Ele se encantara com o semblante pueril de Joana, não a desejava mais como uma presa roubada, seu coração se preenchera de um sentimento incomum - está com ela o modificava vulneravelmente. Abriu um sorriso e em pensamentos glorificou o sol pelo efeito pitoresco na beleza dela. Isso o deixava imprevisível, mesmo sem querer soltava palavras que nunca esperava de si mesma...
- Este sol de fim de tarde... - Prontificou-se. - é o mesmo do dia que te vi pela primeira vez - ele suspirou sereno. - E outra vez ele nos coloca frente a frente como se fosse a primeira vista. Só que agora meu peito está invadido completamente por você - Com as mãos sustentou a cabeça dela como se tivesse segurando um quartzo precioso.
- Senti sua falta... - Ela o abraçou carinhosamente pondo a face esquerda no seu peito.
Delicadamente Khaliel acariciou os cabelos de Joana, sentaram-se na cama e terminaram de ver os poucos raios do sol desaparecer entre as folhagens.
- Você prometeria fazer qualquer coisa que eu pedisse agora? - Khaliel a perguntou.
- Sim - respondeu meio sonolenta. Porem foi considerável para ele. - qualquer coisa - Joana completou.
- Venha! - Ele a levantou com cuidado.
Os dois foram até o pequeno chafariz no jardim da capela. Ele a acomodou na borda de granito do chafariz. Depois buscou no quartinho uma taça rústica de madeira e lavou com água límpida e preencheu. Joana observava a ação sem entender direito.
- Eu não sei bem como fazer isso... - Disse ele sem jeito.
- Não importa como seja - ela disse paciente - eu quero só você agora... - Declarou amorosamente.
Um monge os visitou e observando o ato disse: "Vai beber da fonte"? Devo dizer que esta água é abençoada. Diz uma lenda que quem a beber realizará todos os desejos, e os que amam serão inseparáveis. Diz também que um anjo havia descido dos céus passara por aqui e lavara seu rosto no laguinho, assim misturando seu suor, então fizeram esta escultura de anjo expelindo a benta agua pela boca... Sejam felizes filhos!"- Então o monge os deixou após abençoa-los".
- Você será sempre minha é o que mais desejo - expos Khaliel.
Tirou um galho da roseira próxima a fonte. Ele espetou o pulso fazendo gotejar o sangue na taça, pegou gentilmente o de Joana e fez o mesmo.
- O que exatamente estamos fazendo? - Refletiu Joana mesmo num estado indolente. Ela sentiu a pele do pulso rasgar pelos espinhos.
- Nos unindo pelo sangue e pela imortalidade de nossas vidas, meu lótus! - Ele tomou um gole e ofereceu a ela num gesto simbólico. Joana sem hesitar bebeu.
O crepúsculo se apresentou tornando o momento extático para o casal. Khaliel jorrou pétalas de rosas vermelhas na sua amada Joana que girou numa dança em imensa felicidade.
- Eu te amo! - Declarou Joana parando devagar e admirando o discreto e frio sorriso dele.
- Sunt et bibit meum sanguinem, in me est corpus et in aeternum erit pars tua... - Ele recitou em tom poético.
- E assim por ter bebido do meu sangue, meu corpo te pertencerá e o teu se fará parte de mim por toda a eternidade... - Traduziu Joana. Ela sabia o significado, pois seu pai a ensinara latim quando tinha oito anos contando lendas utilizando esta linguagem.
Ele a introduziu de volta no quarto que é mais como um porão empoeirado com pinturas em telas e pinceis espalhados por todo o ambiente. Tentou tirar o vestido dela descendo a alça do ombro, mas Joana se recatou.
- Acho que não estou pronta para isso agora - o olhar inocente dela o convenceu. Ele sabia que ela não era mais sua presa ou um pedaço de carne sensual que poderia desfrutar como bem quiser como fazia antes com outras garotas. Ela é mais que isso, agora seria parte dele, da carne, da pele, sangue e alma. Ela o havia transformado plenamente em alguém que nem ele mesmo ainda não sabia decifrar ou reconhecer.
- Eu não a forçarei a nada. Você me dirá quando tiver pronta, minha pura e doce Joan.
Ele se distanciara um pouco, sentou na janela, seu olhar vagou pela paisagem situada ao redor da capela maior. Ressentida Joana atirou algumas pétalas nele, retribuindo a chuva que criara com as mesmas sobre ela. Porém Khaliel continuara reflexivo sem se mover.
- Pinte-me - pediu Joana em tom melodioso.
Então ele voltou sua atenção para Joana que se encontrava deitada na cama seminua coberta apenas por rosas apontando um pincel na sua direção...
- Como quiser musa! - Khaliel sentou e preparou uma tela, não tinha nenhum talento artístico, no entanto sua essência mística o proveu dessa habilidade criativa.
Ele a mirava e contornava os traços dando forma à pintura que resultou num desenho anatomicamente deforme - a impaciência não ajudou muito - por ver ela assim o instigou, provocou uma vontade de possuí-la.
Os olhos ficaram como um rubi. Tentara controlar as unhas que insistiam em crescer. Aproximou-se e deu-lhe beijos furtivos. Beijou o pescoço dela fazendo caminho até os ombros. Desceu a boca ao seio e mordiscou suavemente por cima do sutiã. Khaliel tentava manter o controle, deseja não machucá-la com seu lado demoníaco. Arrastou os beijos até a barriga dela tirando as pétalas que a encobriam. Passeou a língua intercalando entre uma coxa e outra. Invadiu de beijos a virilha. O que a fez soltar um gemido contido. Ele levantou a vista apreciando o movimento que ela fazia com o corpo - o arqueando por sentir sua boca invadir cada orifício da pele. A via sentir prazer pelo seu toque. Um prazer inocente e instigante. Lambeu por cima da calcinha rendada onde mais deseja invadir com a língua, mas conteve-se e cessou os beijos. Subiu o corpo por cima do dela retornando a beijá-la na boca e na face.
- Você devia terminar - ela disse esbaforindo. Referia-se a pintura.
- Sim, eu vou terminar em você... - Ele esbaforiu de volta apertando umas das coxas dela. Suas unhas insistiam para perfura-la. No entanto lutava para evitar feri-la.
Joana abrira os olhos para visualizar o rosto dele que agora se apresentava estranho. Sua sonolência foi espantada totalmente pela nova impressão. Não era tão horrendo. Em parte conservou a beleza máscula dele, a humana, mesmo assim os dentes que aumentavam e diminuíam com frequência pela força da respiração causara-lhe tormento.
- Seu rosto está... - Esbaforiu ansiosa.
- É isso que eu sou Joan - ele disse a fitando com desejo - isso é o meu outro lado. O lado que eu não consigo controlar quando te vejo assim... - respirou fundo fechando e abrindo os olhos. - Eu queria poder não ser, toque-me e tudo passará... - Pediu colocando a mão dela no seu rosto.
Joana o tocou com a mão tremula, porem desviou para o peito dele o empurrando. Puxou o lençol e cobriu-se. Se retraindo no canto do quarto.
- Você terá de me aceitar também assim - ele disse convicto de que ela o aceitaria sem questionar - bebeu meu sangue e faz parte desse meu lado negro também - as palavras gélidas dele não soaram agradáveis para ela.
- Você é alguma espécie de vampiro ou o que? - o indagou confusa. Isso soou mais ainda tolo para ele.
"Um vampiro?". Ele balançou a cabeça desaprovando a pergunta.
-Vampiros são fajutos, uma representação patética dos lucíferes. Ao contrario deles que são sem vida, nós temos vida. Vida quente. Estamos além deles, somos... - Ele se aproximou devagar de onde ela tava.
- Estamos? - Ela indagou apavorada. - O que quer dizer com estamos? Então... Existem mais? - Falou tremula.
Khaliel chegou mais perto de Joana. Cercou-a na parede, fez uma caricia suave no seu rosto e continuou. - Somos inalcançáveis. Você... - fitou com receio a face dela que expressava surpresa e pavor - eu não posso levar, não posso entrega-la para ele... - fechou os olhos querendo dissipar essa possibilidade.
- Ele quem? - Sussurrou Joana a uma linha de seu rosto.
- Darkson - disse ele - o guru-bhuta... Ele a quer para um ritual de sangue. Revelou levando o rosto levemente para o lado do de Joana.
- Que? - resmungou surpresa.
- Maldição! - Khaliel esmurrou a parede que se rachou com a batida forte do punho. Ela tremeu sem sair do lugar. - Dai você me fez provar seu beijo. Deixou-me toca-la de um jeito tão instigante, que provocou os meus íntimos desejos, me fez se apaixonar. Você me roubou tudo que havia de ruim dentro de mim... - Falou com paixão e frialdade. - agora eu não sei quem eu sou. Eu não sei Joan... - Expressou-se lunaticamente.
- O que é você? - ela o perguntou novamente.
- O que você quiser que eu seja Joan - respondeu.
- Eu só quero que seja o meu Paul... - disse inconformada.
Ele virou o rosto para o lado. Sua expressão passou de sombria para um semblante mais sereno. Mais humano.
- Então você só me aceitaria se fosse humano? - Perguntou a encarando - então sua declaração de amor foi mero teatro? - A boca dele mexia com os dentes trincados.
- Não! - disse - claro que não... Eu só... - pausou tentando refletir - você podia ter me contado antes...
- Agora você sabe - fitou-a de um jeito que ela não poderia hesitar em não aceitá-lo. O jeito que Paullin costuma fitá-la. No entanto...
Quando Mitria e Saulo adentraram no quarto e os viram como estavam, Joana desvencilhou-se de Khaliel e abraçou-a. Então a mente dela fez uma retrospectiva dos acontecimentos anteriores, arregalou os olhos e se afastou...
- Eu lembro agora - disse. - lembro-me do que aconteceu antes de... - Disse ela lúcida dos fatos.
- Joan eu posso explicar tudo... - disse Milena querendo acalmá-la.
- Joana! - Reforçou Saulo.
- Vocês não são... - Joana arregalou mais os olhos.
- Humanos? - Milena complementou. - Não, somos híbridos e você minha linda também - revelou sem nenhuma cerimônia.
- Mitria você não devia... - Saulo repreendera Mitria por sua aspereza.
- Como assim híbrido Mitria? - Disse Khaliel intrigado.
- Desculpa Joan, vamos começar de novo... - Tentou redimir-se Mitria.
Todas as emoções de Joana que outrora exprimira pureza, amor e lealdade foram abalados grosseiramente pelas palavras das pessoas que mais confiava. O queixo tremia e aos poucos a insegurança foi manifestada em choro. Decepção e confusão a dominavam por dentro.
- Não deveria ter sido assim- Saulo interveio - seu pai não queria isso, falamos o que não devíamos. Fomos afoitos, não pretendíamos assusta-la - recomeçou Saulo cuidadosamente.
- O que vocês tanto escondem? - Khaliel perguntou.
- Meu pai... - Joana balbuciou - Jonathan, Mari e Cler... - refletiu - agora tudo faz sentido. Quem mais? Minha mãe também?
- Sua mãe não, ela é humana - Milena continuou... - Seu pai é um anjo. Mizael veio da falange amarela celeste dos sistemas intermediários. Eu e Saulo somos híbridos, uma junção gerada por anjos e demônios. Agora o seu queridinho ali nem ele sabe o que é - Milena olhou de relance para Khaliel. A decepção também se mostrou na face dele.
- Qual o verdadeiro vínculo que vocês têm com meu pai? - Joana perguntou aparentemente mais calma.
- Mizael capturava anjos renegados. Ele não conhecia a espécie de híbridos como nós. Até que uma noite estava sendo morto por alguns - Saulo começou a explicar... - Então eu e Milena salvamos seu pai. Contamos sobre nossa existência e a de muitos outros. Ele nos deu estes amuletos para nos proteger de anjos executores. Mizael voltou ao planeta intermediário Nilaish e acabou sendo expulso por seus lideres por nos defender. Houve uma grande guerra por poder entre demônios, híbridos e anjos. Os anjos quase foram eliminados. Os "demonoj" eram maiores em força e quantidade - os híbridos que sobraram refugiaram-se em outros países da terra. Disfarçamo-nos, temos codinomes e tentamos não ferir nenhum humano, procuramos conviver harmoniosamente. Agora os demônios estão de volta e escolheram você para um ritual macabro.
Saulo se aproximou de Joana, no entanto a mesma se esquivou. Ela olhou com receio para Khaliel. Ela o amava, estava perdida por amor, faria qualquer coisa por ele. Mas agora...
Levantou-se devagar da beira da cama os fitando temerosa. Deu passos para trás aproximando-se da porta.
- Todas aquelas tardes na biblioteca de casa - Joana disse relembrando a relação de infância com o pai. - quando eu e Jonathan ficávamos sentados ouvindo os contos sobre anjos, batalhas épicas que meu pai contava... Como eu fui tão tola - pôs a mão na testa - como pude ter esquecido? Ele estava nos instruindo - cobriu-se melhor com o lençol.
- Eu escutava tudo atrás da porta Joan, sim ele estava preparando vocês - Mitria acrescentou.
Joan deu passos em direção ao pátio, olhou o céu encoberto por um véu marinho escuro e estrelas. Recobrou todas as brincadeiras estratégicas que seu pai fazia com ela e seu irmão. Além do lençol que a cobria a noite fria a encobriu com medo e desconfiança. Ajoelhada chorou melancólica.
Milena tentou se aproximar.
- Não chegue mais perto... - Pediu Joana aparando com a mão.
- Joan não saia daqui agora, pode ser perigoso... - Advertiu Saranon.
- Joan, eu jamais a daria para aquele guru-bhuta - disse Khaliel - eu a desejo mais que tudo. Eu farei qualquer coisa que você pedir agora e sempre... - ele apelou para que ela não se distanciasse dele.
- Aqui você estará protegida Joan - falou Mitria.
Joan mirou seus rostos e se pós de pé.
- Como pude confiar em vocês - balbuciou chorosa - acreditar um dia que eram meus melhores amigos... - fungou. - Não, não se aproximem, não me toquem, fiquem longe... - colocou a mão na cabeça. - Eu só quero ficar sozinha, pensar, refletir em tudo isso... - Ela sentia como se uma flecha a tivesse atingido no peito.
Os três a olhavam receosos e preocupados. Mitria e Saulo tentaram cercá-la, mas Joana correra o mais rápido que pode. Atravessou o portão de ferro e aos poucos sua imagem em movimento sumira na penumbra da noite.
- O que aconteceria agora?
"Será que Joana aceitará ser um híbrido?"
"Poderá ela negar o que é?"