Eu fiquei tão perdido em pensamentos, deitado em minha cama e não percebo o tempo passar. Olho para a janela, e percebo que o sol se põe. Sou tirado de meu transe quando escuto alguém bater em minha porta. Levanto-me, caminho vagarosamente, perdido em uma sensação estranha. Abro a porta e um criado me informa algo.
- Alteza, venho em nome do Rei trazer-lhe um recado...
- Diga!
- O Rei Alexander, seu pai, pediu que Vossa Alteza desça para o baile em homenagem à senhorita Artanis!
- Muito obrigado, pelo recado. Diga ao meu pai que logo descerei.
Assim que o rapaz se vai, tranco a porta, sento em minha cama, e as ideias retornaram à minha mente. A história do Príncipe Perdido me consome, e esse pode ser o momento propício para mudar os rumos de meu destino e do reino.
[...]
As ruas de Epassi estão vazias. Caminhar depois de uma fuga mal planejada parece arriscado, mas faltam opções, e o medo de ser reconhecido me deixam em alerta constante. Caminho entre algumas pessoas na rua, puxo ainda mais o meu capuz da minha túnica. Há poucas pessoas pelo local, pouco movimento por causa do baile que meu pai promove, avisto alguns soldados que se dirigem a ponte de acesso a Venas, sou obrigado a recuar, e me esconder atrás de alguns barris. Estou sem muita opção, mas evitar a ponte e seguir por outro caminho é necessário.
A escuridão toma conta das ruas, poucas tochas iluminam a área. Caminho apressadamente por ruas paralelas a que estou, e avisto muitas tochas, e casas espalhadas adiante, é um povoado. Não é possível perceber muita coisa, mas noto as enormes janelas de madeira, e percebo que estou em Bartari. Olho de um lado a outro, e paro diante de algumas casas, sento no batente de uma delas para descansar, mas percebo que os soldados se aproximam, levanto e apresso meus passos sem que eles percebam minha presença.
Estou a horas caminhando, exausto, mas não posso parar. Sigo meu caminho até uma pequena plantação que dá acesso ao bosque. Continuo caminhando até avistar com dificuldade uma vila, pela organização das ruas e imponência das casas de pedra, acredito ter chegado em Baleak, é neste lugar que fica a ponte de acesso a Volcann, território onde supostamente pode estar o mago Killian, mas um barulho me chama atenção, cavalos se aproximam, não tenho escolha, seguir pela ponte parece arriscado neste momento, e rapidamente sigo para o lado oposto, um caminho por dentro do bosque, algo que não conheço.
O dia começa a amanhecer, e eu continuo andando, numa direção que desconheço. Estou perdido. Árvores, e mais árvores... Caminho um pouco mais, até avistar um grande conjunto de montanhas, que parecem uma grande fortaleza de pedra, deduzo que estou na Floresta Petrificada. Um lugar muito misterioso, que possui pequenas cavernas, aproximo-me das grandes rochas, e encontro uma delas para descansar. Acordo com a luz do sol batendo em meu rosto, pela intensidade dos raios, já passam do meio dia. Abro pausadamente meus olhos, me sento, observo a pequena caverna. Eu ainda estou muito cansado, mas preciso continuar minha missão. Como rapidamente algumas maçãs, e enquanto sacio minha fome lembro-me das palavras de meu pai, elas ecoam por minha mente: "Eu farei o possível e o impossível para impedir, e nenhum herdeiro de Moriam subirá ao trono que pertence ao meu filho".
Eu sigo meu caminho rumo a Volcann. Durante minha caminhada me deparo com a parte mais alta das montanhas, que possui uma extensão gigantesca em todo o seu contorno que lembrava um enorme muralha de pedra, pequenas vegetações como gramíneas cobrem uma parte desta área. Esse lugar é de uma beleza ímpar, impressiona, e por trás de toda aquela grande montanha, dizem haver um longo bosque de pinheiros, mas esta é uma área que poucas pessoas conseguiram se aventurar.
A grande muralha verde é admirável, observo ao meu redor e deparo-me com um rio, corro em sua direção, tiro minhas roupas e mergulho. A água toca minha pele, e uma sensação de frescor toma conta de mim, levo minha mão por meus longos cabelos para tirar o excesso de água. Enquanto me banho, ouço um barulho que me deixa em alerta, saio da água e olho de um lado para o outro, mas não avisto ninguém, mesmo assim acho melhor vestir minhas roupas para ir embora, e antes que consiga fazer qualquer coisa, sinto uma dor forte na minha cabeça, e tudo escurecendo ao meu redor.
ALLYSSA
Estou cansada. Uma sessão de treinamentos exaustivos. Ás vezes sinto que meus companheiros de treino querem me testar ao máximo por ser uma mulher. Entretanto, mesmo cansada, sinto-me tão orgulhosa de meus avanços, e de minha nova espada, algo nela me traz uma vaga sensação de conforto, de pertencimento, na verdade o sentimento em relação a ela era o mesmo que sentimos quando voltamos para casa depois de um longo período longe. Esse é o meu sentimento desde que a toquei pela primeira vez quando a encontrei enterrada atrás de minha antiga casa. Nosso treino é interrompido por um dos soldados que acompanham Duric, o homem tem uma expressão seria em sua face, não parece trazer boas notícias. Ele se aproxima, e profere em voz alta.
- Prenderam um homem na entrada do nosso território, Duric vai precisar da contribuição de todos vocês!
Balanço a cabeça em sinal positivo, e caminho em direção a cabana que usávamos como prisão. Passo por uma grande extensão de grama, até chegar ao bosque, a vila ficava próxima a ele. Ao chegar diante da cabana, entro juntamente com alguns companheiros de treino, me deparo com alguns soldados e Duric, eles analisam um rapaz desacordado. Olho para Duric, e em seguida para o prisioneiro, enquanto meu líder e os outros debatem o que seria do prisioneiro, volto minha atenção para o rapaz. Tem um longo cabelo loiro, barba, seu rosto é delicado, o nariz com traços finos, a boca carnuda, ele está com o torso nu, e sua calça é igual a que os camponeses usam, bem justa ao corpo. Ele não parece ser alguém desta região, suas feições são diferentes dos homens que habitam nosso território, ou os povoados e vilas vizinhas. Algo chama minha atenção. Ele usa um anel. Lembra a joia usada pelos nobres de Ascabaltt, que traz um símbolo de cada família que governa uma Cidade-Estado. Duric possuí um. Eu me aproximo e agacho diante dele, toco o anel, aparenta ser de ouro, possui uma pedra redonda e avermelhada em cima e duas espadas cruzadas, levanto-me, viro bruscamente na direção de Duric e dos soldados que já haviam decidido o destino do rapaz.
- Se ele acordar, façam-o falar o que estava fazendo por aqui! - Duric diz com autoridade.
- Sim Senhor, mas vamos mantê-lo prisioneiro por quanto tempo? - Pergunta um dos soldados.
- Se ele falar alguma coisa ou não, amanhã o executem!
- Mas Senhor, como assim executá-lo? - pergunto de forma assustada, meu coração dispara, sou tomada por uma sensação estranha.
- Ele provavelmente é um espião a serviço do Rei, alguém poderá vir atrás dele, e se o mago de Alexander detectar sua presença...
- Mas a magia de Direl não é párea para a magia, que Killian lançou em nosso território!
- Allyssa, este homem deve ser executado. Não podemos correr riscos!
- Mas, ele deve ser alguém da nobreza. Olhe o anel dele! - Duric se aproximou do rapaz e olhou para o anel que o rapaz trazia consigo.
- É, parece ser da nobreza...
- Então, se ele for um nobre, podemos usá-lo como garantia de aliança com a Cidade-Estado que ele representa! - falo esperançosa.
- Não sei Allyssa, isso parece muito arriscado!
- Senhor, se ele for nobre será uma grande oportunidade que perderemos... Pense bem, não faça nada ainda, interrogue-o, e depois decida o que fazer com ele! - digo na tentativa de persuadi-lo.
Duric me encara com seus grandes olhos da cor da escuridão, seu olhar parece inquisitivo. Acredito que assim como eu, ele também se pergunta o porquê da insistência em permanecer resguardando a vida de alguém da nobreza. Foram segundos que pareciam uma eternidade, até ele proferir algo.
- Pensando bem, você pode ter razão Allyssa! Podemos usá-lo como isca, ou moeda de troca, mas para isso precisamos descobrir de onde exatamente ele é. Eu quero dois soldados vigiando este homem, e eu quero que você o interrogue, Allyssa!
- Eu? Tem tantas pessoas melhores que eu para isto, Senhor!
- Eu quero que você faça isto. Será um grande aprendizado para você, e se precisar de ajuda, pode me chamar, ou qualquer um dos rapazes... - assim que diz isto, Duric e a maioria dos soldados se retiraram, ficando na cabana apenas eu e mais dois homens que ficariam encarregados da segurança do local.
O prisioneiro está ferido, tem um ferimento na cabeça, pedi a um dos soldados que procurasse Melli, a curandeira do Território para que trouxesse alguns panos e unguentos para tratar a ferida do prisioneiro, além de água e comida. O homem se retirou e eu fiquei sozinha com o rapaz desacordado, aproximo-me, agacho e toco sua cabeça, mas exatamente em sua nuca, sinto que está molhado, é sangue.
Limpo minha mão, e observo cada detalhe de seu rosto, e sinto uma necessidade desenfreada de tocá-lo. É mais forte que eu... Meus dedos acariciam sua barba e continuam a passear pela sua boca. Sinto algo estranho, estou desconfortável, minha mão desliza por seu cabelo que está emaranhado, acaricio levemente seu cabelo, alguns fios entrelaçam-se entre meus dedos.
Seus olhos mexem rapidamente, e retiro minha mão e me afasto um pouco, ele se mexe, abre os olhos vagarosamente, e em sua face vejo a expressão de dor, tenta levar a mão em sua nuca, mas algo o impede de levantar, olha na direção de seu braço, e percebe que está acorrentado, e sua expressão muda ainda mais, parece assustado, tenta se levantar, mas seus pés estão amarrados. Ele vira a sua cabeça em minha direção, e nossos olhares se encontram.
- Onde eu estou? Por que estou preso? - pergunta assustado.
- Acalme-se, você sabe muito bem onde está! Está preso porque sabemos que é um espião a mando do Rei Alexander! - digo com veemência.
- O que? Eu não sou espião do Rei, e definitivamente não sei onde estou ou porque me acorrentaram!
- Se não é espião do Rei, o que faz por aqui? Quem é você? Vi que tem um anel da nobreza, de onde você vem?
- Isso não é da sua conta!
- Acho melhor você responder com educação à minha pergunta!
- Por quê? Vai me matar? Acho que não, afinal você quer saber sobre o anel, não é mesmo? - pergunta em tom de deboche, saco a espada que estava ao meu lado, e aponta para o seu pescoço. - O que é isso? Vamos com calma!
- Responda a minha pergunta com educação!
- Eu sou um nobre, sim! Ganhei esse anel de meu pai quando fiz 20 anos... venho de Spaldi, me chamo Paolo e sou filho de Guilhermo, governador da Cidade-Estado de Spaldi! Pronto respondi suas perguntas? - sua última fala é extremamente irônica.
- Você é filho de Guilhermo Rivvera? Ah, você é aquele irresponsável que anda causando problemas pelas ruas de Epassi junto com o Príncipe? - pergunto no mesmo tom que, ele não responde, e me olha com muita raiva.
- Quem é você?
- Não importa, você não me respondeu o que fazia na Floresta Petrificada!
- Eu não sou obrigado a te responder...
- Eu vou te esclarecer algo, meu caro nobre! Eu comando os interrogatórios, e...
- Uma mulher comandando interrogatórios? Você é Alfa? - pergunta de forma debochada.
- Eu não vejo problema em ser mulher e comandar um interrogatório, e se sou Alfa, Ômega ou Beta, não importa! Mas, se você está incomodado, posso chamar alguns soldados para me ajudarem...
Eu o encaro, tiro um punhal do cós de minha calça, toco em sua ponta, e caminho até a porta, mas sou parada pela voz do rapaz.
- Tudo bem! - fala, e viro em sua direção. - Eu vim de Epassi à procura de um lugar para me esconder, pois os soldados do Rei estavam me perseguindo, pois ajudei o Príncipe a fugir, fomos descobertos e cada um encaminhou-se para um lado diferente do bosque, eu estava à procura do Príncipe...
- E por que vocês estavam fugindo?
- Porque você quer saber? Isso não é da sua conta! - me responde com raiva.
- Dá para você me responder por bem, ou por mal? - pergunto, levo o punhal até seu rosto, e contorno toda sua barba, nossos olhares se encontram, e uma sensação estranha toma conta de mim.
- Quem é você? - pergunta sem tirar seu olhar sob mim.
- Já disse que não importa, me diga porque você e o príncipe estavam fugindo!
Ele me olha de um modo estranho, e sinto um cheiro que parece emanar dele, isso é algo que jamais aconteceu na minha vida, nunca senti odor de ninguém, nem do meu irmão. O medo me invade, meu coração bate tão forte, e pela primeira vez não sei o que fazer, e as palavras do meu irmão vem à minha mente...
"Eu tenho certeza que no dia que você conhecê-lo vai entrar no cio, e agir feito uma tola apaixonada"
Afasto-me bruscamente dele, levanto-me e caminho em direção a porta, e antes que eu toque a maçaneta, ele se manifesta.
- Ajudei Andrew a fugir porque ele não queria casar com uma moça por conveniência! - fala, me viro, e o observo atentamente.
Seu olhar é intenso enquanto fala. Sinto que sou analisada, e sinceramente isso não me agrada, sinto-me profundamente incomodada, o encaro com seriedade, e quando estou pronta para perguntar-lhe sobre sua atitude, sou interrompida pelo soldado que traz consigo o que eu pedira.