Capítulo 4 Ficando para um Chá com Biscoitos - Parte 2

David então se retraiu em direção à poltrona e sentou-se com o tronco ereto. Ele estava com a sensação de que o que ele estava prestes a ouvir não seria bom.

- Tá bem... - David sentiu arrepios subindo e descendo pela sua coluna.

- Você quer que eu prossiga?

Ele engoliu em seco. - Sim, por favor.

- Eu vou tentar resumir, tá bom? Ela passou pela escola porque ela acha que alguém tem colocado certas ideias na sua cabeça. E ela tem certeza que deve ter sido alguém da escola. É claro, como você sabe, eu não fazia ideia do que ela estava falando. Então, ela me acusou de ser negligente com os meus alunos e não me atentar para o que eles fazem bem debaixo do meu nariz. Eu tentei fazê-la raciocinar melhor, mas infelizmente não tive sucesso. Então, ela ficou convencida de que um garoto tão ingênuo e manipulável, como ela pensa que você é, ficaria muito melhor estudando em casa do que indo a uma escola com pessoas a quem ela se referiu como "adolescentes doidos" e "uma professora incapaz" como eu.

David se sentiu tonto. Ele plantou os cotovelos sobre os joelhos e enterrou o rosto nas mãos. Ele implorou pra que uma cratera se abrisse ali mesmo e o engolisse por completo. Ele só queria desaparecer, de algum jeito.

- David? Você tá bem, querido? - srta. Fletcher perguntou, se levantou de sua poltrona, se sentou ao lado dele no sofá e delicadamente pôs a mão no ombro dele.

- Tô bem, sim. Por favor, continue, srta. Fletcher, - ele disse, tentando se controlar e manter o que restava de sua dignidade.

- Tem certeza? Você ficou pálido, querido. Eu vou pegar água pra você.

- Não, não precisa, srta. Fletcher. Eu tô bem, é sério. Por favor, continue.

- Tudo bem, então. - Ela respirou fundo. - Eu tentei convencê-la a deixar você continuar na escola pelo menos até a Páscoa. Assim teríamos ganhado tempo para dissuadí-la de sua decisão e fazê-la entender que ninguém tem colocado quaisquer ideias na sua cabeça. Mas ela estava completamente inflexível. Porém, eu não vou desistir assim tão facilmente. Talvez ela precise de uns dias pra esfriar a cabeça. Então, vamos dar a ela um tempo, antes de tentarmos de novo. Nós vamos conseguir pensar em uma forma de fazê-la compreender. Tá bom?

- Minha mãe é uma pessoa muito difícil de se lidar, srta. Fletcher. Às vezes é impossível argumentar com ela, porque ela simplesmente não quer ouvir qualquer coisa que vá contra o que ELA pensa que é certo.

- Ah, eu sei como é isso. Eu já tive a experiência de lidar com pessoas como ela. Então eu vou dar um jeito de resolver isso.

- Eu sou muito grato por isso, mas ela já foi muito grosseira com você. Eu lamento profundamente por isso, aliás! Eu não quero que ela exploda com você de novo. Você não merece esse tipo de tratamento. Você é uma pessoa tão boa, srta, Fletcher.

- Desculpe por desapontá-lo, amiguinho, mas FELIZMENTE eu já estou envolvida na questão. Então, eu vou ajudar você, goste você ou não. Ah, a propósito... - Ela se levantou e deu uma corridinha para fora da sala. Uns minutos depois, ela voltou com quatro livros nas mãos. - Olha o que eu tenho pra você. Dois deles são livros escolares, pra você estudar em casa, enquanto a gente não pensa em uma forma de fazer você voltar para a escola, e os outros dois são livros de literatura.

- Nossa! Muito obrigado, srta. Fletcher! - Os olhos dele brilhavam, enquanto ele pegava os livros (ainda com cheiro de novos) e dava uma olhada rápida neles. - Mas não precisa se incomodar.

- É claro que precisava, por isso eu estou dando pra você. E não é incômodo, mas sim um prazer pra mim, fazer isso. Você é um dos meus melhores alunos. E talentos precisam ser incentivados e desenvolvidos.

- Você acha que eu tenho talento, de verdade?

- Com toda certeza!

- Muito obrigado!! Essa é a coisa mais legal que alguém já disse sobre mim!

- Isso não pode ser verdade! Você é um garoto tão singular e digno de admiração!

David começou a corar. Então, ele de repente se levantou em um pulo, pois ele se lembrou que tinha que voltar para casa, porque tinha que tosquiar as ovelhas com Johann. - Ah! Eu acabei de me lembrar que eu não devo ficar por muito tempo - ele disse, apressadamente.

- Mas você não comeu sequer um biscoito, mocinho! - Ela soou desapontada.

- Perdão, srta. Fletcher! E obrigado do fundo do meu coração, não só pelo chá, pelos biscoitos e pelos livros, mas principalmente por fazer questão de me defender, mesmo quando isso significa que você provavelmente vai receber muitos desaforos da minha mãe. Mas eu vou lhe proteger o melhor que eu puder, eu prometo!

- Conte comigo, querido! Como eu disse, pra mim é um prazer lhe ajudar. É pra isso que eu estou aqui. E não tem problema algum. Não precisa se preocupar comigo. Eu vou ficar bem, eu prometo. Por favor, coma pelo menos um biscoito! Eu vou levar mais para você, mais tarde.

- Você vai ir me visitar na minha casa, então?! - Os olhos dele brilharam ainda mais do que antes.

- Só se eu for convidada - ela brincou.

- Com certeza, você é mais do que bem-vinda! Por favor, apareça a qualquer hora que tiver vontade! - ele disse, entusiasmado, ao pegar um biscoito da bandeja.

- Agora que eu fui devidamente convidada, ficarei feliz em aceitar - ela disse, com um sorriso enorme, franco e resplandecente em seu rosto, e David pensou que ela só podia ser a mulher mais linda no mundo inteiro. E ele também estava sorrindo de orelha a orelha, além de estar pulando de alegria por dentro.

- Mal posso esperar! - ele disse, todo feliz.

- Não vai precisar esperar por muito tempo. - Ela pôs a mão no ombro dele. - Isso me lembra que eu não devo continuar impedindo você de ir cumprir com as suas tarefas, mocinho. Vamos. Vou te levar até a porta.

Ela o levou até a porta e se despediu dele com um beijo na cabeça. Ele comeu o biscoito, montou na bicicleta e pedalou de volta para casa, pensando no quanto ele amou estar na companhia da srta. Fletcher, e o quanto ele sentia por ter que ir embora. Então, ele foi atingido pela lembrança de que talvez ele nunca mais consiga voltar para a escola, e isso partiu seu coração, novamente.

FIM DO FLASHBACK.

- Pronto. Isso foi tudo o que aconteceu, Pai.

- Entendo - Ettel respondeu e depois respirou fundo e longamente. - Bem, sua mãe e eu vamos ter uma conversa, hoje mais tarde. Ela não devia ter feito nada sem o meu consentimento, muito menos pelas minhas costas. Você e eu vamos ter uma conversa, também, sobre você olhar para a sua professora da maneira como olhou.

- Eu não tive a intenção, eu juro! Eu simplesmente não consegui evitar.

- Eu compreendo. Eu sei bem como é. Mas isso não quer dizer que seja certo!

- Você sabe?! Como você poderia?

- Bem, eu também sou homem. E eu já tive a sua idade. Já estive na sua pele, muitas vezes - Ettel colocou seu chapéu de volta na cabeça, puxou David para o seu lado e colocou o braço em volta do pescoço dele. - Agora, vamos lá terminar o nosso serviço, vamos?

Eles começaram a recolher a lã que havia sido tosquiada por Johann e Otto, e depois tosquiaram mais lã das ovelhas restantes.

            
            

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