Sua relação com o pai não estava indo bem desde que seu irmão mais velho Jonathan fora embora. Mizael nunca foi um pai comum, não como um pai humano, não tratava os filhos com carinho, mas também não era autoritário. Resquícios de anjo guerreiro ainda governavam seu coração. Sempre tentara resguardar seus sentimentos. Não queria se apegar a ninguém desse planeta, mesmo que fossem seus parentes. Voltou para o quarto. Enquanto que Joana saíra para o jardim. Sentando-se no sofá-cadeira ficou a apreciar as estrelas.
Mizael entrou no quarto e abriu outra porta que dava num quartinho bem organizado com vários objetos em prateleiras de madeira. Sentou-se na cadeira junto à mesa, mexeu em alguns mapas e papiros. Pegou um dos objetos e estudou a simetria por um momento. Lamentou pelos anjos ser tão sectários, isso os limitava de obter outros conhecimentos acerca dos campos dimensionais do universo, não que estes não soubessem sobre a existência dos multiversos, só preservavam a sabedoria com cautela, rigidez, os ditos "dotados de perfeição".
Vindo a terra Mizael provou ter mais acesso a novas descobertas que teria em Nilaish (morada celestial dos anjos). Os intermediários eram apenas o que eram. Seres de luz das plataformas cósmicas sutis LOKAS (planetas próximos a terra). No entanto desenvolviam um papel importante dentro da historia da criação e sua aproximação com os humanos desde tempos longínquos. E ele próprio um exemplo em si "caído".
Suas viagens e pesquisas pelos países asiáticos, europeus, Orientais e Ocidentais lhe deram plena amplitude para novas possibilidades. Provar a sua espécie que existe um meio de aceitar e conviver com os "HÍBRIDOS PROLIFERADOS" é uma delas. E principalmente que os terrenos têm capacidade de percepção espiritual evoluída, e que podem entender a lógica da ciência divina suprema.
Os "híbridos proliferados" era assim que Haliel denominava os seres que encontrara, após descobrir que não era só a espécie de nefilins existentes. Mas sim uma espécie bem mais poderosa. Então decidira estuda-los ao invés de rebatê-los ou entrega-los aos anjos, montando seu próprio laboratório de pesquisas genéticas.
Quando Mizael descobriu a cidade de Sagrados escondida em meio à região sul do Brasil nos anos 80, abandonada e devastada decidiu revivê-la através de cartas que encontrara pregadas numa tampa de esgoto no local que é hoje a praça central que deu o nome de PRAÇA DA LUZ.
"Encontre as cartas, ache a cidade" - suplicou Haliel no seu ultimo suspiro segurando sua mão, após terem travado uma batalha com os demônios e híbridos. As cartas mencionavam sobre os fundadores de uma pequena comunidade alternativa formados por oitos anjos caídos, que teriam se refugiado ali. Seguiu as indicações pelos pontos cardeais e junto ao astrólogo e astrônomo Ganjin, e o mestre em ciências das artes e arquiteto Utaran reconstruíram a cidadezinha. Ele conhecera os dois numa expedição para "Rishkesh" e desde então sabia que seriam os únicos a ajuda-lo.
***
No dia seguinte após sair da escola Joana foi ao shopping com sua amiga Mari escolher um vestido para o festival "Angelus Trance" que acontecia todo ano uma semana depois do seu aniversario. Que alias era o segundo estabelecimento grande que tinha em Sagrados, além do Central Olimpic.
O centro comercial consistia de poucas lojas e lanchonetes. Restaurantes como os Veneza e Londres eram os mais refinados. Visitaram varias lojas. Não encontraram nada que pudesse despertar interesse em usar. Saíram. Caminharam algumas quadras e entraram no brechó Madeleine, ai finalmente achara algo que a instigaram. Joana não acreditava que o vestido de sua mãe estaria ali numa fileira de trajes de festa.
- Olha isso? – disse arregalando os olhos.
- Que? – Mari foi cutucada na cintura pelo cotovelo de Joana.
- Este vestido Gelaine Franme pertenceu a minha mãe! – passou as mãos pelo belo vestido.
- Nossa! – abismou Mari - e está perfeito!
- Não sei por que está aqui? – Falou Joana retirando o vestido rosado com pedrinhas de diamantes sintéticos e calda de cisne.
- Peraí? – Mari disse relembrando algo. – sua mãe não tinha se livrado de umas roupas velhas? – Ela mencionou com ar contraditório, pois adorava usar vestidos curtos estilo "vintage". Fosse soltos ou coladinhos, não resistia às roupas do século 20. Seus cabelos pretos encaracolados e a franjinha perfeitamente lisa lhe dava o ar da graça realçando seus 17 anos. Enquanto que Joana gostava de ousar com as novidades do século 21. Shortinhos, saias, sem dispensar vestidos vintage com toque moderno, mas o que adorava mesmo eram calças jeans lycra e corseletes customizados. Principalmente quando ia se apresentar com sua banda, o E-Gothic.
-Velhas? – Joana contestou. – nada que foi da minha mãe pode ser considerado velho. Isso em Paris custaria muitos euros.
- Uau! – Mari vibrou impressionada.
Levou o vestido até o balcão e pagou. Eufórica imaginava como ficaria nele. Na saída as duas se deparam com um estonteante rapaz que ficou ai parado olhando-as fixamente. Seus olhares lutaram com o dele até que Mari tomou a atitude de empurra-lo de modo gentil, porem subitamente o individuo desapareceu. As duas balançaram as cabeças tentando entender a situação.
- Isso foi... Estranho – murmurou Joana.
- Estranho muito estranho? – concordou Mari.
- Pena acabou meu contentamento – Joana disse sentindo a emoção esfriar.
- Que sujeitinho inescrupuloso, nem para dar um tchauzinho? – Mari logo condenou.
- Deixa, vamos! – Joana deu de ombros.
Em poucos instantes suas mentes esvaziaram a lembrança do rosto dele, como se nem o tivessem visto.
- Não entendo – Paullin retrucou. – há tantas garotas fáceis nas baladas, poderíamos ter muitas em uma só noite - ele expressou seu descontentamento com Darkson. Sugerindo que seria mais fácil fazer o habitual, buscar garotas soltas nas noites.
- Essas garotas são impuras saem com qualquer um. Perdem a pureza saindo com muitos caras, mas essas garotas "sankta virgun" - Darkson apontou na direção das meninas que aos poucos sumiram do seu campo de visão. - Geralmente bem educadas tentam manter seu pudor com rezas e tal... São as únicas que nos restam para fazer o ritual de "plena luno". Agora me relate – ordenou enquanto davam passos lentos a outra ruazinha.
- Por que tanto por um rito?
- Não me questione – retrucou Darkson.
- Eu e Joana estamos pertos – disse Paullin passando os dedos entre o cabelo. – mas poucas vezes tenho a chance de estar a sós com ela para levá-la a outro lugar.
- Joana – aspirou Darkson lambendo os lábios. – não vejo a hora de tê-la... Diga-me como ela é?
- Você teve sua oportunidade. Pensei que tinha sido o suficiente?
- Não, não foi... Diga – exigiu.
Paullin meio sem jeito tentara descrevê-la. Porém a lembrança dos olhos verdes e encantadores dela barraram sua fala.
- Um caleidoscópio. A íris dos olhos dela é como um... – Foi quase tudo que pode dizer antes que Darkson o interrompesse.
– Quando tiver a chance não perda tempo, na próxima lua cheia, não vacile.
Desde que se tornara um GURU-BHUTA Darkson ficara mais impaciente do que já era antes. Ser um mestre luciferiano exigia muita destreza, controle e nenhuma qualidade perto de ser compassível. Exercer tradições para manter a força da sua linhagem proveniente de séculos e agradar seus antecessores era uma tarefa árdua. Além de privá-lo de suas atividades corriqueiras maléficas. Mas ele fora treinado para isso, seus pais e mestres o dotaram de poder e o colocaram no pedestal mais elevado representando o nome e titulo de sua dinastia demoníaca. Agora era sua vez de prover os seus e não desistiria até conseguir o objetivo determinado.
Paullin sentia ansiedade por ser pressionado por ele. Os momentos que vivia no grupo ao lado de Joana faziam esquecer que era um demônio. Quando suas mãos apoiadas no banco da sala de música da capela se tocavam, ou quando conversavam sobre assuntos a respeito do grupo. Quando ele podia olha-la nos olhos profundamente. Quando ela tentava ensiná-lo recitar poesia ou a letra de uma música. Ou quando ele mesmo ficava por detrás dela e segurava sua mão para posicionar em algum instrumento musical. Que podia cheirar seu perfume, que podia sentir a batida suave dos cabelos dela no rosto quando o colocava por trás do ombro. De alguma forma mesmo que não assumisse para si, ele sentia lá no âmago que aos poucos mudava algum sentimento e que provava uma nova sensação.
***
Terça-feira...
Encostado no banco da sala de ensaio da capela. Inquieto lia as estrofes de uma canção. Ora recitava, ora vasculhava com os olhos os passos de Joana. Pensava como poderia conquista-la e assim terminar o que lhe fora incumbido a fazer. Observou que não havia mais ninguém, além dele e sua vítima. Era angustiante pensar como não saber lhe dar com isso. Espalmou o cabelo atrás da cabeça. A possibilidade de estar a só com uma garota e não possuí-la era pior das hipóteses, fatal. Preste a ter um colapso nervoso o eco da voz dela vibrou em seus tímpanos.
- Você está gostando da cidade Paullin?
- Você – respondeu. – você me faz gostar da cidade - insinuou analisando os movimentos físicos que ela fazia organizando alguns objetos musicais numa caixa. Ela tentou não dar atenção o que Paullin acabara de dizer, mas falou: "O que mais?" – engasgou. – o que mais faz você gostar daqui? – Joana sentou-se no banco arrumando uns papeis, e o sentiu se aproximar.
- Suas mãos quando tocam estes papeis... As minhas gostariam de ser – ele esforçou-se para sentir as mãos de Joana que sutilmente as desviou.
Os lábios dela tremeram. Escondeu o olhar para não encara-lo. -- Por favor, não... – Ela sussurrou quando ele fixou a mão direita no seu queixo. – Eu... – ela tentou dizer.
Mas...
- Chiii – ele a silenciou. - Quer saber mais? O que me faz gostar dessa cidade? – continuou. - Seus lábios quando se mexem chamando meu nome – o coração de Joana pulou como se fosse sair da boca. Abriu os olhos revelando as safiras verdes, na qual fez o olhar dele penetrar mais fundo. - E seus olhos de quartzo verde que hipnotizariam qualquer deus, me fazem esquecer quem eu sou... Prende-me absurdamente – ele quase se perdeu no fundo da lagoa esverdeada que assumiu a seu ver uma pequena cadeia com barras de cristais que prendia seu reflexo nela.
Ele a invadiu agitando seus sentimentos. Nenhum garoto lhe causara tanta ardência no peito, tremor e congelamento a ponto de quase estoura-la como um vulcão por dentro. E todas essas sensações ao mesmo tempo. Essa coisa de se apaixonar por alguém ficava distante, tão distante que nem chegava a preocupa-la, andava ocupada demais ligada nos interesses do grupo, sempre tentando conciliar os estudos e os shows da banda. Desde que o irmão a deixou. Fazia praticamente tudo sozinha. Não tinha tempo para pensar em outros assuntos que não fossem seus compromissos. Nem sequer pensava nessa possibilidade de engatar um romance, o que seria normal para uma garota de 15 anos da sua idade. Vê suas amigas com seus namoradinhos não era suficiente para despertar-lhe interesse. Eis ai o rapaz que estava conseguindo toca-la mesmo que de forma incomum no seu intimo.
-Vamos Joana! – Uma voz vinda da porta de saída a chamou. Milena se plantou lá como um guarda-costas fagulhando a pessoa de Paullin. Ela percebera sua áurea lúgubre. Sabia que ele não era o que se podia chamar de ''bom moço'', muito menos de anjo, tinha algo perigoso e mortal.
- Tudo bem – respondeu de volta num eco. – já vou! – Joana exclamou se afastando de Paullin. – Então é... A gente se vê na quinta, até – ela acenou se despedindo.
- O que essa garota é sua? – Perguntou a ela antes que saísse segurando-a firme no pulso. Ela sentiu como se ele tivesse adentrado em sua pele.
– Milena? – Falou meio tímida. – é uma das minhas melhores amigas... E está sobre a tutela do meu pai. Por quê? – Respondeu quase sem voz tentando colocar mais palavras para completar a frase.
- Por nada, por nada – ele forçou o sorriso. – até mais!
Então soltou a mão de Joana, mas no fundo não queria, ficou a vê-la sair pela porta da capela, uma chance perdida, a lua cheia estaria por chegar não podia mais vacilar, precisava entregá-la a Darkson de qualquer maneira.
***
Domingo à tarde Joana e Mari aproveitavam o último dia fazendo piquenique no parque São Gabriel. Tinham apenas duas horas antes de Mari partir para Wangelis.
- Não entendo você só tem 17 anos Mari e tem que ir para Wangelis? – Joana indagou intrigada.
- É! – Mari disse tentando disfarçar a confusão e medo que sentia. – nem eu estou acreditando nisso Joan - Mari respirou ansiosa. Deitadas sobre a grama miravam as nuvens que formavam desenhos na qual tentavam decifrar.
- Quero saber o que você vai fazer lá? - Joana indagou novamente virando a cabeça para o lado de Mari. - Estou curiosa, diga-me - sua fala soou insistente.
Joana levantou dando impulso na coluna. Mari fez o mesmo. Mantendo-se sentadas. Dai podiam ver grandes pinheiros plantados de maneira que formavam um circulo. Assim como os outros parques de Sagrados; às flores, arvores e roseirais, e suas jardinagens amplamente geométricas. Este tinha um chafariz de querubins com um laguinho na frente onde patinhos navegavam tranquilos.
- Joan eu prometi aos meus pais... - O olhar de Mari se distraiu ao ver alguém.
- Mari o que foi? - Disse Joana sacudindo o ombro da amiga. Esta de imediato lhe desviou para o mesmo que estava vendo.
- Aquele não é o rapaz que entrou no grupo? Aquele que você não parou de falar no telefone comigo... - Mari deu uma risadinha, escondendo os dentes com a mão. Joana voltou-se rapidamente para ela, tentando disfarçar.
- Sim, o mesmo - Joana sussurrou baixinho.
- Porque não vai lá falar com ele? - Mari sugeriu tentando estimular Joana.
Mari era de um humor irreverente. Gostava de falar o que sentia quando alguém a incomodava. Adorava sua amiga e escondia um interesse especial pelo irmão mais velho dela.
- Não. Eu vim para ficar com você - Joana relutou.
-Você não é tímida que eu sei Joan. Você é uma garota de qualidades bem chamativas. É linda, canta e se bobear até dança - Mari sentiu gosto em falar dos atrativos de Joana.
- E você não vai parar não é? – Joana beliscou o antebraço de Mari. - enquanto eu não tomar coragem e ir até lá...
- Ele parece não morder... - Riu recebendo um "chega pra lá" de Joana.
- É que...
- Ok. Se você não vai... Eu vou! - Mari correu. Mas se escondeu num arbusto. Joana tentou alcança-la, foi em vão, perdeu-a de vista.
- Mari cada você... Não brinca assim comigo! – Joana caminhou entre plantas tirando as folhas que se estampavam no seu rosto.
Joana era o tipo de garota determinada. Do tipo que iria até o fim para alcançar algo. Cautelosa, cultivava esperança e as amizades. Extrovertida quando tinha que ser e sincera quando preciso. Não gostava de criticar e fazia de tudo para evitar ser criticada. Para sua idade estava muito avançada em questionamentos sobre os conflitos juvenis típicos de uma garota de quinze anos. Refletia seus sentimentos em suas composições musicais. Adora escrever, organizar os eventos da banda, cumprir com horários e principalmente nunca deixar nada passar despercebido.
Uma líder "it girl" de gênio doce e firme. Coisas como ir ao cabeleireiro ou postar uma foto com batom novo não eram tão importantes quanto seus deveres. Realmente dava preferência aos seus compromissos.
- Perdida? - Disse uma voz por trás de Mari. Virou-se para identificar o dono da voz penetrante que a eriçou. Mari tentou falar algo. Mas sua boca fora tapada pela mão dele, as unhas a encobriram até atrás da orelha.
- Veja- disse. Direcionou a visão de Mari para onde Joana estava. O temor tomou-lhe conta por dentro. Seus cristalizados olhos azuis arregalaram-se. O que via agora lhe deixou aturdida. Parecia está em um sonho acordada. Algo que jamais imaginou ver. A si mesma junto a sua amiga como se estivesse tudo bem. Como se o curso dos poucos minutos que tinham seguisse como combinaram. Num dado momento a outra Mari sumiu.
- Agora vá e convença a linda Joan a vir comigo e não diga nada do que aconteceu aqui ou do contrário eu serei o seu pior pesadelo - ameaçou-a.
Mari foi meio cambaleando, tentando se recompuser emocionalmente.
- Oi, voltei - disse ainda tremula.
- Nossa! – Joana percebeu. -Você está bem Mari? - Segurou as mãos dela que estavam frias como gelo. Mari de súbito a abraçou queria poder dizer a Joana o que acontecera com ela por trás das arvores, que não deveria se iludir com Paullin. Mas será que Joana acreditaria nela? Teve medo, lamentava não poder fazer nada para protegê-la daquele que tinha um rosto bonito, mas que se revelara tão amedrontador quanto um trovão em uma noite sombria.
- Imagina! – disse. - Acredita que me assustei com um coelho - foi tudo que saiu da boca de Mari.
- Coelho? Puxa devia ser um baita coelho pra te deixar assim não é? - Joana virou a cabeça desconfiada no intuito de ver algum animal, mas viu somente borboletas. Mari trouxe o rosto da amiga com as mãos para frente do seu. "Tá tudo bem" - disse. Um coelho gordo em fase adulta apareceu do nada, como um passe de mágica, assim como um truque de mágico que faz sair coisas da cartola... "Veja só... Está aqui o culpado" - falou Joana colocando o bicho nos braços.
O carro buzinou. Chegou o momento de Mari ir. Joana a puxou e a abraçou mais uma vez.
- Me escreve ok - pediu Joana.
- Claro. Cuida-se amiga. Eu não queria ter que deixar você agora, não aqui... - Assim que Mari falou a mãe de Joana, Agatha chegara. O que deixou Mari um pouco aliviada, pelo menos em saber que sua querida amiga estaria à salva agora.
Mari entrou no carro. Enquanto o veiculo seguia seu trajeto por uma estrada de ipês, pensava no que tinha acontecido, como não pôde aproveitar sua despedida, como gostaria de ter contado a verdadeira razão do porque estava indo embora. Lembrou-se da noite que se apavorou com as asas brancas surgindo em suas costas e como quase congelou o quarto. E a dor que aquela transformação causara. Seus pais a detiveram quando tentou fugir. Istiel e Shenya explicaram o que estava ocorrendo. Mari não era um hibrido e sim uma "Angelicari", união de dois anjos de falanges diferentes. Uma lagrima cristalizada descera dos olhos de Mari que aparou com os dedos e sentiu como a gotícula ficara solida tornando-se apenas um estilhaço.
- Você sabia que em Wangelis tem um campus somente para treinamento? - Comentou Shenya, mãe de Mari.
- E para que serve? - Indagou Mari com pouco interesse.
- É para especializar alunos que queiram se tornar caçadores - acrescentou Istiel, pai de Mari.
- Caçadores de que? - Mari.
- De demônios – respondeu Istiel.
- É... Vai ser interessante ficar em Wangelis - concluiu Mari. Uma semente de vingança plantou-se no coração dela, mesmo não tendo certeza de que Paullin fosse um demônio e se aquilo teria sido apenas uma visão absurda criada por sua imaginação. Uma sede por revanche cercou sua garganta, saberia o que fazer quando retornasse para Sagrados. Shenya e Istiel foram renegados por defenderem as ideias de Mizael. Ela uma anjelia da falange celeste "blanka" e ele da falange celeste "lazuro".
***
Quinta-feira...
Mais uma tarde comum de reunião do grupo. O restante se despedia, enquanto saia pela porta. Joana pediu que Paullin não fosse, perdera seu colar e precisara ajuda para procura-lo.
Os dois olhavam por baixo dos instrumentos quando dona Célia, responsável por fechar as portas da capela perguntou o que havia. Joana respondera dizendo sobre o colar. Dona Célia percebeu que o ato dos dois iria durar um tempo.
- Tudo bem. Então vou indo... Deixo as chaves com você. Tranque tudo antes de saírem – dona Célia disse entregando as chaves na mão de Joana. - Até mais crianças! – ela acenou. - se comportem. Deus os abençoe! - Falou Dona Célia encarando os dois com olhar rígido.
- Pode deixar dona Célia fecho tudo. Depois que encontrar meu colar – Joana garantiu com jeito meiga.
A senhora saiu pela porta. Paullin aproveitou para usar seus poderes. Com discrição meditou e visualizou onde estava o colar caído, perto do bumbo da bateria. O fez se deslocar imperceptivelmente para sua mão. Parou de pé em frente à Joana que continuava abaixada. Ao olhar as botas pretas ela ergueu a cabeça, levantou com rapidez e ao ver o colar na mão de Paullin, o pegou.
- Você, sempre me salvando! - Exclamou com um sorriso que o encantou. Então o abraçou. Paullin não esperava tanta intimidade entre eles. Tão próximos a ponto de sentir o corpo de Joana colado ao seu. Mesmo ela ficara surpresa. Não que nunca tivesse abraçado um garoto, foi um impulso natural, assim como abraçar seus amigos como Cleriton ou Saulo. No entanto fazer isso com Paullin era diferente. No abraço ele entrelaçou a cintura dela pressionando com força. Pensamentos sombrios lhe passavam na cabeça neste momento, é uma chance... É uma chance de possuí-la, de tê-la só para si, levá-la dali, somente para estar com ela em outro lugar. Longe de tudo. Mas ele seria capaz de trair seu mestre? Seria infiel? Agora tudo seria possível. O demônio afogava-se em sua imaginação perversa. Mas sem perceber suas intenções malignas se dissolveram. Desapareceram, como se nunca existissem, quando sentiu o calor dos lábios de Joana tocar os seus. O beijo suave e delicado o dominou completamente.
Ela quis. Desejou, não estava sendo obrigada a fazê-lo. Espontaneamente quis. Isso o fez ficar confuso. Como essa garota sensível e indefesa poderia dominá-lo num instante com um simples beijo?
O que teria de ser o contrário. Sua mente se esvaziou, só queria sentir e viver o momento. Sentir a saliva escorrer para dentro da sua boca como um rio que corre para o oceano. O que Joana não sabia que estava sendo levada por um rio de paixão cega para um oceano de escuridão e dor e ao mesmo tempo a um universo que desconhecia. Ao beijá-lo deparou-se como uma mulher sendo arrastada pela correnteza e caindo numa cachoeira que se tornava escura como petróleo, isso a assustou e fez parar. Paullin afrouxou o abraço apoiando as mãos no quadril de Joana, esta levou a mão direita até os lábios.
- Você está bem? - Perguntou vendo o olhar escondido de Joana.
- Não... Eu... – ela esbaforiu nervosa. - eu nunca havia feito isso... - expressou desconcertada.
- Nunca? – ele focou na face tímida dela. - Nunca havia beijado alguém? - Ele sorriu com o olhar. Não costumava considerar sorrisos, ao não ser os de Joana que de alguma maneira o fascinava, esse era o seu poder sobre ele. Isso soou como uma canção ouvida pela primeira vez. Saber que ele agora foi o primeiro cara a toca-la pareceu-lhe um vislumbre.
- Desculpa. Eu não deveria ter feito... – Ela ressentiu-se quase arrependida. Mas não.
- Mas fez. Não há nada errado em fazê-lo – ele disse sustentando delicadamente o queixo dela no dedo. -Você é a garota perfeita. É a garota que eu preciso - ao dizer estas palavras, Paullin se lembrou da missão. Esta missão pavorosa e covarde que só podia ser incumbida a alguém dissimulado da sua estirpe. Sabia que Joana não lhe pertencia, era apenas sua presa que deveria ser levada ao lobo alfa para ser devorada, lamentou ao pensar nessa realidade que o deixou desolado, pegou o microfone e colocou nas mãos dela, sorrindo friamente.
- Vamos cantar, pra relaxar um pouco e fingir... – Ele lutou dentro de si contra as emoções agitadas que sentia. - Que nada aconteceu - suspirou acariciando os cabelos de Joana.
- Não sei se conseguirei... - Esbaforiu Joana. Era o que Paullin também pensou, mas seu lado sombrio insistiu que deveria esquecer este momento e focar no que lhe foi designado.
- Apenas cante, quero ouvir você... - Pediu Paullin.
- Tudo bem, mas você toca e... Depois vai cantar certo? - Falou Joana daquele jeito determinado, o deixando ainda mais estimulado por ela. Ele confirmou com a cabeça. Os dois tocaram por uma hora. Logo após fechar a capela, deixou-a em casa na sua moto prata metálica. Joana desce e se despede.
- Obrigada por me trazer - ao dá as costas Paullin a segura pelo pulso direito, pressionando, e a puxa para perto de si. Agarrando-a pela cintura, passa a mão esquerda na sua face e toca-lhe os lábios com o dedo polegar.
- Uma flor de lótus... Quando vejo seus lábios - Paullin aspirou e expirou como se quisesse ser sugado pelo orifício que agora se fazia na boca dela. - Nunca mais vou esquecer o sabor dos teus lábios, da tua saliva na minha boca, do teu abraço - falou ainda inebriado pelo gosto do beijo. Ele deslizou a mão até o peito de Joana para sentir mais uma vez as batidas do coração, assim como pode sentir naquele momento do abraço.
- Agora vai... – disse largando-a.
Joana virou-se e entrou em casa. Paullin acelerou a moto e partiu. Passeou o restante da noite na adrenalina da sua metálica prata. Não conseguia esquecer o que sentiu por ela, uma sensação que jamais sentira antes. Como pode aquele sentimento desconhecido dominá-lo? Deixá-lo fraco, chegando a queimar seu peito?
Parou a moto em um beco semiescuro, andou meio cambaleando e caiu sentado no chão encostado na parede. Não queria está sentindo isso, na sua concepção era impossível. Ele é um demônio cruel e sanguinário que não tem sentimentos por nada, nem ninguém, pelo menos até o presente momento. Isso era inexistente não só pra ele, mas para todos os demônios. Lembrou-se do que Darkson havia dito antes, que não podia ser tolo, se deixar levar pela paixão. Paixão? Não, não era paixão, era algo superior a isso, muito mais poderoso que agora parecia que ia matá-lo, causando uma transformação arrebatadora.
Ele gritou como se uma faca ultrapasse seu coração, sangue escorria pelas pálpebras. De repente alguém surgiu na luz. Um ser de asas longas com plumagem levemente lilás. Cabelos escuros, o peito, barriga e membros superiores amostra, de musculatura forte. Membros inferiores coberto com um tecido que parecia ceda fina da mesma tonalidade violeta, porém reluzente. O jovem demônio percebera a presença do ser que nunca havia visto, levantou-se com dificuldade apoiando-se na parede e o interrogou...
- Quem é você? O que quer aqui?
- Eu que faço as perguntas- combateu o ser. -Porque você gritou? Porque estas a chorar? E quem é você? - Disse a entidade com autoridade apontando-lhe uma espada de cristal incrustada de pedrarias no cabo, fascinante e linda que nenhum guerreiro no mundo teria igual.
O demônio Paullin se enfureceu mostrando sua rebeldia. Seus olhos se tornaram rubros, a boca alargou-se, os dentes caninos afinaram-se ficando mais pontiagudos que o normal. Os da frente também. O peito ficara mais robusto, as unhas ergueram-se mais e mais fora dos dedos, asas acinzentadas saíram de suas costas. O outro ser de aparência celeste continuava firme na posição desafiadora com sua espada, decidiu matá-lo antes que pudesse reagir. Neste momento acima do muro apareceu um casal que conhecia Paullin do grupo da capela. Milena e Saulo sendo demônios híbridos disfarçados o observavam já um tempo percebendo que ele era diferente. Sentiam a mística obscura dele e seguiam desde então, ao ver sua transformação concluíram o que temiam de pronto interromperam a luta prestes a começar...
- Pare... Nós o conhecemos, e também sabemos o que você é... - Disse Saulo referindo-se ao ser de aspecto celestial.
- Você é um anjo da falange "celesti violete". Um executor de anjos caídos – Milena disse.
- O que? Vocês... Como? - Disse Paullin surpreso.
- Seguimos você faz um tempo. Escutamos o grito e viemos verificar o que há de errado aqui - respondeu de imediato Saulo.
- Também somos demônios híbridos. "Angelu-demono" - revelou Milena.
- Sim, e eu sei quem vocês são, sinto a áurea negra de seus corpos. Eu vou matá-los de uma vez, cortar suas cabeças, extingui sua abominável existência - disse o anjo demonstrando repugnância.
- Não, não vai... Temos bons motivos - interferiu Saulo.
- Veja! – falou Milena - temos o "mistikajn amuleto", somos protegidos – ela mostrou. O anjo viu que era verdadeiro pela luz amarela que emanava do cristal.
- O amuleto dos anjos da falange "flava ciela", mesmo assim eu deveria matá-los sem dó – expressou Vandell, que não era nada compassivo com adversários na hora da luta.
- Você sabe da lei, não podemos mais ser julgados - Saulo se referia a uma lei criada pelo conselho celeste dos anjos, após a terrível guerra que travaram com híbridos proliferados, na qual algumas falanges foram exterminadas. Então fora selado um acordo de paz entre estes, mas os anjos de uma das falanges mais poderosas, a "Celesti violete" hesitou em participar do acordo. No entanto estes faziam parte de uma assembleia de anjos que podiam levar a julgamento seres híbridos de qualquer descendência. Na qual Vandell fazia parte.
- Mas este demônio pode - disse Vandell.
- Paullin é um proliferado como nós. Poderá revogar, sabes bem disso - lembrou Milena ao anjo.
- Proliferado? Calem a boca – Paullin retrucou - não sabem nada de mim. Eu sou Khaliel, um Lúcifer servidor, tente cortar minha cabeça e verá... - Bradou enfurecido.
Então o jovem demônio rugiu de ira como um leão pronto para atacar. Enquanto Vandell voou aos céus e desceu como um cometa ardendo em fogo a fim de ataca-lo. Khaliel foi de encontro ao seu com velocidade. Os dois se cruzaram no ar com ataques um contra o outro.
Saulo e Milena tentaram impedir com mais dialogo, mas não adiantou, tal como espectadores permaneceram no muro.
Khaliel cravava suas enormes unhas na pele do anjo como as de um tigre. Vandell sentia a força do demônio cada vez que era perfurado pelas garras, mas tentava o máximo resistir. Encarava-o sem vacilar na expectativa de cortar-lhe a cabeça. Mas um golpe certeiro do demônio perfurou o peito do anjo puxando seu coração para fora. No entanto não havia sangue escorrendo, era apenas uma fumaça de vapor vermelha. O mesmo alcançou a espada, chutou-lhe o abdômen e antes que o corpo do anjo caísse no chão, cortou-lhe a cabeça.
Saulo e Milena testemunharam estupefatos os poderes de Khaliel. Perceberam que ele não era um simples demônio hibrido. Como este poderia ter matado um anjo tão poderoso como Vandell que facilmente eliminava qualquer adversário sem levar um golpe direto?
O jovem demônio de 17 anos, altivo e que aparenta um homem de 24 anos, desceu apertando o coração entre os dedos e a palma, posicionou-se de pé ao lado do morto, por último apoiou o coração sobre o mesmo, que poucos instantes evaporaram. Ele olhou para cima como que procurando algo. Avistou a chama vital que saíra do anjo flutuando rumo ao céu, levantou os braços juntando as mãos e abrindo, expelindo das palmas uma luz que sugou a força vital que logo se difundiu com a sua.
- Angelo spektro regita* - disse Khaliel, enquanto absorvia a chama.
Saulo e Milena ficaram mais ainda surpresos com tamanha façanha, mas não se sentiram ameaçados ao ver esta ação. Khaliel voltou a sua forma comum humana, o casal desceu do muro na intenção de ter um novo diálogo com o mesmo...
- Impressionante, nunca havia presenciado tamanho poder? – disse Saulo - bom acho que agora podemos falar... - Quis continuar.
- Sobre o que? Não tenho nada pra falar com vocês, voltem para onde estavam... - Respondeu Khaliel sem interesse.
- O impressionante é ver que você não sabe bem da sua origem - supôs Milena.
- Origem? Eu sou o que sou... Um demônio - Afirmou Khaliel.
- Você não é apenas um demônio, é um anjo também, pelo menos é o que suponho? - Colocou Saulo.
- Um proliferinta hibrida* - Considerou Milena.
- Híbrido proliferado? Anjo? - Disse Khaliel em tom debochado.
- Sim, nós também somos como você, no entanto escolhemos viver como seres humanos comuns, sem utilizar nossos poderes contra ou favor de alguém - ressaltou Saulo.
- Tolice, o que querem dizer com isso?
- Você certamente serve a alguém, como disse antes, não é? - Confrontou Milena.
- Isso não te interessa. É melhor pararmos por aqui - Paullin disse intolerante.
- Um proliferado que serve a um mestre-luciferiano. Já pensou como soa estranho? – falou Saulo - pelo poder que você tem, poderia comandar sua própria vida, no entanto prefere servir um demônio... - Saulo prosseguiu provocando.
- Servir? Acho que estas sendo enganado ou quer tomar o lugar do líder. Diga-nos qual dos dois? - Insinuou Milena.
- Você está me irritando com essa conversa... – Disse Khaliel rangendo os dentes, tentando encostar Milena na parede. Mas Saulo segura sua mão para impedir.
- Tente? Nós somos dois - disse Milena com tom desafiador, Paullin forçou a tentativa, mas Saulo o conteve. - Nós somos dois e não temos medo de você - reforçou Saulo com face de ira, apertando com mais força o pulso de Khaliel que ao mesmo tempo se afastou de Milena.
- Não sei o que você quer com Joana, mas vamos descobrir... - Esclareceu Milena.
- Chega Milena! Não o provoque mais, vamos embora - dispersou Saulo.
Os dois saltaram o muro, logo sumindo nas poucas sombras refletidas pelas luzes dos postes das ruas. Enquanto Paullin colocava seu casaco preto, guardando a bela espada por dentro que tirou durante a luta com o anjo e partiu na sua metálica em alta velocidade.