Endolf sem esforço levou-a até uma pequena cabana de pedra e barro no bosque São Miguel, que é maior que os outros, contendo labirintos arborizados em formas geométricas, grutas que germinavam pedras preciosas. Laguinhos e casinhas com lareiras disponíveis para qualquer visitante que quisesse acampar ou se aquecer na época de inverno.
O clima proporcionava aconchego e tranquilidade. Deitou-a numa esteira de palha. Acendeu a lareira soprando a palma da mão recitando uma linguagem mantrica, assim espalhando fogo na pouca lenha úmida. Sentou-se perto de Joana. Fitou o rosto dela por alguns minutos. Passou o dedo indicador do ombro até o busto, depois levou a boca. Desejava possuí-la, seus sentimentos ferviam como larvas de vulcão. Mas sabia que algo o impedia.
- Eu poderia me aproveitar da sua fraqueza, porem seu amante foi mais esperto – disse. - gostaria mesmo de tê-la agora e fazer tudo com você linda...
- Água! - Esbaforiu Joana com boca seca.
Endolf prensou os lábios, visualizou na cabana algum recipiente. Enfim pegou uma jarra de barro velha, saiu pela porta que dava para detrás da cabana. Encontrou água na fonte de uma gruta obsidiana, aproveitou e pegou algumas pedras. Retornou. Apoiou a cabeça de Joana em uma mão e com a outra deu de beber. Ela engasgou-se. Podia sentir pele de Endolf aquecê-la como se estivesse dentro de um forno quente.
O pensamento de Endolf voltou-se para o seu passado, de quando era apenas um garoto de dez anos. Uma mulher lhe dera agua no copo de barro e como uma mãe deu-lhe abrigo por alguns dias, e pode por uma semana experimentar afeto, gentileza e carinho. Não sabia mais dos seus progenitores, a única informação que guardara de si mesma é que era das montanhas remotas da Irlanda. Tudo foi bem até o dia em que se transformara num estripador. Um casal o encontrou dias depois em Berlim. Manira e Madukesh, pais de Darkson que procuravam crianças perdidas geradas em luas cheias, o adotaram. Ensinaram-lhe a usar seus poderes. Crescera junto a Khaliel e Darkson, sempre brigando e disputando.
Joana aos poucos abria os olhos. Endolf pôs a mão no abdômen dela.
- Vou buscar algo para você comer.
Em instantes trouxera algumas peras. Tomando fôlego, Joana comia pequenos pedaços. Ajeitou-se para sentar na esteira.
-Você vai me levar para ele? – Perguntou com voz fraca. - É por isso que está aqui? – Ela arrumou-se com o lençol.
- Para ele, quem? – Endolf indagou de volta parecendo não saber de quem ela se referia. - O seu amado? – Falou com as turmalinas flamejadas pelo fogo da lareira.
- Não – ela balbuciou – Darkson – tossiu após dizer.
- Ahaha! – ele riu sádico. - Sério? – Arqueou uma sobrancelha - Então você sabe? – Ele agachou-se de modo que ficou com um joelho no chão e outro como apoio para seu braço.
- Sim, sei até demais...
- Não, não sabe nada – ele contestou-a.
- E você? – Ela tossiu - Qual é seu nome verdadeiro? – cobriu-se mais com o lençol.
- Se eu disser você vai pronuncia-lo com essa linda boca? – Sorriu malicioso.
- Não flerte, fale – ela pediu com mais firmeza na voz.
- Sim senhora – falou debochado. – Endolf - respondeu.
- Diga como é o ritual? – Ela partiu para outra pergunta.
- Só depois que você me chamar – ele sentou-se de modo relaxado encostado a parede frente a ela.
- Endolf - ela em tom baixo e curto.
- Não, assim não – ele repeliu insatisfeito - com mais entusiasmo e doçura, chame... - Insistiu.
- Considerando que não estou em condições de entrar nesse humor entusiástico, bem que você poderia não me forçar tanto- ela entrou em discussão com ele.
- Pelo menos finja – ele sugeriu fazendo uma careta. - Só em está aqui cuidando de você me dá enjoo – trincou os dentes descortinando os lábios. Ela viu as presas afiadas dele reluzir com as chamas.
- Ah – ela soltou em deboche - essa não sua função não é?
- Sou um demônio sedutor, não um babão de mocinhas – ele reclamou.
- Então o que vai fazer? – ela perguntou receosa.
Ele chegou mais perto com o rosto frente ao dela. Joana pensou que ia hipnotizá-la ou suga-la no pescoço como um vampiro. No entanto Endolf não era um ser de corpo frio e morto, e nem precisou morrer para se tornar o que é. Seu gene maléfico radicou-se nas veias herdado de Belthaim. Um mestre demoníaco que liderava um povoado celta.
Ela viu seu reflexo nas turmalinas brilhar. Ela ficara paralisada não de medo, mas pela discromia nos olhos dele que se moviam como chamas de uma fogueira. Somente uma linha tênue entre suas faces. Atreveu-se a tocá-lo suavemente como se pudesse pegar sua pupila deslocando-a de dentro do seu contorno. Impressionou-se pela reação surreal da profundidade de seu olhar. Ele segurou o pulso retirando sua mão, inclinou a cabeça quase encostando sua boca na dela. Joana não tinha para onde fugir agora, até porque a parede em que estava encostada era o limite.
- Seu namoradinho me deve - murmurou no pé do ouvido dela.
- O que ele te deve? - O coração de Joana palpitava expandindo tremores da cabeça até as pontas dos dedos dos pés.
- Ele me deve você – murmurou com dentes trincados - e eu vou lutar até conseguir minha parte - ele pode escutar claramente cada batida do coração amedrontado dela.
- É isso que sou? – Joana sussurrou - Um brinquedo para vocês? Disse ofegante.
- Eu não vou levar você para Darkson, quanto a isso não se preocupe - disse se afastando.
Joana salivou. Perguntava-se o que Endolf queria dela. Ele a assustava, mas um ponto de fascínio brotou nela. Conseguiu acender uma faísca de esperança, esperança de que não era totalmente um monstro. Mas suas incertezas ainda estavam florescentes.
***
Mitria e Khaliel brigavam como cães. Saranon apartou os dois jogando contra as paredes.
- Será que dá para um time agora! – Saranon bradou. - A minha mente está fervendo, poderiam pelo menos refletir comigo? - Disse com raiva.
Mitria tomou fôlego. Enquanto Khaliel simplesmente nem parecia ter se esforçado.
- Você tem ossos de ferro! - Disse Mitria anelante.
- Cansei dos mistérios de vocês – Khaliel reclamou. - eu vou à busca de Joan. Darkson pôde tê-la pego e nós ainda estamos aqui perdendo tempo – a ansiedade o consumia.
- Khaliel! – Saranon falou calmo - Precisamos que nos diga a localização onde Darkson está.
- Ele está no subterrâneo ao sul da cidade, não será fácil entrar lá, há uns tuneis que levam até o compartimento principal, tem cem mil demônios servidores na espreita - revelou Khaliel.
- Tem pelo menos alguma brecha de como invadir sem sermos percebidos? - Disse Mitria girando ansiosa.
- Temos que encontrar um meio... - Gesticulou Saranon.
- E se... – Mitria refletiu um pouco - E se formos a Wangelis? - Sugeriu.
- Nunca nos deixariam entrar, muito menos sem sermos convidados – Saranon alertou esfriando a sugestão dela.
- Não se dissermos que é uma emergência – Mitria persistiu. - Mizael e Agatha estão nas garras dos demônios - falou em desespero.
- O que é esta Wangelis? – Khaliel perguntou querendo entender.
- É um complexo que eles chamam de universidade planetária – disse Saranon. - eu e Mitria nunca nos atrevemos a ir lá, foi um pedido de Mizael. Tem um campo de força de mais de bilhões de íons, uma piscadela e um de nós explodiria. Híbridos da nossa espécie ou demônios não podem ter acesso à cidadela de cristal - explicou.
Mitria deu alguns passos, bateu três vezes seguidas no chão, mais três... E mais três, cantarolou baixinho, o dedo indicador apontando para o pé marcava o ritmo, girou os pulsos abrindo espaço entre eles fazendo uma abertura e trazendo de volta, juntou as mãos frente ao peito e abriu os dedos como uma flor desabrochando. Khaliel e Saranon extasiados tentavam decifrar os gestos que ela queria dizer.
- Kaleni - pronunciou Mitria.
- Kaleni? - Repetiu Saranon.
- Mais um mistério? – Khaliel resmungou. - Qual é dessa vez?
- Kaleni é a avó de Mitria, uma dançarina do submundo dos Pathalas.
Ela os mirou sedutoramente. Saranon leu seu olhar e entendeu tudo.
- Preparem-se para um espetáculo de Hamalya – disse ela expondo suas unhas vermelhas.
***
Joana só pensava em que rumo sua vida tomaria de agora em diante. Ai diante de um ser mais temível do que trovões. Mesmo ele estando em forma humana não conseguia vê-lo mais como um ser humano comum. Isso era amedrontador. Endolf andava de um lado a outro intercalava cravando as unhas duras e afiadas na parede, e, toda vez fazia os medos de Joana sacudirem como enormes pedras de gelo numa avalanche.
Ele voltou à visão para ela maliciosamente. Apesar de desarrumada, vê-la de lingerie e lençol atiçava sua luxuria no mais alto grau. Cada parte de seus membros queimavam de paixão.
- Você está horrível assim! – disse. - nem mesmo um demônio se atrairia por você - mentiu para esconder o fogo que sentia na pele.
- O que isso importa agora? - Disse Joana parecendo estar convencida do seu destino, pegou mais uma pera para aliviar a fome que ainda insistia corroendo seu estomago.
Endolf sorriu de canto e ergueu as sobrancelhas. - Este espaço é muito limitado para nós dois, precisamos respirar fora daqui.
- E o que você sugere?
- Você está muito contraída, precisa relaxar e esquecer um pouco esta existência.
- Você está me dizendo que eu deveria esquecer tudo que tá rolando e cometer um suicídio? Bom até que não seria má ideia?
- Não! - Ele acenou negativo com o braço. - Levanta! - Ordenou.
Ela não obedeceu, o fitou desaprovando a ideia. Endolf ordenou com mais firmeza puxando o braço dela fazendo o lençol cair revelando seu formoso físico angelical.
- Ai!- Reclamou Joana pelo puxão de Endolf. - Para um demônio sedutor você não é muito delicado.
- E porque você pensou que eu seria? Sou um demônio... E para dizer que não sou completamente indelicado... - Endolf a cobriu de volta com o lençol, sentiu o cheiro de orvalho com rosas dos seus cabelos castanhos claros. Estirou para fora as garras. Em um gesto delicado arrumou os fios dos cabelos de Joana tentando não feri-la. Ela olhou a porta da entrada, poderia sair correndo facilmente, porem foi agarrada por trás, Endolf a enlaçou com os braços.
- Isso doerá um pouco... - Ele pôde sentir suas curvas e tremores através do cetim. - Endolf! – Disse ela sufocada.
Durou apenas três segundos.
Joana abriu os olhos de espanto, não assimilou onde estava. O som extremamente alto não a deixava escutar sua própria voz. As luzes piscavam sem parar ofuscando sua visão. Procurou por Endolf, mas não o via. Gritou o máximo que pôde por ele. Tudo parecia girar, uma luz de neon em espiral clareou debaixo de seus pés o que a deixou mais tonta.
- Endolf! – chamou. - Endolf! - Repetia rasgando a garganta. Porém o nefasto e maldoso ser se deliciava apoiado no balcão a um metro dali, gozando do desespero da outra e simultaneamente falava: "Endolf, Endolf..." - Salivando de prazer. Foi até Joana e a pegou rapidamente soando nos seus ouvidos: "Bem vinda ao meu submundo favorito Joani!"
Reaparecendo em um compartimento com variadas roupas. Joana debateu furiosamente batendo com os punhos em Endolf. Ele gargalhou sadicamente.
- Como foi gostoso vê-la chamar meu nome - disse ele umedecendo o beiço. – Ah... Uma delicia! – regozijou. - Aquilo sim foi um entusiasmo potente. Lambeu os lábios de prazer.
- Canalha! - Reagiu Joana.
- Isso... Continua! - Ele vibrou.
- Como pode existir um ser ordinário como você? – Ela bradou furiosa. - Sem sentimentos, sem coração e sem... - gesticulou fervorosamente.
- E sem... – ele esperou ela complementar.
- E sem um mínimo sequer de caráter.
Ele prendeu a mão sob o queixo dela e pressionou de modo que pudesse ficar imobilizada.
- Aprenda uma coisa, humana... Eu sou o contrario de tudo que você possa pensar que é bom, e eu nunca vou me deixar encantar por essas... – Paquerou as pupilas dela - suas safiras verdes. Agora escolha uma roupa que vamos dar um sombrio passeio. Soltou-a.
Joana o cuspiu quando ele lhe deu as costas.
- Não sou tão humana quanto você pensa! – ela deixou soltar - E quando eu tiver uma chance, não hesitarei em acabar com você.
Ele se voltou para ela surpreendido.
- Que excitante! Então me diga do que se trata a sua outra parte?
- Vire-se eu vou me vestir... O passeio sombrio - ela encarou mesmo com o medo consumindo cada órgão do seu corpo.
Endolf pensou na possibilidade de mata-la no mesmo instante. Ele poderia se quisesse, estava fácil, era só querer, mas gostava mesmo era de desafios pesados, já vencera híbridos mais fortes e Joana ainda não era uma ameaça palpável.
Passado alguns minutos ele a levou ao topo do prédio Lanka de vinte andares, espelhado fumê com cada andar de uma cor diferente que emitia luzes psicodélicas e se movimentavam trocando de posição.
- Porque me trouxe aqui? – Ela perguntou sentindo o desequilíbrio dos andares.
- Olhe para cima.
Quando Joana ergueu a cabeça para o céu deslumbrou-se com as estrelas que pareciam girar pelo efeito dos movimentos dos andares. Abriu um sorriso que paralisou o olhar de Endolf.
Ele lutou para não apreciar o cativante semblante dela. Não queria ter que provar coisa alguma que levasse a qualquer sentimento humano. Joana assim como os espelhos coloridos que emanavam luzes, tinha uma luz especial que poderia sobrepor qualquer escuridão.
Ao redor do edifício, o terreno arenoso expandia-se de modo que se via a muita distancia poucos estabelecimentos que se destacavam apenas por pontos luminosos. Este lado muito além da parte sul de Sagrados era sombreado de obscuridade, medo, frieza e morte. O lado em que os seres abomináveis se refugiavam, território proibido para anjos e descendentes.
- Como o universo é maravilhoso! - Declarou Joana apoiando-se em umas das grades levando seu olhar longe.
Endolf continuava admirado pelo jeito como ela se movia, mas não queria assumir nenhuma sensação - aparentemente mostrava-se relutante. Está com uma humana e não poder sequer sugar o sangue ou estripar era inaceitável. Ele sabia no fundo que não podia fazer-lhe mal, sabia que seu adversário a infectou na intenção de afastar outros inimigos devoradores.
- Eu não entendo, não entendo isso? - Disse ela mudando para um humor temeroso.
- O que a bela não entende?
- O que os demônios são afinal? Tem os anjos caídos que são considerados seres infernais, mas... – Ela questionou.
- Mas... – ele se pôs a explicar. - deixa eu te esclarecer, ou melhor, obscurecer sua mente entediada por estas descobertas impactantes – cercou-se dela. - os demônios são uma raça independente da raça dos anjos caídos, não temos nada ver com a revolta deles contra o tal "paraíso". No entanto a partir do momento em que eles desceram aqui na terra se associaram com os rakshasas da pior espécie...
- Rakshasas? – ela interrompeu indagando.
- Sim. Porque estes anjos se achavam superior aos humanos e aos demônios, mas vacilaram. Desde as eras anteriores a esta yuga em que estamos – ele seguiu falando - gerações de demônios foram criados, estou falando de linhagens poderosas, com a geração de híbridos, apesar de algumas dinastias antigas eliminadas, outras foram mantidas através deste processo de junção de genes.
- Hm... - Refletia Joana querendo entender. - E quais são as linhagens que sobreviveram ou existem agora?
- São tantas? Qual você prefere ter mais informações? - Cheirou de leve no lado esquerdo do pescoço dela, porem não conseguiu farejar nenhum perfume de sua carne humana. Expos a unha do dedo mindinho e buscou os fios de cabelo de Joana, então sentiu o aroma de rosas que ainda permanecia. Ela suspirou com a aproximação de Endolf.
O jeito obsidiado dele, a boca, a voz, o lindo queixo e o físico sensual de dezenove anos com 1,86 que seria capaz de atrair a mais bela de todas as mulheres lhe atiçaram sensações estranhas.
- E você vem de qual dinastia? – Ela perguntou em murmúrio.
Endolf deu um sorriso safado. Alisou mais uma vez o cabelo dela dando a entender que revelaria sua historia. De fato estava adorando o interesse de Joana por ele agora, e, queria instiga-la cada vez mais.
- Não me importo muito com origens – sussurrou farejando o pescoço dela. – Belthaim - respondeu.
- Belthaim? – Ela repetiu quase hipnotizada pela voz dele.
- Descendo de Belthaim – continuou - nasci numa lua cheia de beltane, nos subterrâneos de Teamhair Na Ri, na Irlanda no ano 1970, em quatro de maio - Endolf deu passos de modo que fez Joana se encostar de novo nas grades. Joana se inclinou para trás segurando as barras de ferro. O vigésimo andar girava de três em três minutos.
- Não quer saber qual é meu signo? - Disse por cima de Joana tentando alcançar sua boca.
Ela tentando se equilibrar para ele não alcançar seu objetivo.
- Não. Eu acho que foi o suficiente. Colocou uma das mãos no peito de Endolf para empurrá-lo. A musculatura forte impediu o feito, mas não impediu de sentir as batidas do coração. Então ele tinha um coração - concluiu. Mesmo sendo um ser demoníaco como se mostrava havia dentro dele uma parte humana. Ela viu que ele não iria sair de cima tão fácil, pressionou os dedos na pele do peito, com suas unhas pequenas e delicadas seria impossível perfurá-lo, essa não era exatamente sua intenção. Queria apenas ver a possibilidade de tocá-lo não fisicamente, mas internamente como um pedido de "PARE POR FAVOR", massageou com os dedos. Apelou com um rosto meigo como um gatinho quando quer algo do seu dono. Endolf passou o braço por trás do quadril dela trazendo seu corpo mais perto do dele dessa vez, tirando-a das grades.
- Espera – ela esbaforiu. O aperto dele de fato amolecia qualquer garota. Mas Joana tentou resistir à pegada ardente dele. - você disse que nasceu em 1970? – O indagou para dissipar a intenção maliciosa de seus lábios.
Endolf a soltou devagar e virou as costas subindo em dois segundos no muro da sacada. Antes mesmo que piscasse se impressionou com a destreza do demônio, expirou soprando meio zonza.
- Se você não é um vampiro, como pode viver tanto tempo assim? - Ele gargalhou como um bêbado, agachado sobre o muro. Ela se aproximou determinada cruzando os braços esperando uma explicação. Endolf retribuiu o tom serio de Joana. - E você achava que eu seria eterno por ser um vampiro? Quanta tolice? Eu sou ao contrario de um vampiro, eles são patéticos Joani. Como eu poderia ser eterno num corpo frio e morto? - Ele riu debochado. Ninguém pode ser imortal num corpo morto, ao não ser no caso dos humanos. Estes vivem um tempo, depois que o corpo não serve mais tem de deixa-lo – ele filosofou.
- Como assim?
- É um processo colateral, para nascermos precisamente adquirimos uma forma, um corpo que acolhe o ser vital. O ponto de vida, para isso o sexo que é a deliciosa das funções que todas as entidades viventes devem executar para se obter uma prole e assim nos dá esta oportunidade de nascer... Se eu morder você e suga-la, morrerá. No entanto só se eu quiser. - Enquanto falava ele caminhava pela barra dando voltas como um filósofo sem classe.
- Já ouviu falar inseminação artificial? – Ela fez uma careta.
- É preferível o método tradicional, pelo menos para seres infernais como Darkson - Endolf arregalou os olhos negros.
- Mas e os humanos?
- Ah! - Endolf acenou para o céu com o dedo indicador – Sim... Os humanos são entidades num corpo morto.
- Como assim? – Joana balbuciou - Do que você tá falando? Este papo de como vinham os seres estava deixando mais zonza ainda - fazia parecer que estava num pesadelo ou num filme assombroso de ficção cientifica e que estaria ainda só no inicio.
- As pessoas tem uma visão confusa sobre seres como nós... Continuou ele – Um; somos inteligentes, dois; cruéis, três; podemos ir a toda parte, quatro; adoramos sujeira, porem não há problemas está em lugares limpos, cinco; sugamos todo tipo de sangue: seja humano ou animal e depois devoramos seus corpos.
- O sexto deve ser insensível - Disse ela irritada.
- Isso! Você tá começando a ficar ligada no assunto hein – debochou.
- Esse papo tá me enchendo também. Já deu, será que você pode me deixar ir agora?
- Deixar você ir? - Ele gargalhou sadicamente. – Joani... Joani, você está sob minha custodia desde que veio até meus braços.
- Não – ela discordou. - eu não fui até seus braços, eu... - Joana estava com dor de cabeça, exausta e perdida.
A vida tomou outro sentido.
Um sentido que não esperava, anteriormente quando acreditava está vivendo uma vida normal como qualquer outra garota, fazer letras de musica, curtir sua banda de rock preferida, sair viajando com os amigos do grupo de jovens. Se divertirem no centro de esportes, usar uma peça nova de roupa feita pela mãe estilista, ou postar as novidades do E-Gothic nas redes sociais. "O E-Gothic" pensou. Seus amigos que morreram de uma forma incrédula, simplesmente sem poder lutar ou correr, e ela sem poder fazer nada para salvá-los. Sem nem aos menos lamentar adequadamente.
A raiva aumentava cada vez que os pensamentos se multiplicavam. Quem seria o culpado por está danificando seu destino? Seu pai Mizael? Darkson? Endolf? Khaliel? - Descobrir que era uma nefilin não se encaixava no seu status de it girl de quinze anos. Não mesmo. Sempre acreditou em anjos de maneira singular, com uma visão singular. Da maneira que seu pai contou, mas à medida que ia crescendo as historias que ele contava se tornaram apenas contos infantis sem significado, escondidos na memória.
Aos treze preferiu os assuntos de moda, estilismo e as aventuras da sua mãe Agatha para inspirar seu estilo garota do momento.
-Tudo bem – em segundos ficou frente a ela - você quer ir? – contornou o rosto dela com seu olhar turmalina. - então vá! - Disse voltando ao gradeado e jogando-se do prédio.
Joana correu e se prendeu na grade vendo como ele sumia se misturando numa fumaça escura que emanava de suas mãos. Por um minuto pensou em fazer o mesmo, se jogar e esquecer de vez sua aflição. Respirou fundo. Era um pesadelo. Só podia ser. Subiu e ficou suspendida apoiando as pernas no concreto. Queria sair disso. Será que Joana teria coragem de cair? Será que poderia esquecer tudo? Será que acordaria e voltaria ter sua vida normal? - É, mas ela estava de olhos bem abertos e isso não era nenhum sonho.