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Sendo um homem que cumpria sua palavra, Ettel tratou mesmo de ter uma conversa com todos que ele havia dito que teria uma conversa.
Primeiramente, ele procurou a pessoa que ele considerava ter cometido a pior falta: Mika.
Ele iria esperar que ambos fossem se deitar, e então falaria com ela antes de irem dormir. Mas a questão era urgente demais para esperar, além de que ele queria já ter algo para dizer para David a respeito do assunto, quando ele fosse falar com o filho. Então, Ettel dispensou as crianças.
Os garotos já estavam morrendo de vontade de ir, pra que pudessem ouvir no rádio seus programas preferidos de faroeste: "Gunsmoke" e "Have Gun – Will Travel". Nadja, por outro lado, não consegua pensar em mais nada além de voltar ao celeiro e finalmente alimentar os gatinhos.
Assim que as crianças saíram, Ettel disse a Mika que eles iriam ter aquela conversa que ele havia prometido a ela. Ela sabia que ele iria falar sobre David; mas o que ela não sabia era que havia mais um assunto a respeito de David sobre o qual falar.
Ettel resolve ser breve, já que ele ainda tinha que converser com David, depois. Então, ele cuidadosamente segurou o braço dela e a conduziu para uma cadeira, na cozinha. Ele puxou outra cadeira pra si mesmo, sentou-se nela, de frente para Mika, e depois foi direto ao ponto principal:
- Mika, por que você tirou o David da escola? E por que você fez isso sem sequer falar comigo a respeito? Você já esqueceu o quanto foi difícil conseguir uma vaga para cada um dos nossos filhos, lá? - Ettel questionou, olhando de maneira zangada bem nos olhos de Mika.
Mika se recostou em sua cadeira, cruzou os braços e as pernas.
- Como eu já te disse, aquelas crianças andam colocando ideias idiotas na cabeça dele, na escola. E a professora dele aparentemente não tem mão firme pra manter seus alunos na linha. Eu não ou deixar MEU filho continuar sendo manipulado a fazer idiotice - Ela disse, olhando de volta nos olhos dele, sem piscar uma vez sequer.
Ettel, por outro lado, piscou duas vezes, incrédulo.
- Você perdeu o juízo, mulher? Não fique culpando as pessoas por coisas que você fica imaginando aí na sua cabeça. Você nem sequer conhece aquelas crianças, nem a professora delas, que é uma mulher muito sensata, aliás. E o que você quer dizer com "SEU filho"? Ele é MEU filho, também. Então, eu também tenho direito de decidir sobre toda e qualquer coisa que o envolva. E os sentimentos dele também devem ser levados em conta.
Mika fez um gesto de desdém com a mão, como se estivesse limpando algo do ar em frente ao seu rosto.
- Ah, por favor, Ettel... O David não faz ideia do que é bom pra ele e o que não é. Ele é um menino bobo que sonha demais, cujos pés precisam ser trazidos de volta para a terra da realidade. E, como eu disse nesta manhã, você o mima demais. É por isso que eu fiz o que eu tinha que fazer, sem falar com você a respeito. Eu imaginei que você seria tão cego e irracional quanto o David, e acabaria ficando do lado dele, desconsiderando qualquer lógica que fosse. E, sobre a srta. Fletcher: você mal a conhece. Então, o que faz você pensar que ela é tão confiável?
- Então, NÓS que somos os cegos e irracionais, quando é VOCÊ quem rejeita qualquer argumento lógico que alguém lhe apresente? Você só pode estar de brincadeira comigo, sério! Quanto ao David: Eu não vou cortar as asas dele, só pra que ele não caia e se machuque, Mika. E também não vou deixar que VOCÊ faça isso. Nós temos que apoiá-lo, ser o vento debaixo as asas dele. E quanto à srta. Fletcher: então, você acha que você tem o direito de tirar conclusões a respeito dela, apesar de você não a conhecer direito, mas EU não tenho? Isso é muita hipocrisia.
- Onde foi que você aprendeu toda essa besteirada de "temos que ser o vento debaixo as asas dele", Ettel? Você tirou isso de algum livro novo que você leu? Ou foi a professora quem colocou essas ideias na sua cabeça? Se for esse o caso, pode ser ela quem anda colocando ideias na cabeça do David, também. É por isso que ela tentou me convencer a não tirar o David da escola. Tudo tá começando a fazer sentido, agora.
Ettel grunhiu e coçou a nuca.
- Meu Deus... Nein, Frau![1]" Ettel exclamou, claramente começando a perder a paciência. - Você por acaso comeu aqueles cogumelos alucinógenos? Porque você tá viajando na maionese. Pare de julgar e de tirar conclusões baseadas apenas suas teorias erradas! Você tá completamente equivocada! E o que você acha que eu sou? Algum idiota incapaz de raciocinar sozinho? Pare de subestimar as pessoas, como se você soubesse fazer tudo melhor do que todo o mundo! Que coisa arrogante e ridícula! - Ele se levantou de sua cadeira e caminhou até a geladeira, para pegar uma Schwarzbier[2].
- Você tá falando como se eu estivesse inventando coisas sem sentido, e eu não tô. Se seus miolos estivessem funcionando direito, você saberia que o que eu estou dizendo faz todo sentido.
- Eu não tô falando que é ilógico. O problema é que você está tirando conclusões precipitadas, levando em conta apenas a SUA opinião. Bem, nós estamos fugindo da questão principal. Resumindo... - ele abriu a gaveta de um dos gabinetes da cozinha, pegou um abridor de garrafa, abriu sua garrafa de cerveja, devolveu o abridor à sua respectiva gaveta, a fechou, se virou e se encostou no gabinete, - você NÃO VAI decidir sobre o futuro do David sozinha. Portanto, sua decisão de tirá-lo da escola não vai ter efeito. Nós dois iremos à escola, na segunda, para que eles desfaçam isso. Você não tem direito algum de privá-lo do direito dele de ter uma educação decente em uma escola decente. E eu vou convidar a srta. Fletcher pra almoçar com a gente, assim você vai poder se desculpar e compensá-la por ter sido tão grossa com ela. Eu fui claro? - Ettel decretou, olhando para ela de onde ele estava, antes de levar sua Schwarzbier à boca.
- Que seja, Ettel. Eu só espero que você não esteja cometendo um enorme erro. Se isso terminar mal, vai ser sua responsabilidade, e VOCÊ vai dar um jeito de consertar - Mika respondeu, de forma seca, sem olhar para ele, e depois se levantou e se virou em direção ao vão da porta. - Acho que já terminamos. Nesse caso, com a sua licença - ela completou, antes de sair andando.
- Tenha toda! - Ettel respondeu, em tom de gracinha, fazendo Mika revirar os olhos de irritação.
Enquanto isso...
- Você não vem, Dave? O programa já deve ter começado - Otto disse, quando viu David andando em direção à escada, com Nadja.
- Vocês podem ir na frente. Eu vou escovar os dentes, primeiro. Daqui a pouquinho eu me junto a vocês.
- Não dá pra você fazer isso DEPOIS dos programas, cara? Você vai perder o resto de Gunsmoke. Seus dentes não vão apodrecer, se você não escová-los por mais uma hora - Johann reforçou.
- Vai ver que ele precisa é fazer o NÚMERO DOIS. Talvez a janta não tenha caído bem. Então é melhor a gente deixar ele ir cuidar disso - Otto disse, depois cutucou Johann e riu.
- Você vai pegar leite pros gatinhos, agora? Por que eu mesma não posso ir pegar um pouco na geladeira? - Nadja sussurrou para David, enquanto os dois subiam as escadas, quando Johann e Otto já haviam desaparecido em direção à sala de estar, para ouvirem seus programas preferidos no rádio.
- Porque na geladeira não tem mais. A gente já tomou tudo. A gente pega leite fresco de manhã cedo e bebe durante o dia, lembra? E eu não sei se devo ir agora. Eu acho que o Pai vai falar com a Mãe, agora. E ele deve querer falar comigo, assim que ele terminar de falar com ela. Eu não sei o quanto eles vão demorar, então é melhor eu esperar por ele - David sussurrou de volta para ela.
- Me fala onde tá, que eu mesma vou lá buscar.
David delicadamente puxou Nadja para a porta do quarto dela, parou lá e ficou de frente para ela.
- Não, você não pode. Você não sabe mexer no reservatório onde guardamos leite. Além disso, depois de pegar o leite, eu ainda vou ter que colocar água nele e depois ferver, pra ele ficar adequado para os gatinhos. Eu não posso ferver o leite enquanto o Pai e a Mãe ainda estiverem na cozinha. Então, vamos só escovar os dentes. E depois, por favor volta pro seu quarto e fica quietinha, até eu vir buscar você. Tá certo? Se você não fizer como eu tô dizendo, você vai estragar tudo - ele disse, em voz baixa e calma, mas com firmeza.
- Tá bom! Eu vou ficar quietinha até você vir me buscar. É moleza! - ela disse, sorrindo amplamente.
- Ótimo. Agora, vamos lá.
E lá foram eles para o banheiro, escovar os dentes.
[1] Não, mulher!
[2] Também conhecida como cerveja preta ou malta; uma lager escura que teve origem na Alemanha