Capítulo 10 Benjamin - Capítulo 3

"Talvez eu esteja sendo um pouco ousada demais, ou somente insolente mesmo, ao lhe escrever esta carta. Afinal, mal te conheço. Mas não pude deixar de pensar em nossas conversas ao longo do final de semana.

Fiquei pensando muito em algumas coisas que milorde me disse, e percebi que deveria ser sim um ótimo estrategista. Então por que me deixara desvendar todos os segredos do jogo? Sinceramente, adoro um desafio, mas imagino que o senhor também."

- Trecho da carta de Hannah para Benjamin.

"Sinceramente? Talvez eu esteja sendo um pouco ousado demais (e sim, eu estou utilizando suas palavras), ao dizer que milady fica adorável quando está concentrada. Sem contar que estava se divertindo tanto, que eu seria incapaz de intervir.

Devo admitir que sua carta me surpreendeu, mas foi uma surpresa boa. Pois eu também não consigo deixar de pensar em nossas conversas, ou mais importante, em você."

- Trecho da resposta de Benjamin para Hannah.

Ben estava sentado na mesa de seu próprio escritório, terminando o relatório sobre sua ida às ilhas Tavels, que ele deveria ter entregue ao seu pai na semana passada quando retornou da viagem, mas havia se esquecido.

A porta de seu escritório foi aberta abruptamente, porém o príncipe nem piscou. Já esperava isso. Seu irmão mais velho, James, ouviu sobre ele ter se encantado pela Hannah, e quis averiguar a situação pessoalmente. Porque era isso que James fazia, descobria algo, e ia atrás para deixar tudo o mais claro e tranquilo o possível. Ou pelo menos ele tentava fazer isso sempre. Com nove irmãos, é difícil conseguir fazer o mesmo por todos.

Já Benjamin, não se dava o trabalho de se estressar. Ele já tinha imaginado que Sophie teria contado tudo a James, e que o primogênito iria atrás dele, e também sabia que ele não poderia vir no horário da manhã, de modo que Benjamin havia feito uma aposta consigo mesmo que James invadiria seu escritório as três horas da tarde. E ao olhar de relance para o relógio na parede, ficou feliz de constatar que estava certo. Eram exatamente três horas.

Ben sempre fazia isso. Gostava de manter a mente afiada, então fazia constantes desafios de imaginar como as coisas se desenrolariam. Afinal, essa é parte da função de um estrategista, imaginar os possíveis cenários, a apostar suas fichas no que você acredita ser o mais provável.

Foi por isso que não se surpreendeu com a chegada do irmão. Continuou fazendo seu relatório, e simplesmente ergueu a sobrancelha.

- Chegou na hora que eu havia planejado. - Ben disse, parando de escrever e colocando as folhas na pasta. Ele ergueu o olhar para o irmão. - Mas devo dizer que estou decepcionado com uma coisa. Achei que você soubesse o porquê de ter dois guardas na porta do escritório.

James fez uma careta, imaginando aonde aquilo iria chegar.

- A função principal é te proteger de um ataque. - O primogênito respondeu. - E você já deveria saber que eles tem medo demais de mim, para recusar uma ordem.

- Está errado, irmãozinho. Nas duas constatações. Se houvesse um ataque, eu iria para linha de frente. - Ben respondeu, abrindo um sorriso superior. - E eles não tem medo de você, te respeitam.

- Então por que me olham tão apavorados?

- Talvez seja por causa de seus cabelos brancos. Estão cada vez mais aparentes. Estão com medo de você morrer precocemente, e deixar o pequeno Brian no poder.

- Primeiro que Brian já tem doze anos. Não é tão pequeno assim. Segundo que o cabelo branco é a consequência de ser o príncipe herdeiro, ter nove irmãos mais novos e ter cinco filhos incansáveis. - Ele soltou um longo suspiro. - Não sei como nossos pais conseguiram. Por que eles não pararam nas gêmeas? Quatro filhos já é demais. Céus! Dois filhos são demais.

- Se eu fosse você, não deixaria nossos irmãos ouvirem isso. Vão pensar que você não gosta deles. - Ben respondeu, piscando os olhos inocentemente e mantendo um ar brincalhão. - E nem seus filhos mais novos. Mas, não foi para ouvir meus conselhos que você veio aqui.

- Muito pelo ao contrário. - Ele murmurou, antes de ajeitar a postura e o encarar com uma expressão séria. - Ben, você não pode cortejar a Hannah.

- Por que eu não poderia? - Ben perguntou, querendo ser cauteloso com suas palavras.

- Ela é catorze anos mais nova que você. Na realidade, o problema não é esse. O problema é que ela tem apenas dezoito, e você tem trinta e dois.

Benjamin pisou várias vezes na direção de James, como se ele tivesse perdido completamente o juízo, até finalmente dizer:

- Fiquei um pouco confuso, qual é o seu...

- O meu argumento é que vocês estão em fases diferentes da vida. A diferença de idade não seria um problema se os dois quisessem as mesmas coisas...

- Como você sabe que ela não quer o mesmo que eu?

- Nenhuma princesa quer se casar aos dezoito. - James constatou como se aquilo fosse uma informação óbvia.

- Charlie aceitou um pedido de casamento aos dezesseis.

- E só se casou aos vinte e dois. Ninguém tem maturidade o suficiente para entender o compromisso de se casar nessa idade.

- Nós somos da realeza, temos que amadurecer mais rápido que os demais.

- E é justamente por isso que não amadurecemos. Não aproveitamos as fases da vida como os outros. Nem a infância, nem a adolescência. Somos tão avançados em alguns pontos, e deixamos outros tão precários.

- Eu não vejo assim. Hannah é...

- Eu tenho certeza que ela é tão perfeita quanto você vai me descrever. - James o interrompeu, abrindo um sorrisinho. - A questão é que eu não quero que você cometa os mesmos erros do passado. Não quero que se precipite achando que ela vai querer entrar nessa de cabeça, enquanto ela ainda está aproveitamento o momento. Eu não quero que você se magoe.

- Eu não vou. Hannah é... Ela é diferente.

- Eu sei. Consigo ver em seu olhar. E é por isso que estou mais preocupado ainda com você.

- Não deveria. Sério, não quero ser responsável por você perder o resto de seus cabelos loiros.

- Eu estou falando sério, Ben. - James retrucou, parecendo mais cansado do que nunca. - Eu sei que eu não tive muito tempo para você nos últimos anos, mas eu ainda sim consigo perceber as coisas. Você se ressente. Seu sonho sempre foi ter um grande amor, se casar e ter filhos, e agora...

- Agora o que? - Benjamin perguntou, sentindo sua mandíbula ficar tensa.

James hesitou. Ele analisou seu irmão durante um bom tempo, e Benjamin reconhecia aquela expressão. Apesar de ficar irritado toda vez que o confundiam com um de seus irmãos, não dava para negar, eles eram muito parecidos. Tinham os mesmos traços, o mesmo rosto, a mesma expressão... E aquela expressão que James mantinha, Ben já havia feito várias vezes antes, quando ele sabia de algo, e analisava bem a situação, tentando descobrir se dizia o que se passava em sua cabeça ou não.

- Você nunca encontrou alguém que o fizesse se sentir do jeito que eu me sinto com Ashley, ou que Charlie sente com Peter, Kevin sente com Emma... Céus, ate mesmo Liam está completamente apaixonado. Dá pra ver no olhar dele. E eu sei que você se sente como se estivesse ficando para trás.

- Isso não é uma competição. - Ben o interrompeu, na defensiva.

- Nunca disse que era. Mas deve ser difícil ver ate mesmo o aprendiz de Eric encontrar alguém, enquanto você não. Eu só tenho medo por você, Ben. Não quero que acabe se precipitando em algo, por achar que está ficando para trás. Quero que você seja feliz. E você não pode apressar a felicidade.

- Você e Ash ficaram juntos bem rápido.

- Você está brincando comigo. Eu a ignorei durante um mês, antes de beija-la. E namoramos durante um ano inteiro, antes de eu pedi-la em noivado. Você com certeza se lembra de todas as brigas, idas e vindas.

- Eu lembro, mas só que olhando assim, parece que foi tão fácil.

- Não foi fácil para a gente, nós fizemos dar certo. Na realidade, não foi fácil para nenhum de nós. Charlie ficou cinco anos esperando Peter voltar de viagem, sem conseguir falar com ele nesse tempo, Julie fingiu ser outra pessoa durante um ano para conquistar o Matthew, Kevin se apaixonou por alguém comprometido e Liam está seguindo seus passos e...

- E Kat está namorando um jogador de beisebol, eu sei...

- Kat está namorando? - James perguntou, parecendo completamente surpreso.

- Namorando não, porque eles não assumiram o compromisso. Mas sim, ela está com o jogador e...

- Kat? Kathelyn? Nossa irmã, Kathelyn? Nossa irmã, de vinte e dois anos? A mesma menina que nos convenceu a deixarmos ela nos maquiar aos onze anos?

- Você conhece alguma outra Kathelyn?

- Quem foi que permitiu esse namoro? - James perguntou, começando a andar de um lado para o outro. - E quem é o cara? Tem antecedentes criminais? É um manipulador? Céus! E se ele for igual ao Eric?!

- Se ele realmente fosse igual ao Eric, já teria desaparecido há muito tempo, e não atenderia as ligações dela...

- O que você quer dizer com isso? - James parou abruptamente.

- Eric sempre desaparece depois da primeira noite juntos.

- Primeira noite? - James perguntou, como se aquelas palavras soassem estranhas de alguma forma.

- Kat sempre termina às noites de festa que ela da no loft, subindo com ele para seu quarto. Sem contar nas vezes que os dois vieram aqui...

- Eles vieram aqui?!?

- Em que mundo você está vivendo? - Ben franziu as sobrancelhas. - Você deve ser a única pessoa nesse palácio que não sabe do namoro dos dois.

James ficou calado durante alguns segundos, encarando Benjamin com grande intensidade. Ben podia ver uma guerra interna em seus olhos, até que, por fim, ele anunciou:

- Eu preciso ir.

- Então acabamos nossa conversa sobre minha vida amorosa e meus ressentimentos? - Ben perguntou, ironicamente.

- Não. Só estamos adiando, devido a outro assunto com mais urgência.

- Mais urgência? Kat é maior de idade, ela mora sozinha, trabalha, sabe o que está fazendo.

- Não sabe não! Ela é só uma menina. Diferente de você, ela não sabe o que se passa na cabeça de um homem.

- Ah, pelo barulho que vem do quarto dela, sabe sim. - Ben retrucou, se divertindo com a situação.

- Você é o pior irmão do mundo. Como pode deixar isso acontecer?

Mas Benjamin não pode nem responder, pois James já tinha saído, murmurando consigo mesmo enquanto batia a porta do escritório. Ben não pode deixar de rir, de todos os finais que ele tinha imaginado, nenhum foi tão bom quanto a realidade.

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Alguns dias tinham se passado e Benjamin se encontrava no mesmo lugar. Na sua cadeira em seu escritório, desta vez, lendo relatórios de soldados sobre um possível conflito surgindo ao sul do país. Ben estava tão absorto, que não ouviu quando bateram em sua porta nas duas primeiras vezes, foi só quando os guardas entraram dentro do escritório, para conferir se estava tudo bem, que ele conseguiu levantar os olhos.

- Desculpem-me. - Ben murmurou, se olhando para os dois guardas, que pareciam aliviados de vê-lo bem. - Eu costumo ficar muito absorto quando leio esses relatórios. Posso ajudá-los com algo?

- Sim, Vossa Alteza. - Um dos guardas falou. - Tem uma pessoa querendo falar com milorde.

- Quem seria?

- Seu irmão, alteza.

- Você terá que ser um pouco mais específico. - Ben contrapôs, erguendo as sobrancelhas. - Tenho cinco irmãos, e quatro irmãs, como já sabe.

- Claro, desculpe-me, alteza. É o príncipe Eric.

- Mande-o entrar.

Benjamin se recostou na sua cadeira, aproveitando os cinco segundos que ficou sozinho antes de Eric entrar para refletir a razão de sua vinda. E a realidade era que cada motivo era mais absurdo que o outro, de modo que nenhum fazia sentido. Ben percebeu quando Eric entrou, então dirigiu um olhar impassível em sua direção.

- Ben, muito trabalho hoje? - Eric perguntou, tentando parecer descontraído.

Tentando não. Eric parecia completamente descontraído, em sua pose arrogante, como se nada no mundo importasse além dele mesmo. Talvez depois de anos agindo desse jeito, ele já não saiba mais se comportar de nenhuma outra maneira. Mas Ben conseguia ver por trás da máscara, conseguia enxergar o desconforto nos olhos do irmão.

- O que você veio fazer aqui? - Ben perguntou, sem sentir vontade de fazer conversa fiada.

- Oh! - Eric exclamou, surpreso. Não esperava que o irmão fosse agir assim. - Tem uma carta para você. Sem remetentes.

O mais novo puxou de dentro de seu paletó um envelope fino, e elegante. Só de olhar para o tipo de papel, Ben sabia que não vinha de nenhum dos soldados, ou funcionários do palácio. Vinha de alguém da realeza. E pela letra delicada, graciosa e com floreios, ele apostava que era de alguma princesa. O mais velho ergueu a mão, puxando a carta para si, mas sem tirar os olhos do outro príncipe.

- E desde quando você está trabalhando como mensageiro real?

- Na verdade, a carta estava no meio das minhas correspondências, em cima da minha mesa. Deve ter ido por engano. Então pensei que não havia motivo para perturbar o meu mordomo, ou o seu, e trouxe a carta pessoalmente.

- E não podia pedir a um dos outros mil funcionários do castelo? - Eric abriu a boca, e voltou a fechar, claramente desconfortável. Ben não conseguiu evitar e abriu um leve sorriso. - O que você realmente quer, Eric?

- Eu não posso só estar querendo ver o meu querido irmão? - Ele piscou os olhos verdes inocentemente.

- A última vez que você entrou em meu escritório, foi para desatarraxar os parafusos de minha cadeira. Há catorze anos atrás.

- Tá bem! - Eric fez um gesto de rendição. - Eu vim até aqui porque você é o romântico da família.

- Eu não sou...

- Quem você está querendo enganar? Você jogou pétalas de um avião uma vez, para impressionar uma garota, depois de preparar um jantar à luz de velas com direito a orquestra.

- Eu só estava sendo cavalheiro.

- Sim, conheço bem esse cavalheirismo. Já usei muitas vezes para levar mulheres para a cama.

- Sua insensibilidade com as mulheres me impressiona.

- E qual é o problema nisso? Não é como se eu prometesse para elas um relacionamento sério e toda essa baboseira.

- Já parou para pensar se gostaria que alguém fizesse isso com suas irmãs?

- O que? Dormir com elas? Não me importo nem um pouco, elas deveriam se divertir um pouco. Além do mais, você realmente conhece Sophie e Kathelyn? É mais fácil elas enganarem os homens do que ao contrário.

Benjamin abriu a boca para rebater, mas Eric tinha razão em um ponto. Sophie e Kat podiam muito bem cuidar de si mesmas. Ele soltou um longo suspiro, se virando para seu irmão.

- Só diga logo o que você quer, e deixe-me voltar ao trabalho.

Eric hesitou. Ele parecia travar um conflito dentro de si. Passou tanto tempo que Ben estava prestes a mandar ele embora, quando o mais novo começou a cuspir as palavras rapidamente:

- Eu não sei mais o que fazer! Ela me rejeitou de todas as maneiras possíveis. Céus! Ela me jogou no riacho, pareceu entediada ao meu lado e fugiu de mim. Diversas vezes. E toda vez que eu chegava perto dela, ela fazia uma cara de nojo e me dava um fora. Eu preciso saber, o que você faz para deixar as garotas encantadas daquele jeito? Porque certamente minhas técnicas não estão funcionando.

- Só para esclarecermos, de quem estamos falando? - Ben perguntou, sem se deixar abalar.

- Da Nathalie, obviamente.

- Já parou para pensar, que talvez, ela simplesmente não queira ficar com você?

- Isso é impossível. Ninguém jamais não quis ficar comigo. - Eric falou, abrindo um sorriso arrogante.

- Existe a primeira vez para tudo, não?

Sem mais delongas, Ben deu aquela conversa como encerrada e pegou seu abridor de cartas. Antes que conseguisse fazer qualquer coisa, Eric o interrompeu, com gestos exasperados em sua direção.

- O que está fazendo? Estou diante de um grande problema aqui!

- Não vejo nenhum problema além do fato de que você acaba de ser rejeitado. Na realidade, é bastante cômico. Isso significa que sua reputação chegou ao fim. Talvez Liam possa tomar o seu lugar, ele foi seu aprendiz durante um tempo, não?

- Sério, isso é tortura aos meus ouvidos. - Eric falou, fazendo uma careta. - Eu vim aqui atrás de conselhos, não humilhações. E você, irmãozinho, é o mais romântico. E com melhores estratégias. Então por favor, me guie.

- Estratégias de guerra.

- Na guerra e no amor, vale tudo.

- Quer meu conselho, de verdade? Vou lhe falar a mesma coisa que falo para alguns soldados. Desista. Você tem que reconhecer quando uma batalha não pode ser ganha. E, sejamos realistas, irmãozinho, Nathalie nunca vai ficar com você.

Assim como ele esperava, Eric semicerrou seus olhos. Benjamim podia ver as chamas através do verde vivo.

- Eu não vou desistir tão facilmente. Ela ainda vai ficar comigo, você vai ver.

E como um furacão, ele saiu do escritório.

Benjamin sabia exatamente o que dizer para tirar aquela reação dele, para conseguir tirá-lo de seu escritório para que ele ficassem em paz. Ele só esperava que Eric não importunasse muito a pobre garota.

Ben voltou-se ao misterioso envelope. Não tão misterioso assim. Ele tinha suas suspeitas sobre de onde veio. E a julgar pelo perfume que invadiu o escritório assim que ele puxou o papel dentro do envelope, suas suspeitas estavam certas. Aquela carta vinha da Hannah. Tinha seu perfume, cítrico, espalhado por todo o conteúdo. Era inebriante.

Benjamin não hesitou em começar a ler o conteúdo de novo e de novo. E assim que se cansou, ele a botou de lado, puxou papel e sua caneta, e começou a escrever.

            
            

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