- Eu não é... Olho, quer dizer, não estou olhando para você desse mesmo jeito que você me olha! Eu preciso limpar seu ferimento...
O que está acontecendo comigo? Por que me sinto tão vulnerável? Eu não sou assim. Sinto-me confusa com o jeito que este homem me olha, ele não fala absolutamente nada, e apenas vira um pouco a cabeça para que eu faça a limpeza de seus ferimentos.
Levo minha mão até seus cabelos afastando os fios que estão próximos do corte que foi ocasionado pela pancada que recebera de um dos soldados de nosso território. Procuro limpar seu ferimento delicadamente, e ao mesmo tempo com atenção, mas algo me incomoda, e é essa delicadeza, nunca agi assim. Cada toque de meus dedos em seus cabelos, e na pele machucada me trás uma sensação estranha, é assustador, seu cheiro continua forte. Levo minha mão até meu nariz na tentativa de não sentir seu cheiro, mas não consigo, e me afasto bruscamente. O prisioneiro me encara confuso.
- Já terminou? Você limpou direito?
- Já terminei e não se preocupe, está tudo bem com seu ferimento! É... Você está com fome?
- É bem irônico, quase me matam com uma pancada certeira na cabeça, e depois me oferecem comida, quanta gentileza! - responde com sarcasmo.
- Estou tentando ser gentil com o senhor, mas vejo que não adianta muito. O senhor parece não saber o que é isso, porque os nobres nunca tratam ninguém com gentileza, acabam desconhecendo o que é ser gentil!
- Ah, você está sendo gentil? - pergunta ironicamente mais uma vez.
- Estou, mas se acha que não... Ah, quer saber de uma coisa, se estiver com fome, vai continuar, porque da minha parte eu não vou te dar comida, morra de fome!
- Quem você pensa que é garota, para falar comigo desse jeito? Eu exijo falar com o líder deste lugar, porque provavelmente, não é você!
- Quer saber? Foda-se! - respondo, me afasto rapidamente, abro a porta e saio sem olhar para trás, os soldados me perguntam algo, e não respondo nada porque não consigo.
O homem é extremamente irritante e arrogante ao mesmo tempo. Não perderei meu precioso tempo com alguém como ele. Caminho rapidamente em direção à minha casa.
[...]
- Irmã, eu soube que você esteve interrogando o prisioneiro, conseguiu alguma informação sobre ele?
- Se ele estiver falando a verdade, será um grande trunfo para nós, pois ele é filho de Guilhermo de Spaldi, e poderemos usá-lo como moeda de troca!
- Allyssa, o que houve? Você parece um pouco irritada, foi algo com o prisioneiro?
- Eu me irritei um pouco com ele, pois tentei ajudá-lo, e ele se mostrou muito arrogante comigo, ou melhor, um verdadeiro idiota! Eu até o tratei educadamente, fui gentil tentando limpar seus ferimentos, mas ele... Arghh! - respondo de forma irritada para meu irmão sem concluir o que digo.
- Você... O quê? Limpou os ferimentos de um prisioneiro? Desde quando você é gentil com um homem, e principalmente um prisioneiro?
- Ele estava machucado, com um ferimento na cabeça que sangrava. O que você queria que eu fizesse?
- Não é o que eu queria que você fizesse, mas o motivo de tanta preocupação com um prisioneiro, soube que você pediu a Duric que poupasse sua vida.
- Como eu te disse, ele pode servir como moeda de troca! - digo e me sento à mesa, Balck se senta ao meu lado.
- Eu te conheço, você nunca se importou com prisioneiros, sempre apoiou Duric quando os sentenciava à morte, o que está acontecendo?
- Não está acontecendo nada, Balck! - respondo irritada, olho para meu irmão, que me encara como se estivesse me investigando. - Eu já disse, não está acontecendo nada!
- Tudo bem, se você diz...
[...]
Já era noite quando voltei à cabana do prisioneiro, ele parece estar dormindo, e eu fui designada há algumas horas para ficar de guarda dentro da cabana. Particularmente não gostei muito da ideia, mas infelizmente não posso negar um pedido de Duric. Sentada ao chão, consumida pelo tédio e observando a luz refletida pela tocha na parede da cabana, viro meu rosto rapidamente ao ouvir algo.
- Não, não... Eu preciso encontrá-lo! - Não é possível que além de arrogante, impertinente, ele ainda fala enquanto dorme?
É inevitável, volto minha atenção para ele, e percebo que se encolhe um pouco, parece sentir frio. Levanto-me e pego um dos cobertores que está ao meu lado, aproximo-me e cubro o nobre arrogante. Olho para ele, não sei o que está acontecendo comigo, o que há de tão especial neste homem, em que em tão pouco tempo chama minha atenção? Eu me afasto, e balanço minha cabeça em sinal negativo à minha ação.
Não me reconheço, nunca me importei com prisioneiros. Volto para meu lugar, pego o outro cobertor espalho pelo chão, e deito-me. Pensamentos povoam a minha mente, e desagrada-me. Penso no contato com o prisioneiro, tento afastar da minha cabeça balançando-a, e lembro-me da conversa que tive, e consequentemente do que descobri sobre ele. Preciso contar ao meu líder que não o sentencie à morte, seria um verdadeiro desperdício matar alguém com tamanho valor para os nossos planos.
O sol já clareava o território rebelde quando eu finalmente abro meus olhos, sento-me exausta, não consegui dormir muito bem, passei parte da madrugada acordada à espera de mais um soldado para reforçar a segurança durante a troca de turno. Abro meus olhos definitivamente, e percebo o olhar daquele insolente sobre mim, e isso me incomoda, não gosto que me olhem, e muito menos que o façam do modo que este estorvo o faz.
- Por que está me olhando? - levanto-me rapidamente e pergunto irritada.
- Ah, esqueci que é proibido olhar para a moça sem nome. O que há de mal nisso? Vai me matar porque estou te olhando? - responde ironicamente, deixando-me ainda mais irritada.
- Acho que você ainda não entendeu que é um prisioneiro, me deve obediência e respeito, não deve ficar me olhando assim. Só não faço alguma coisa a você porque... - não consigo concluir minha frase.
- Já sei, porque precisa de mim para os planos da resistência rebelde! Eu ouvi você falando com seu amigo ontem.
- Ah, quer dizer que você escuta as conversas alheias?
- A conversa em questão me envolvia, então tinha que saber do que se tratava!
No instante em que discutíamos um dos soldados, Yan, entra na cabana trazendo comida.
- Allyssa, o nosso líder está à sua espera, e quer vê-la urgentemente.
- Eu o procurarei em breve! - informo.
- Algum problema com o prisioneiro? Escutei o que parecia... Uma pequena discussão, está tudo bem?
- Não se preocupe, Yan... Está tudo bem! Nosso prisioneiro é um pouco rebelde...
Eu procuro encurtar a conversa o mais rápido possível, e assim que ele se retira, eu volto as minhas atenções para a comida. Mas, o prisioneiro é realmente insistente, e parece querer me irritar.
- Ele parece interessado em você!
- O quê?
- O soldado, o jeito que ele te olhava, o tom de preocupação na voz...
- É uma piada?
- Não, e por que seria uma piada?
- Porque Yan é apenas alguém com quem eu treino todo dia, e...
- É um amigo?
- Não exatamente, ele tem amizade com meu irmão, eu não converso muito com ele, e... Mas, o que é isso?
- O quê? - pergunta em tom de ironia.
- Você está querendo saber da minha vida? Escute bem, você é o prisioneiro aqui... Quer saber? Eu não vou perder meu tempo discutindo com você
- Tudo bem, Allyssa! Eu já entendi...
- O quê? Descobriu o meu nome?
- O seu amigo te chamou pelo nome... - o encaro, e uma vontade de esfregar o rosto dele na parede surgi dentro de mim.
Saio batendo a porta e chamando a atenção de Yan que estava de guarda ao lado da porta. O rapaz com seus grandes olhos verdes me encara assustado.
- Algum problema, Allyssa?
- Não Yan. Não há problema algum!
Yan continua me encarando sem entender o que há, embora eu também não saiba o motivo da minha raiva. Faço recomendações a ele, para que sirva comida ao prisioneiro, e me retiro daquele ambiente rapidamente. Sigo caminhando pelo povoado, e minha mente está me traindo, pois o rosto daquele irritante aparece em meus pensamentos, e me pergunto o que está acontecendo comigo, sinto-me vulnerável. Eu não sei porque abri minha boca para conversar com ele, contar sobre Yan e a sua amizade com meu irmão... Sinto raiva de mim, não sei porque estou perdendo meu tempo para dialogar com alguém como ele! Maldito Paolo!
Caminho entre as árvores, passo por algumas plantações, subo um terreno inclinado, e paro, olho para aquela vasta extensão verde, mas meu pensamento ainda está inundado pelo prisioneiro. Por que estou pensando nisso? O que está acontecendo?
Continuo caminhando, sigo por uma área coberta por uma leve grama, distraída não percebo que Duric está no meio dos soldados, no campo de treinamento. Percebo apenas quando ele me chama.
- Allyssa! Allyssa!
- Ah... Senhor, desculpe não o vi!
- Está tudo bem? Você parece tão distraída! - pergunta, pelo seu olhar parece notar algo estranho em mim.
- Está... Eu só acordei com uma indisposição, dormi pouco, só isso!
- Conseguiu extrair alguma informação do prisioneiro?
- Sim, o nome dele é Paolo, é filho de Guilhermo Rivvera, parece que ele estava ajudando o Príncipe a fugir, mas como os soldados capturaram o filho do Rei, Paolo fugiu, e acabou se perdendo.
- Quer dizer que ele é filho do maldito Guilhermo?
- É sim!
- Eu gostei desta informação, mas ao mesmo tempo fiquei um pouco preocupado...
- Por que? - pergunto.
- Porque o pai dele é um rato infame, que prejudicou demais a minha vida, a de Algor e principalmente de meu grande amigo, o Rei Moriam. Ter o filho daquele maldito preso em meus domínios é um grande trunfo, mas ao mesmo tempo é muito perigoso!
- O que faremos com ele? Vai mantê-lo como uma espécie de garantia, preso aqui?
- Sim, mas temos que reforçar a guarda, pois mesmo com o bloqueio de Killian, pode ser que aqueles ratos estejam usando este rapaz como isca para chegar até aqui, e por isso devemos reforçar a segurança ainda mais, e vistoriar a área externa da Floresta Petrificada.
Duric explicou a seus comandados o que cada um devia fazer e os designou para suas atividades, além de determinar que um deles levasse uma mensagem a Algor informando o que aconteceu dentro do movimento. Ele sabia que ter como prisioneiro o filho de Guilhermo, era importante e perigoso, precisaria reforçar a segurança e designar mais soldados para vigiar a cabana onde o prisioneiro estava. Além disso, me encarregou de vigiar e tomar conta daquele infame.
- Senhor, eu gostaria de ficar vigiando a cabana do prisioneiro por fora!
- Qual o problema, Allyssa? Você já vigiou outros prisioneiros!
- Este tal de Paolo é insolente, eu não gosto do jeito que ele fala comigo ou...
- Ou o quê? Essa não é a primeira vez que você lida com gente insolente, você é uma guerreira! Treinada para enfrentar qualquer tipo de perigo e, além disso, Paolo é um nobre e a maioria deles são esnobes, assim como o pai dele, então não espere que ele seja gentil e obediente com você. Seja dura com ele, bata nele se for preciso, mas não atente contra a vida dele, este rapaz insolente é o nosso trunfo!