Capítulo 5 Os Segredinhos de Nadja

Como compensação velada pelo que Mika havia feito, Ettel dispensou David de algumas de suas tarefas do dia. Ainda assim, David decidiu que preferia trabalhar, para manter sua mente ocupada e prevení-la de pensar nos acontecimentos desagradáveis recentes. E ele trabalhou ainda mais duro do que o habitual, como se o suor do trabalho árduo fosse lavar a tristeza de sua alma. Ele até fez com que seus irmãos deixassem suas tarefas para ele e fossem para casa bem mais cedo. Isso, é claro, fez com que David terminasse todo o trabalho mais tarde do que o normal.

Mas como ele estava trabalhando energicamente, levou apenas duas horas a mais.

Uns minutos antes de ele terminar, Ettel deu passada para ver como ele estava indo, e ficou esperando ele terminar. Enquanto isso, em casa, todos se sentaram à mesa de jantar, e Mika disse que eles esperariam Ettel e David chegarem, para que ela pudesse servir a comida. Ele chegaram em casa às 18h45.

- Já era hora! - Mika exclamou. - David, vá tomar banho. Nós vamos lhe esperar.

- Tá, mãe. Obrigado - ele respondeu, apaticamente, se virando e ligeiramente se curvando para sua mãe, e então continuou andando.

Enquanto Ettel lavava as mãos na pia da cozinha e depois se sentou no seu lugar de costume, na cabeceira da mesa, David subiu a escada correndo, indo direto para o banheiro compartilhado dos garotos. Ele havia deixado suas botas enlameadas do lado de fora, já que ninguém tinha permissão para entrar em casa com os mesmos calçados que foram usados do lado de fora, muito menos se estivessem sujos. Então, ele só precisou tirar a roupa suja, jogá-la no cesto de roupa suja e depois entrar no chuveiro. Ele se lembrou que todos estavam esperando por ele, para que finalmente pudessem comer, então eles se lavou o mais rápido que pôde.

Antes de sair do chuveiro, David pegou uma toalha, secou o corpo, se enrolou na toalha, da cintura para baixo, saiu do chuveiro, pegou outra toalha para secar o cabelo, depois saiu do banheiro e foi para o seu quarto, esfregando a toalha no cabelo.

Dentro de seu quarto, ele abriu seu closet, pegou sua melhor cueca, melhor calça, melhor camiseta, melhor camisa, melhor par de meias, melhor sapato "de dentro de casa", vestiu e calçou tudo rapidamente, penteou o cabelo para trás, com a mesma pressa, depois saiu do quarto, desceu correndo a escada e foi para a mesa de jantar.

- Boa noite, gente. Desculpa por fazer vocês esperarem, e obrigado por... - Ele parou de falar, quando viu que uma das seis cadeiras que tinham pratos na frente estava vaga. - Cadê a Nadja? - ele perguntou, se referindo à sua irmã de oito anos de idade.

Todos olharam para a cadeira onde ela deveria estar sentada. Ettel correu os dedos pelo seu cabelo loiro, penteando-o para trás, respirou fundo e bufou.

- Ela saiu da mesa sem pedir permissão! O que deu nessa menina? - Mika se queixou, em voz alta.

- Vai ver ela precisou ir fazer? Quero dizer... ir ao banheiro. E vai ver que ela esqueceu de pedir? - Johann deduziu.

- Otto, quer por favor ir atrás dela? - Ettel pediu, tentando não perder a paciência.

- Mas, pai... Eu não tenho a menor ideia de onde ela poderia estar. Aliás, eu tô com tanta fome que eu mal consigo pensar, no momento. Posso por favor ser poupado? - Otto lamuriou.

- Eu vou, no lugar dele. Eu acho que talvez eu saiba onde ela tá. Posso sair? - David se manifestou.

- Sim, sim! Vá e traga logo ela de volta, menino! Antes que a comida esfrie! E se ela se recusar a vir, diga a ela que eu mesma irei buscá-la, e ela não vai gostar! Agora ande logo!" Mika o apressou.

- Não se preocupe. Provavelmente vou levar só uns cinco minutos. - Ele respondeu e depois se retirou, em direção ao celeiro. Ele havia visto Nadja indo naquela direção, de bicicleta, nos últimos dias, perto dos horários das refeições. Foi assim que ele teve uma ideia do paradeiro dela.

Assim que ele chegou lá, ele deu uma boa olhada em volta, mas não a avistou imediatamente. Então, ele subiu a escada vertical de madeira que levava ao mezanino. Aí, ele olhou em volta novamente e finalmente localizou a pequena figura dela, abaixada em um canto inconspícuo. Enquanto David se aproximava dela, ele achou ter ouvido algo, mas ele não achou que fosse possível. Ele esperou e, uns segundos depois, ouviu novamente: um gatinho miando.

Aí, ele teve certeza de que havia um gatinho no celeiro. Mas como?

Ele continuou se aproximando dela silenciosamente, e parou quando estava a pouco mais de um metro e meio atrás dela. Estava escurecendo e as luzes ainda estavam apagadas, então ele não conseguia ver claramente o que ela estava fazendo. Ele ouviu o miado de novo, e depois um diferente.

"Tem mais de um? De onde eles saíram? Não é possível que eles tenham nascido aqui. Eu nunca vi uma gata prenha na minha vida, muito menos por estas bandas."

- Nadja, o que você tá fazendo? - ele perguntou, curiosamente, sobressaltando sua irmã, fazendo-a dar um pulo de susto e cair para o lado esquerdo. David riu. E, agora que Nadja não estava mais na frente, ele pôde ver o caixote que ela havia transformado em um ninho de gatos. E não tinha apenas dois gatinhos nele, mas sim quatro. - Minha nossa! Então esse é o motivo de você estar vindo aqui, esse tempo todo?! Esses gatinhos?!

- Por favor, não me dedura! A Mãe vai brigar comigo por horas! E se a Mãe e o Pai não quiserem eles aqui?

- Mas como foi que eles vieram parar aqui?

- Eu achei eles. Eles 'tavam dentro de um saco plástico fechado, perto do rio. Eles tavam miando bem alto, aí eu ouvi e segui o som até encontrar. Eu não podia deixar eles lá, então eu trouxe.

- Tô vendo que você tá tentando alimentar eles. Então é por isso que você tem vindo aqui por volta dos horários das refeições? Você esconde um pouco de comida e traz pra eles?

- Sim. Mas eles não querem comer. Eu pensei que fosse porque eles quase não têm dentes, aí eu tentei amassar a comida, mas ainda assim eles não comem. Eu não sei o que fazer. Eles parecem fracos. Eles devem tá morrendo de fome.

David se sentou ao lado dela e pegou os gatinhos, um por um, e os inspecionou cuidadosamente.

- Eu acho que eles são novinhos demais pra comer essas coisas, Nadja. Eles devem só umas duas semanas de vida, no máximo. Eles ainda são bebês. Com o que os bebês são alimentados?

- Leite! Eu sou tão tonta! Por que eu não pensei nisso antes? - Nadja disse, dando um tapa em sua própria cabeça.

- Tudo bem. Você tava tão preocupada com eles e com medo de ser pega que você não pensou direito. Mas eles não vão morrer, não se preocupa. Eu vou te ajudar com eles. Mas, como eu já vivo ocupado, você vai ter que prestar bastante atenção no que eu vou dizer, pra que você possa aprender a cuidar deles sozinha, quando eu não estiver. Tá bom?

- Tá bom! Eu vou prestar toda a atenção, eu prometo! - Nadja disse, tão empolgada e feliz, que estava quase chorando.

- Certo. A primeira coisa é que você tem que manter eles aquecidos. Aqui, sente eles. - Ele colocou a mão dela em cada um dos gatinhos. - Eles estão um pouco frios, não estão? A gente tem que deixar o ninho deles mais quentinho. - Ele se levantou, caminhou até um armário e pegou dois cobertores de dentro dele. - Pronto. Vamos colocar este aqui dentro do caixote, e o outro em volta, pra proteger ele do vento frio. Depois da janta, eu vou te ensinar o que fazer quando o clima esfriar.

- Tá. A gente vai alimentar eles agora?

- A gente precisa voltar pra casa, agora. Senão, a Mãe vai te castigar. A gente vai voltar aqui pra dar conta deles, depois.

- Mas eles estão com fome! Como eu vou sentar lá e comer em paz, quando eu sei que eles estão aqui morrendo de fome, completamente sozinhos?

- Eu vou ir pegar um pouco de leite, mas não posso fazer isso agora, Nadja. Vamos pra casa, agora mesmo, antes que a Mãe e o Pai fiquei mais zangados com você.

- E que desculpa eu devo dar? Eu vou ter que inventar alguma coisa.

- Não vai, não. Você não deve mentir. É muito ruim. Então, deixa que eu faço isso, tá? - David disse, se levantando e estendendo a mão para ajudar Nadja a se levantar.

- Mas não é ruim pra você, também? - Nadja perguntou, segurando a mão dele e sendo levantada até ficar de pé.

- Sim, é. Mas eu aguento. Eu sou maior.

- Isso significa que, quando eu ficar maior, eu também vou poder mentir?

David a fez andar na frente, em direção à escada.

- Não! Ainda vai ser ruim. Mentir vai sempre ter consequências ruins. Eu tô disposto a mentir no seu lugar, desta vez, pra poupar você dessas consequências; porque, como eu sou maior e mais forte, eu vou lidar melhor com elas. Entendeu?

- É, faz sentido - Nadja concluiu. - Obrigada por cuidar da gente. Quero dizer, dos gatinhos e de mim - ela disse, enquanto descia a escada.

- É pra isso que servem os irmãos mais velhos. Quando chegar a hora, aja de acordo comigo - David disse, descendo a escada logo depois de sua irmã. - Agora, olhe onde pisa!

Eles percorreram o caminho de volta para casa o mais rápido que puderam. Enquanto corriam, David tentava pensar em uma desculpa para Nadja.

            
            

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