nascer, Tony. Tínhamos dez anos quando Chloe veio ao mundo. Você está com 38 e a minha irmã só tem 28, é consideravelmente velho para ela.
- Como você é ridículo, André. - Dei um meneio de cabeça. - Idade não tem nada a ver. Aliás, o Pietro completa 42 anos este mês. - Gargalhei com a cara de espanto dele. - E ele dá de mil a zero em muitos homens de trinta.
- Se bem que vocês três têm 38, correto?
Os três concordaram.
- Então, com qualquer um dos seus amigos aqui presentes eu estaria bem, afinal são mais velhos e experientes, e para a sua informação eu não gosto de moleques. Sempre tive quedas por homens maduros. Na faculdade mesmo, saí com um professor dezesseis anos mais velho. Como eu disse, deveria ficar feliz, são seus melhores amigos, estaria em boas mãos. Tony ou Roger, certo? Desculpa, Kelly, é só uma hipótese. Porque entre o Tony e o Roger, prefiro o Tony. - Sorri para ele, cutucando a onça de olhar negro e nebuloso que me encarava.
- Fico feliz. - Antony levou uma das minhas mãos aos lábios e a beijou.
Dafne e Kelly adoraram a cena e deram gritinhos estéricos.
- E tem outra coisa! O Tony você conhece há mais de trinta anos e conhece os pais. Conhece a família do Roger? - Quando terminei de perguntar, percebi que todos emudeceram e as risadas cessaram.
- Minha mãe faleceu treze dias após o meu nascimento, de leucemia; e meu pai, quando eu tinha quatro anos, de acidente de carro. Fui criado pelos meus avós paternos, mas já faleceram também. Então, Chloe, a minha família é a sua família, e incluo o Tony, que é mais que um amigo, é um irmão. - Roger me olhou com uma expressão na qual eu nem consegui decifrar tamanha era a minha vergonha.
- Des-Desculpa. Eu não fa-fazia ideia - gaguejei sem graça. - Perdão. - murmurei totalmente desconfortável com o meu comentário nada feliz.
- Tudo bem. Mal nos conhecemos, não temos intimidade o suficiente para você saber de assuntos relacionados a minha vida e menos ainda da minha infância.
- E, quero deixar bem claro, eu não aceito nenhum tipo de camaradagem com a minha irmã - André disse desta vez tentando descontrair o ambiente que por ora havia ficado pesado. - Não são íntimos e continuem assim. - Meu irmão sorriu.
- Desculpa - balbuciei para Roger completamente constrangida pela bola fora. Se eu pudesse esconderia minha cabeça embaixo do sofá, e quanto a ele diante da minha situação embaraçosa esboçou um leve sorriso de compaixão.
Permaneci o restante da noite me sentindo uma idiota. Mesmo com o Tony me dizendo que eu não tinha como saber, eu continuava me sentindo uma tola. Ao me deitar demorei para pegar no sono, pensando nas asneiras que logo pela manhã havia jogado nas fuças do Roger em relação a família dele. Decididamente eu pisei feio na bola.