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Hoje é segunda-feira, 22 de maio de 2024. Faltam três dias pro aniversário do Luan. E o que eu sinto... não cabe mais dentro de mim.
Acordei antes do despertador. O céu ainda estava escuro. Senti aquele silêncio estranho da madrugada, como se o mundo tivesse esquecido de acordar. Levantei e fui até a janela. A rua estava vazia, só um gato atravessando a calçada, despreocupado. Eu queria ser aquele gato. Sem ansiedade, sem coração descompassado, sem um melhor amigo que te deixa sem ar só de sorrir.
Fiquei ali olhando o céu clarear, perguntando pra mim mesmo: "Se eu contasse hoje, o que mudaria?" E, logo depois: "Se eu não contar... o que vou perder?"
Quando Marianna acordou e passou pelo corredor, me viu sentado na escrivaninha e disse:
- Já tá se torturando essa hora?
Ignorei. Ela entrou mesmo assim, como sempre.
- Sonhei que você contava. Ele te beijava. Todo mundo aplaudia. Tinha até fogos. - Ela fez um gesto com as mãos imitando fogos de artifício.
- Você anda sonhando mais do que eu - murmurei.
- Henry... - Ela parou. Pela primeira vez, o tom era mais sério. - O mundo não tá esperando você decidir. Ele continua andando. O Luan também.
Essas palavras ficaram comigo o dia inteiro. Como um eco.
Na escola, ele estava lá. Boné virado pra trás, moletom largo, aquele mesmo sorriso de sempre. O jeito como me chamou:
- Pequeno gênio!
Fez meu estômago revirar.
E então...
O sinal tocou, e a sala começou a encher. Luan chegou na minha carteira com aquele jeito tranquilo dele, como se fosse só mais um dia, mas eu sabia que não era. Pelo menos pra mim.
- Tá estranho hoje - ele disse, ajeitando a mochila.
Engoli seco. Queria responder "tô só pensando em você", mas não consegui. Só balancei a cabeça e abri o caderno.
A aula foi um borrão. As palavras da professora viravam sons distantes enquanto meus olhos só conseguiam enxergar ele. O jeito que ele mordia o lábio quando estava concentrado, a maneira como mexia no cabelo e ajeitava a gola do moletom. Coisas pequenas que antes não significavam nada, mas que agora me deixavam inquieto.
Na hora do intervalo, ele veio até mim com aquele sorriso aberto.
- Quer ir comigo e o Kauê comprar um lanche?
- Claro.
Fomos caminhando, e a conversa parecia leve, mas por dentro eu estava um turbilhão. Queria dizer tantas coisas, mas minha voz não saía. Cada palavra que eu ensaiava ficava presa na garganta.
Ele falou sobre o que ia querer para o aniversário. Um tênis novo, uma camiseta da banda que ele tinha começado a ouvir, um jogo novo para o videogame. Eu escutava e tentava pensar num jeito de dar o presente mais importante: o que meu coração queria dizer.
No caminho de volta, paramos numa praça e sentamos no balanço. Ele empurrou devagar, e eu me deixei levar pelo ritmo, tentando achar coragem.
- Henry... - ele começou, e meu peito apertou.
- O que foi? - falei rápido, tentando parecer natural.
Ele hesitou, olhou para o chão e depois pra mim.
- Eu... acho que você anda diferente. Tipo, meio distante.
Foi como se ele tivesse colocado um espelho na minha cara. Eu queria tanto que ele soubesse. Que ele entendesse que era por ele.
- É que eu tô... meio confuso - consegui responder, tentando sorrir.
Ele me encarou, como se quisesse me dizer algo importante, mas não conseguiu.
Naquele momento, o balanço parou, e o silêncio entre a gente ficou maior que tudo.
Eu queria que o tempo congelasse, que a verdade saísse sem medo, que o mundo inteiro soubesse.
Mas só faltam três dias.