Capítulo 6 No hospital

(DONOVAN)

- Onde ela está?

Foram as minhas primeiras palavras assim que eu o vi sentado em uma das cadeiras no corredor. Sua expressão era de pura angústia.

- Está no quarto - ele respondeu, a voz embargada.

- O que aconteceu?

- Ela se afogou. - Seus olhos profundamente azuis pareciam opacos enquanto olhavam para a parede.

Minhas mãos tremiam. Tentei manter a respiração regular e a mente focada, assim como anos de terapia haviam me ensinado a lidar com situações estressantes.

- E-ela... Está viva... Não é?

A porta perto de nós se abriu e o doutor Solloman veio até nós. Ele tinha sido o responsável pelo meu tratamento quando estava doente, e não havia palavras de gratidão o suficiente para que eu pudesse expressar o respeito e admiração que eu sentia por este homem.

O renomado médico olhou para mim e deu um sorriso morno de reconhecimento. Agora havia um problema grande para resolver. Acenei com a cabeça, para que ele pudesse nos reportar a situação.

- O estado dela é... Preocupante. Nós lhe demos medicamentos para a dor, colocamos no soro para diminuir a desnutrição e aparentemente não há líquido nos pulmões.

Gavin cruzou os braços, ouvindo atentamente. Apreensivo, pus as mãos nos bolsos.

- Como você disse, senhor Gavin, ela provavelmente tem um histórico antigo de automutilação. Aplicamos antissépticos nos cortes mais recentes para evitar infecção, e assim como todos os andares desse hospital, ela está sendo filmada. Caso acorde e tente fazer algo contra a própria vida, temos profissionais para contê-la.

- Ela vai se recuperar? - perguntei.

- Os ferimentos não são graves, e agora ela não corre risco de vida mesmo depois de tentar se afogar. - Ele fez uma pausa, os olhos castanhos e as rugas de preocupação expressavam totalmente seus pensamentos. - Mas esses sintomas são muito graves. Não posso fazer um diagnóstico preciso, mas é evidente que ela pode ter depressão. Eu aconselho fortemente que procurem pela família dela e que digam o quão é imprescindível que ela receba apoio e faça terapia intensiva.

- Sobre isso, doutor Solloman - disse Gavin. - Nós não sabemos quem ela é.

- Como assim?

- Nós a salvamos ontem na praia. Ela estava prestes a se jogar no mar. Achamos que seria mais seguro se ela permanecesse conosco tempo o suficiente para se recuperar, dizer quem é e com quem podemos falar para que a encontrem. Mas ela não diz nada.

- Ela se recusa a falar?

- Na verdade, ela simplesmente não fala. - Gavin faz uma expressão de dor enquanto olha para o lado, provavelmente se lembrando de algo. - Ela entende perfeitamente o que digo, mas simplesmente não responde.

Olho chocado para Gavin. Ele não havia me contado nada daquilo. Bom, também não houvera tempo. Resolvo deixar para lá.

- O que acha que pode ter causado isso? - pergunto a Solloman.

- Como eu disse, não posso fazer um diagnóstico tão rápido, com poucas informações. Essas coisas levam tempo para serem devidamente rotuladas e medicadas. Se eu pudesse dizer algo previamente, no entanto, e que pode ser descartado no futuro, para deixar bem claro, é que talvez essa perda da fala seja por um evento traumático.

- Tentar se jogar de uma altura muito alta parece bem traumático - murmurou Gavin.

- Na verdade eu digo antes disso. O que a levou a sequer cogitar essa possibilidade? Pessoas não pensam em morrer dessa forma tão corriqueira. Não existe nenhuma pessoa que tentou se suicidar que não resistiu fortemente a ideia por um tempo. Um grande choque ou vários deles, no entanto, podem desestabilizar a mente o suficiente para que, ham... Essa proteção, essa preservação seja anulada.

Ficamos em silêncio. Gavin olha para mim em busca de respostas que eu não posso dar a ele.

Ele está me perguntando se essa proteção perdida pode ser recuperada.

Felizmente, o doutor Solloman põe em palavras exatamente o que eu estava pensando:

- Cada pessoa tem sua singularidade. Alguns podem se recuperar mais rápido que outros, e tudo isso depende de muitos fatores. Não existe uma regra. Essa moça tentou se matar duas vezes em menos de vinte e quatro horas, o que é bastante grave. A longo prazo isso pode ser resolvido, mas a curto prazo temos poucas opções. A primeira é vigilância constante, o que podemos fazer enquanto ela estiver sob nossos cuidados.

- E a segunda? - pergunto.

- A segunda é ambientar a reabilitação. Com isso quero dizer evitar gatilhos óbvios, como ler ou ver filmes que retratem sobre morte explícita e conversar sobre de forma irresponsável; também se livrar de lâminas, cordas e coisas assim.

- Mas como vamos falar com ela sobre essas coisas se não podemos mencionar os desejos suicidas? - Gavin parece ligeiramente exasperado.

- O senhor entendeu errado. Me desculpe, devo ter me expressado da forma incorreta. Eu quero dizer que é preciso ser delicado na hora da abordagem. Por exemplo, ao invés de perguntar "Porque você resolveu se jogar no mar?", tente dizer "Sei que possui problemas e eu quero ajudá-la. Quer conversar sobre isso?".

- Foi o que eu fiz com o Donovan - ele disse baixinho, olhando pra mim novamente e voltando para o doutor Solloman. - Então acho que posso fazer isso.

- Então, por enquanto, vocês são os responsáveis por ela, não é?

- Somos - respondemos juntos.

- Acredito que não há problema nisso, salvo de que mais tarde precisaremos de mais dados sobre ela. Quanto mais tempo permanecer como anônima, mais problemas podemos ter futuramente.

- Como o quê, por exemplo? - quero saber.

- Todas as pessoas internadas aqui possuem uma ficha conhecida pela maioria dos médicos. Muitos já sabem que essa moça foi trazida pelo senhor Gavin, que é muito popular aqui dentro, e isso pode despertar... Fofocas. Sei que não é da minha conta, mas coisas como nome e idade são muito importantes.

- Nós faremos o que for necessário para evitar situações ruins.

- E nós faremos o que for necessário pela saúde e bem-estar dela. Ela está acordada, agora. Vou deixar que a vejam por alguns minutos. Preciso falar com os enfermeiros sobre os próximos horários dos medicamentos.

Nós nos despedimos do grisalho e respeitado clínico geral e psicoterapeuta, que caminha para longe de nós. Então eu e Gavin nos entreolhamos, angustiados e emudecidos.

Dou um passo a frente e abro a porta sem bater.

            
            

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