RETORNO AO PARAÍSO
img img RETORNO AO PARAÍSO img Capítulo 9 ERA UMA VEZ... EM LONDRES - PARTE 2
9
img
  /  1
img

Capítulo 9 ERA UMA VEZ... EM LONDRES - PARTE 2

ERA UMA VEZ... EM LONDRES?

PARTE 2

CASA BRANCA

Quando Leonardo volta de Campinas com Jorge e fica sabendo onde o filho está, por Magda, fica muito nervoso.

- Quem aquele velho pensa que é? Tirar meu filho daqui a força!

- Isso é impressionante, diz Jorge. - Como ele conseguiu isso?

- Não houve tempo suficiente pro Wagner dizer tudo ao telefone, responde Magda. - Mas acho que nem ele mesmo sabia direito como.

- Ele tem dinheiro e acha que pode fazer o que der na telha, é isso. Manipular a vida das pessoas. Eu já estava muito satisfeito sabendo que ele estava lá bem longe de nós. Que é que ele quer de mim agora? A neta dele está morta há vinte anos. Ele quer me fazer perder a cabeça a troco de que agora?

- Calma, Leonardo. O importante é que o Wagner está bem, Bárbara diz.

- Não tenho muita certeza disso, Bárbara. Esse velho é capaz de tudo.

- O que ele poderia fazer de tão ruim ao próprio bisneto?

- Eu não sei. E não vou esperar pra ficar sabendo. Eu vou até lá.

- Não há necessidade disso, homem, se o próprio Wagner disse que está bem... – Jorge diz tentando acalmar o amigo.

Leonardo não responde. Sobe nervoso e Magda o segue. Jorge se senta.

- Se ele soubesse o que o filho fez, não estaria tão apreensivo por ele.

- Por favor, Jorge, não comece com isso, Bárbara diz, sentando-se a seu lado. – Aqui não.

- Tão diferente do irmão... Cláudio nunca faria uma safadeza desse tipo.

- Ninguém tem certeza de nada ainda, ela continua. – Mônica não confirmou nada. Nem você nem o Jairo podem acusar o garoto de nada sem provas.

- E quem poderia ter sido, Bárbara? Ele a levou pra tal festinha.

- Mas havia mais rapazes com ela. Ele não era o único.

- Então por que Mônica não quer dizer o nome? Se fosse qualquer outro ela não teria motivo pra esconder. Nenhum deles teria nada a perder, mas ele é filho do sogro da sua filha, que inclusive ele detesta. Ela está com medo de envolver Leonardo e Cláudio num escândalo.

- Isso não faz sentido nenhum.

- Além de tudo esse rapaz sempre me pareceu um desmiolado. Além de não fazer nada na vida, vive às custas do pai...

- A culpa dele agora é por ser rico, tem graça isso?

- E foi logo escolher minha sobrinha pra aprontar as dele. Jairo tem razão de sentir vontade de lhe dar uma lição. Se não fosse a amizade que eu tenho por Leonardo, eu mesmo daria uma surra nele...

- E graças a Deus ele não está aqui. Acho que vocês estão fazendo tempestade num copo d'água. Um filho não é um problema. Mônica está grávida, mas isso não vai matá-la. Desde o começo do mundo é assim.

- Você já se acostumou de tanto ver mães solteiras deixando filhos recém-nascidos no seu orfanato. Pra você isso é normal.

- Claro que não é normal, mas se formos pensar na Mônica e no Wagner, ela é solteira, ele também. Casamos dos dois e teremos a repetição de Cláudio e Tânia. Que problema há nisso?

- Você está sendo muito simplista, Bárbara. São duas crianças.

- Ele é mais velho que Cláudio quando se casou. Você está complicando demais, Jorge.

- Cláudio era maduro demais aos dezoito anos. Wagner não sabe fazer outra coisa a não ser participar de todas as festinhas que acontecem na cidade, andar de moto e passar a noite na rua.

- Ele já sabe que vai ser pai?

- Eu sei lá! Mas eu gostaria que; antes de saber; ele levasse uma boa surra do Jairo. Eu imagino como deve estar sendo difícil pro meu irmão encarar esse problema. Qualquer problema que envolva Mônica é uma tragédia elevada ao triplo pra ele. Ele não suporta vê-la sofrer.

- Ela disse que está sofrendo?

Jorge não responde.

- Acho que não. A Mônica que eu conheço é mais forte do que vocês pensam. E lhe digo mais, ela não foi seduzida. Muito pelo contrário, me atrevo a dizer que talvez até ela tenha provocado isso pra sair dessa redoma de vidro onde o Jairo a colocou desde que a Lorena o deixou. Ela sabe o que está fazendo.

- Chega, Bárbara. Eu não quero mais ouvir você dizer nada. Nunca te ouvi dizer tanta sandice junta.

- Você e o seu irmão são dois quadrados. Você, eu ainda entendo, não está muito em contato com esse tipo de situação, mas o Jairo está, todos os dias, ouvindo histórias de mães solteiras no hospital dele. O caso de Mônica nem se encaixa em nenhum desses casos. Ela é moça bem nascida, o Wagner também. Mesmo que eles não se casem, não haverá nada no mundo que impeça essa criança de ter um lar decente, com todo conforto que ela merece e um futuro lindo.

- Mas nunca mais vai ser a mesma coisa entre as duas famílias. Meu irmão não vai perdoar o Wagner nunca e eu lhe dou razão.

- Repito: vocês são dois quadrados. Quem já está cheia disso sou eu. Vou ajudar Matilde no jantar.

- Cuidado pra não deixar cair as bobagens que tem na sua cabeça dentro das panelas.

- Se cair, eu faço questão de que você coma. Pode ficar um pouco mais atualizado com as coisas do mundo moderno e convencer seu irmão de que ser avô aos trinta e cinco anos não é nenhuma tragédia. É uma bênção.

Ela lhe mostra a língua e vai para a cozinha ajudar Matilde.

Nenhum dos dois imagina que um ouvidinho muito agudo estaria ouvindo com muita atenção toda essa conversa, do lado de fora da janela da sala.

Diana, ao ouvir tudo aquilo, sai correndo dali e vai sentar-se ao pé de uma árvore à beira da alameda, com as ideias borbulhando em sua cabeça.

O dia começa a morrer.

Cláudio vai com Mônica até o Orfanato do Desterro, comunicar as irmãs de caridade sobre o encontro de Wagner, o que deixa a todas muito felizes. Os dois passam alguns minutos ali com as crianças e em seguida ele a deixa na porta do hospital Santa Mônica.

- Você não vai entrar? - ela pergunta.

- Não, agora não. Eu preciso mesmo passar na Santa Casa. O Renato deve estar precisando de ajuda e eu ainda tenho que passar em casa e vou voltar pra fazenda. Diz pra todo mundo aí que está tudo bem e dá um abraço no seu pai. Eu sei que ele não ficou muito em Quatro Estrelas porque está difícil pra ele conversar com meu pai depois... de tudo que aconteceu. Eu preciso agradecer a ele por ter sido tão generoso não tocando no assunto.

- Eu também preciso falar com ele. Vai ficar tudo bem.

- Obrigado... por tudo. Até amanhã.

- Obrigada pela carona. Tchau.

Eles se olham por alguns instantes e ela sai do carro.

Na Santa Casa, Cláudio atualiza a todos sobre o encontro de Wagner e agradece a Renato por tê-lo ajudado com seus pacientes. Vai até sua casa, toma um banho e troca de roupa. Apanha as roupas que Tânia pediu, coloca tudo em uma mochila e volta para a fazenda quase ao anoitecer.

Quando o carro dele entra nos portões da propriedade ele vê Diana sentada ao pé de uma árvore. Para o carro, abre o vidro e chama:

- Diana! O que você está fazendo aí? Já está escuro, pirralha. Entra no carro.

Ela olha para ele com o semblante fechado, mas não se move. Cláudio estranha aquela atitude, mas insiste:

- Vai querer que eu desça do carro pra te trazer no colo? Eu posso até fazer isso, mas você não vai gostar das consequências. Entra nesse carro, já.

Ela se levanta lentamente e se aproxima do veículo, entrando nele. Senta-se no banco, fecha a porta e coloca o cinto de segurança, depois une as mãos no colo ainda com o rosto sério e a cabeça baixa. O carro é posto em movimento.

- O que foi? Bronca de novo? - ele pergunta.

Ela não responde. Continua calada e olha para o lado direito da alameda.

- Eu fiz uma pergunta, mocinha. O que aconteceu?

- Nada.

- E está aqui fora por quê? O sereno pode te fazer mal, já te disse isso várias vezes.

- Já estou acostumada.

- Ah, é, me esqueci que você é um bicho do mato. Quando é que você vai criar jeito de gente? De moça, mais precisamente. Já está mais que na hora. Você não é mais criança.

Ela não responde e continua séria. Cláudio estranha ainda mais. Pergunta a sério agora.

- Algum problema, Didi?

- Não, já disse.

- Então por que essa cara de peão que perdeu boi no pasto, como diz o papai?

- Só tenho essa cara.

- Não seja mal criada!

- Então não enche! - ela se exalta, cruzando os braços e emburrando mais ainda.

Cláudio para o carro.

- Ei, isso parece bronca comigo. O que foi que eu fiz, maninha? Você parece estar com raiva de mim.

- Não estou.

- Então me diz o que é. Eu nunca te ouvi responder assim pra mim. Já te vi nervosa desse jeito com o Wagner, mas comigo você nunca falou assim.

- Eu prometi pra você que não falaria a ninguém lá em casa que o Wagner tinha passado a noite fora de casa na farra...

- E...? Você falou?

- Não, porque eu pensei que fosse segredo por coisa boba só. Que não tivesse havido nada de errado.

- E não houve...

- Mas...

- Mas o quê?

- Você não briga comigo?

- Brigar por quê? O que foi que você fez, Diana?

- Eu estava sentada no alpendre debaixo da janela grande da sala lá de casa e ouvi...

- Ouviu...?

- Ouvi o seo Jorge e a dona Bárbara conversando e eles disseram uma porção de coisas e no meio de tudo eu ouvi eles comentando... que a Mônica está grávida e que o bebê dela é do Wagner.

Diana fecha os olhos esperando a bronca. Cláudio encosta-se ao banco do carro e fica olhando para a alameda diante dele, tentando achar palavras para explicar para a irmã o que ela acabou de descobrir. Como ele não diz nada, ela abre os olhos e olha para ele.

- Você sabia disso, não? Eu estou cansada de esconder as coisas que ele faz e quando eu faço uma coisinha assim, ninguém perdoa o que eu faço. Por que é que gente grande pode tudo e...

- O que mais você ouviu?

- Ah, que o doutor Jairo está querendo bater no Wagner pelo que ele fez pra filha dele e que eles só não disseram nada pro papai, porque ele já estava nervoso com o sumiço dele, mas que o pai da Mônica ainda está bem zangado. Aí, dona Bárbara até deu a ideia dos dois se casarem pro bebê não ficar sem pai... Olha, eu não sou boba, viu? Você mesmo falou agora que eu não sou mais criança. Eu já cresci. Nem você nem o Wagner me enganam mais e eu não vou mais deixar que o papai seja enganado por ele. Nem que você peça.

- Você está certa...

Diana olha para ele surpresa. Imaginava que o irmão fosse tentar convencê-la do contrário.

- Estou?

- Está, mas... de que vai adiantar você contar tudo pro papai?

- Não sei, ele vai ficar sabendo de tudo do mesmo jeito depois. Não vai ser pior?

- Diana, isso é assunto de adulto. É um assunto que o Wagner te que discutir com o papai. Nem eu posso me meter nisso. E tem mais, você sabe se a Mônica quer que o papai fique sabendo?

- O pai dela já sabe...

- Mas o pai do Wagner não. Se ela tivesse que contar, já teria contado. Talvez ela não queira complicar a vida do Wagner. Você quer?

- Eles vão ter que se casar mesmo, não vão?

- Você quer complicar a vida do nosso irmão?

Ela pensa um pouco, como sempre faz quando tem uma decisão importante a tomar, principalmente em relação a Wagner e responde que não, balançando a cabeça.

- Então que tal se a gente ficasse de fora? Deixe que eles resolvam isso quando o Wagner voltar.

- Ele vai ter que casar com ela, não vai?

- Eu não sei.

- Tem que casar, senão o nenê fica sem pai, como aquelas crianças do orfanato da dona Bárbara.

- Isso também vai ser resolvido depois. Agora vamos pra casa que já está ficando bem escuro e a mamãe deve estar doida atrás de você.

Ele coloca o carro em movimento.

- Cláudio!

- Oi.

- O bebê do Wagner vai ser meu primo ou meu sobrinho?

Cláudio consegue rir, apesar de bem preocupado.

- Ah, Diana, você tem muito que conversar com a sua professora.

Quando eles entram na sala da casa grande Magda está com Elis no colo procurando por Diana.

- Graças a Deus, Diana, onde você estava? Eu já ia mandar o Chico procurar por você, filha.

- Ela estava admirando as estrelas lá fora - diz Cláudio, beijando a madrasta no rosto, pegando Elis nos braços e enchendo seu rosto de beijos.

- Fala, gostosa. Nossa! Como você está cheirosa!

- Acabou de tomar banho, diz Magda. - Vá se lavar também, filha. O jantar vai ser servido mais tarde por sua causa. Que bom que você chegou, Cláudio. Seu pai não está bem.

- Que é que o papai tem? - Diana pergunta.

- Vá se lavar, Diana, Magda insiste.

- Por que eu sempre tenho que...

- Você não ouviu, moça? - Cláudio diz sério.

A garota olha para ele e para a mãe e sobe correndo.

- Ela ouve você mais do que a mim, Magda diz.

Cláudio coloca a mochila que trouxe de casa sobre o sofá e pergunta:

- O que é que o papai tem?

- Vamos subir juntos. Desde que ele soube que o Wagner está em Londres, ele ficou muito nervoso e quis ir para Londres hoje mesmo para trazê-lo de volta.

- Eu esperava uma reação assim. E...?

- Eu não sabia o que fazer para segurá-lo. Depois de muita conversa e discussão, ameacei me separar dele e ir embora daqui com minhas filhas se ele não desistisse dessa sandice.

- Você ameaçou se separar do meu pai?

- Eu não tinha outra coisa pra dizer, mas funcionou. Ele se acalmou e desistiu. Está lá no quarto e diz que está morrendo de dor de cabeça

Cláudio ri e lhe beija a testa.

- Se você tinha dúvidas de que ele te ama...

- Seu pai fica insuportável quando o assunto é vocês. Não sei se ele me ama, mas por vocês ele daria a vida e jogaria dinheiro pela janela. Fazer uma viagem ao exterior por um capricho? Depois de eu ter dito que o filho estava bem na casa do bisavô.

- Vamos ver o que tem minha criança grande.

Ele coloca Elis no chão e ela corre para a cozinha.

- Por que será que criança tem que fazer tudo correndo?

- É uma boa pergunta, Magda diz, sorrindo.

Os dois sobem juntos ao quarto do casal e Leonardo está deitado na cama de olhos fechados. Cláudio se aproxima e senta-se na cama, colocando as costas da mão na testa do pai, verifica que ele não tem febre. Magda fica na porta observando tudo. Ao sentir-se tocado, Leonardo abre os olhos e quando vê o filho, se senta na cama, encostando as costas na cabeceira.

- O que você está sentindo? - Cláudio pergunta.

- Uma dor de cabeça imensa...

Leonardo olha para a mulher pelo rabo de olho e ela olha para ele também com um leve sorriso.

- Aquele velho levou meu filho daqui, Cláudio.

- Mas ele aparentemente está bem. Eu ouvi isso da boca dele mesmo.

- Foi o que eu disse a ele, diz Magda. – Bem, o jantar vai ser servido daqui a pouco. Você vai descer pra jantar ou quer que eu faça um prato e traga aqui depois?

- Não estou com fome, Leonardo responde secamente.

- Ok, eu trago um prato aqui. Cláudio, depois de examinar esse bebê, desça e venha jantar também. A Tânia já está lá embaixo.

- Eu desço já, Magda.

Ela sai do quarto e Cláudio vai trancar a porta. Pega a valise pra examinar o pai e Leonardo diz:

- Eu não tenho nada. Não preciso de médico. Preciso do meu filho aqui de volta.

Cláudio não dá atenção a ele. Faz um pequeno exame geral, aferindo a pressão de Leonardo e auscultando seu coração e se certificando que ele está bem. Depois, senta-se na cama ao lado do pai e diz:

- Sua pressão está um pouquinho acima do normal. Cuidado, você não tem mais vinte anos.

- Aquele velho é que já devia ter ido conversar com Deus. Eu estou bem.

- Do que você tem medo?

- Eu não confio naquele homem, Cláudio. E o Wagner não sabe nada a respeito dele e do que ele é capaz. Pode se deixar levar pelas coisas que ele disser.

- Que coisas? Além das que eu já sei, não há nenhuma outra que ponha em risco a ideia que o Wagner tem de você. Eu estive pensando muito nisso desde que fiquei sabendo que ele estava lá e por que Mr. Russel teria levado ele daqui. Também fiquei com medo de como Wagner receberia tanta informação nova, tudo que o bisavô pudesse dizer a ele, mas depois... será que vai mudar alguma coisa se ele souber que a mãe morreu... por sua causa, por exemplo?

Leonardo se sobressalta e olha para o filho com espanto.

- Calma, eu só deduzi que é mais ou menos isso que ele vai dizer pro Wagner. É a coisa mais grave que ele tem pra contar dessa história toda. É mais do que óbvio que ele só vai contar a versão dele. Não vai dizer como a neta era realmente e o que ela fez antes de morrer, concorda? Ele só vai querer jogar o Wagner contra você.

- E você acha que isso é pouco? Eu não quero ter meu filho contra mim.

- Pai, o Wagner não vai ficar contra você. Ele conhece você mais do que conhece o bisavô. É claro que ele vai ficar do seu lado. Eu tenho certeza disso.

- De qualquer maneira, eu preferia que ele estivesse aqui comigo.

- Você não acha melhor esperar, pra ver no que vai dar?

- Não. Wagner tem que estar de volta a essa casa o mais rápido possível.

Leonardo se levanta e anda pelo quarto, nervoso, e completa:

- E se você não quiser ir buscá-lo para mim, eu mesmo vou.

- Correndo o risco de ficar sem suas filhas e a Magda?

Leonardo para e pensa.

- É... ainda tem isso. Não sei de onde ela tirou essa agora.

- Você não precisa fazer isso, pai.

- Eu não posso deixar que esse homem use meu filho contra mim, Cláudio. A neta dele já está morta há vinte anos e, depois de tanto tempo, eu tenho certeza de que ele vai fazer tudo pra acabar com a minha tranquilidade.

- Muito bem, suponhamos que você vá até Londres, traga o Wagner de volta e tudo termine bem. Você não acha que a cabeça dele vai ficar mais confusa ainda e que vão surgir perguntas que você não vai querer nem poder responder? Como por exemplo: por que o velho te odeia tanto? Isso nem pra mim você disse.

- E nem vou dizer.

- Nem faço questão de saber, já não faz diferença pra mim. De certa forma, eu não tenho nada a ver com isso. Mas o Wagner não é do tipo que se acomoda numa situação. Ele vai querer saber "tim tim" por "tim tim" de tudo que aconteceu. Principalmente depois de ele ter sido levado daqui à força pra lá e ter sido trazido de volta pra cá à força também. E pelo que ele me disse no telefone, ele está se divertindo muito. Ele vai querer saber por que você não o quer lá.

Leonardo se senta na cama de novo.

- Então você acha que eu devo deixá-lo lá.

- Exatamente. O Wagner é desligado, mas não é burro. Confie na educação que você deu a ele. Ele confia em você e no que foi construído em torno dele nesses vinte anos.

- Está bem, mas eu não vou descansar enquanto não o vir aqui de novo.

- Não se preocupe. Eu acho que ele vai aprontar tanto lá pro Mr. Russel que ele mesmo vai querer mandá-lo de volta mais cedo do que você pensa.

Leonardo ri e coloca a mão no ombro do filho.

- E a dor de cabeça? - Cláudio pergunta.

- Você tem o dom de me curar só com palavras. Já passou.

- Era frescura. Não existia dor de cabeça. Você inventou. Vai descer pra jantar?

- Vamos. O Jorge está aí ainda?

- Acho que sim.

- Não posso fazer desfeita pro meu amigo.

Os dois descem. Durante o jantar, Jorge pergunta:

- Está mais calmo, Leonardo? Se convenceu de que seu garoto está bem?

- Eu tenho um filho de bom senso que consegue me tirar desses perrengues quando a minha cabeça não consegue pensar direito, ele diz, olhando para Cláudio.

- Se não fosse o Cláudio, esse maluco ia pegar a estrada e ir a Londres de bicicleta, diz Jorge.

- Não exagera, Jorge, diz Leonardo.

- É ou não é, Magda?

- O mérito não é meu, é dela mesmo. Ela já tinha domado a fera quando eu cheguei, fala Cláudio.

- Isso é verdade, diz Bárbara. – E se fosse seu filho, Jorge, você faria a mesma coisa.

- Definitivamente hoje você está contra mim, hein, mulher! Em lugar de me ajudar... É claro que se fosse uma situação realmente perigosa, eu faria o mesmo, mas esse não era o caso. O garoto está vivendo as mil e uma noites.

- Mil e uma noites que eu venho pedindo há vinte anos, Bárbara diz, sem tirar os olhos do prato.

- Depois que o nosso neto nascer, eu prometo a você que elas vão se realizar.

Bárbara ergue rosto com os olhos brilhando.

- Isso é sério?

- Eu venho planejando isso desde que Cláudio terminou a faculdade, que foi o prazo que ele deu pra isso acontecer e agora chegou o momento. Pare de resmungar isso no meu ouvido.

Bárbara dá um beijo no rosto do marido.

- Eu te amo, querido.

- Esse beijo quem merece é o Cláudio, diz Jorge. - É ele quem vai nos dar o neto, através da Tânia, lógico.

Bárbara joga um beijo em direção ao casal que está sentado imediatamente à frente deles e Cláudio pergunta:

- Quer dizer que a culpa dessa segunda lua de mel atrasada é minha?

- Mas já está perdoado, meu amor. Depois dessa novidade do meu marido, você merece o mundo inteiro.

- Mas vocês não precisam esperar ele nascer, fala Tânia. - Aproveitem agora a época de festas.

- Não ponha lenha na fogueira, filha, Jorge pede. - Época de festas é a mais corrida no jornal. Em julho do ano que vem já está bom.

- Pra mim está perfeito. Vou ter tempo pra me organizar, diz Bárbara. – Em época de Natal é bem difícil viajar. As minhas crianças precisam de mim.

- As suas crianças precisam de você sempre, Bárbara, diz Magda.

- Mas eu terei tempo de colocar alguém de confiança no meu lugar. Vai dar tudo certo.

- Mas, mudando de assunto, Jorge, eu senti o Jairo tão calado, triste mesmo. Saiu daqui quase sem se despedir da gente. Ele está passando por algum problema?

Jorge olha ligeiramente para Cláudio e novamente para Leonardo e mal consegue responder. Bárbara se antecipa:

- Trabalho... muito trabalho. Ele tem virado madrugadas no hospital, anda dormindo pouco e não anda se alimentando muito bem, Leonardo.

- Nem ele nem a filha, diz Tânia. - Ela até anda sentindo uns enjoos estranhos... A gente até chegou a pensar que ela estivesse com alguma complicação estomacal.

Cláudio olha para ela e franze a testa. Tânia sabe que está sendo observada por ele, mas sorri.

- A Mônica está doente? - Leonardo pergunta.

- Não! - Bárbara toma a frente de novo. - É a alimentação... Esses jovens não se alimentam direito, só comem besteira e ela anda estudando demais e comendo na hora errada e ainda mais trabalhando com o pai, você sabe...

- Eu gosto muito dessa menina. Ela me parece uma garota muito responsável. Diferente da maioria dos jovens de hoje em dia. Se minha Diana e minha Elis chegarem perto do que ela é, eu vou me dar por muito satisfeito.

- É, a Mônica é uma menina muito especial mesmo, Tânia concorda. - Além de ser a menina dos olhos do pai. Tio Jairo é capaz de matar quem magoá-la de qualquer jeito. Ela não consegue nem ter um namorado. Ele é muito ciumento. Acho que ela vai demorar a casar.

- Eu não penso assim, diz Magda. – A Mônica é uma boneca. Tenho certeza que ela vai arranjar um bom rapaz no tempo certo. Acho que é esse o cuidado que o Jairo tem.

Vendo que a conversa está tomando um rumo perigoso, Bárbara sugere:

- Só que já está ficando tarde e nós temos que ir, não é, Jorge?

- Vocês poderiam passar a noite aqui, convida Leonardo.

- Não, Jorge diz, levantando-se. – Magda, estava tudo uma delícia, agradeça a Matilde por tudo, mas amanhã é dia de batente e eu tenho muito trabalho no jornal. Tenho inclusive que informar a cidade sobre o reaparecimento do Wagner. Está todo mundo muito preocupado e a nossa obrigação é tranquilizar o povo de Casa Branca.

- Se você puder me fazer o favor de só dizer que ele foi encontrado e está bem, sem entrar em detalhes do lugar, eu agradeceria, Jorge, diz Cláudio.

- Concordo com meu filho, Jorge. Isso é assunto de família e nós não gostaríamos que fosse a público. Muito pouca gente em Casa Branca sabe que eu tive família na Europa. Os que sabem já têm mais de cinquenta anos e não vale a pena que mais ninguém saiba.

- Pode deixar. Serei cauteloso com as palavras. Eu sei como contornar grandes escândalos.

- Mas isso não é um escândalo, diz Cláudio.

- Pro velho leopardo aí, é, diz ele rindo e batendo no ombro do amigo. - Me acompanham até lá fora? Vem, filhinha? Boa noite, Cláudio!

- Boa noite, Jorge. Obrigado, por tudo.

Ele aperta a mão do genro e sai com Bárbara, acompanhado por Tânia e Leonardo que vão levá-los até o carro.

Cláudio fica na mesa com Diana que se delicia com um pedaço da torta de maçã feita por Matilde. Ele fica olhando para ela, mas seu pensamento está com a mulher. Imaginando o que aconteceria se Leonardo tivesse percebido o que ela tentou jogar no ar a respeito de Mônica. Se Bárbara não tivesse jogo de cintura para contornar a situação, tudo estaria perdido. Ela quase pôs tudo a perder por pura maldade.

Diana percebe o olhar distante do irmão e pergunta:

- O que foi? Quer um pedaço?

Ele sorri e balança a cabeça negando.

- Não, não quero é que você coma demais. Você vai dormir daqui a pouco e estômago cheio não dá bons sonhos a ninguém.

- Mas está tão bom... Não quer mesmo?

- Já disse que não.

- A Tânia não gosta mesmo do Wagner e acho que nem da prima dela. Ela quase falou bobagem na mesa, ela diz em voz baixa, sem olhar para ele, olhando sempre para a torta.

- Do que você está falando, Diana? - ele pergunta no mesmo tom de voz.

- Até eu sei que mulher grávida tem enjoo. A mamãe explicou isso pra mim, quando estava esperando a Elis. Ela vivia colocando tudo pra fora. Ainda bem que o papai não percebeu o que a Tânia quis dizer.

- Eu te pedi pra não falar sobre isso aqui dentro.

- Eu estou falando só com você e bem baixinho.

- Nem comigo e em altura nenhuma.

Ela enche a boca de torta e mastiga bem devagar. Cláudio ri.

- Você não é gente.

Diana termina de mastigar, limpa a boca com um guardanapo, se levanta e dá a volta na mesa, indo sentar-se no colo do irmão.

- Vai me dizer boa noite hoje?

- Posso dizer agora: boa noite, ele brinca.

- Não, lá no meu quarto, você entendeu.

- Vou, depois de você escovar os dentes e lavar esse rosto sujo de torta.

- Oba! Não sai daqui. Eu me troco num instantinho.

Ela vai sair correndo, mas ele a segura.

- O seu quarto não saiu da casa. Não precisa correr subindo as escadas.

Antes que ele tenha terminado de dizer isso, ela já está subindo as escadas de dois em dois degraus.

- Moleque! - Cláudio ralha, balançando a cabeça.

Matilde vem da cozinha e começa a tirar a mesa.

- Quer um cafezinho, doutor? Um pedaço de torta?

- Não, obrigado, Matilde. A única coisa que eu quero e que você não faz pra mim é parar de me chamar de doutor.

- O senhor é doutor. É um título tão bonito.

- Mas quando você veio trabalhar aqui, eu não era nem médico ainda.

- Mas já sonhava com isso, não é? Não consigo ver o senhor sem pensar nisso. Pra mim esse título já nasceu com o senhor.

- Não dá nem pra tirar o senhor?

- Vem junto com o título, ela diz, sorrindo timidamente.

- Tudo bem, mês que vem eu tento de novo, ele diz, sorrindo também.

Diana aparece no topo da escada minutos depois e o chama:

- Estou pronta!

Cláudio sobe e vai com a irmã até seu quarto. Ela se joga na cama debaixo das cobertas e ele a ajuda a se agasalhar, depois lhe beija a testa.

- Boa noite, pirralha.

- Ah, não vai ainda. Eu me lembro sempre de quando você ficava um tempo conversando comigo quando eu era pequena. Era tão gostoso.

- Faz tanto tempo. Você não tinha nem cinco anos e ainda se lembra disso?

- Claro! Já contei todas as estórias que você me contava pras minhas colegas. O teu casamento é que atrapalhou tudo. Você se mudou daqui...

- Vou te contar um segredo: eu sinto muita falta disso também.

- Eu falei sobre isso com a mamãe outro dia e ela disse que um dia eu também vou embora e vou deixar ela...

- Deixá-la...

- É, deixá-la sozinha. Mas não é a mesma coisa. Eu não sou irmã dela, sou filha.

- Talvez seja até pior, Diana. Ela é sua mãe. As mães se ligam muito mais aos filhos do que um irmão a outro. Não dá nem pra comparar.

- Mas eu não falo pra ela o que falo pra você.

- Pois devia falar. Ela tem muito pra te dizer e te ensinar, dependendo do que você disser. Mais do que eu.

- Mas ela está sempre ocupada com a Elisinha. Não tem tempo pra mim.

- Claro que tem. Você é que nunca a procura. Virou um bicho do mato. Só fica correndo pela fazenda o dia inteiro como um moleque. Eu sei que é gostoso. Eu e o Wagner fazíamos muito isso também, mas de vez em quando você pode parar um pouquinho e dar uma chance a ela de bater um papo mais demorado com você. Se você não faz isso, claro que ela vai se ligar mais na Elisinha. Ela está sempre dentro de casa e perto da mamãe.

- Ela não tem perna comprida pra correr comigo ainda.

- Aí é que está. Você tem e essa perna comprida vai acabar te levando pra longe da sua mãe.

- Como é que você sabe de tudo isso, se você não teve mãe?

- Que pergunta mais besta, Diana. Claro que eu tive mãe. Você acha que eu nasci como? Caí do céu no pasto da fazenda?

- Não foi? - ela pergunta, brincando e rindo em seguida.

- Você é tão boba, ele diz, fazendo-lhe cócegas e rindo também. – Eu estou falando sério. Eu não tive mãe presente como você, mas tive e tenho um pai que me ama e é meu amigo, como sua mãe é sua amiga.

- Homem com homem, mulher com mulher.

- Não tão definitivo como você está falando, mas é mais ou menos isso.

- Mas então por que os homens se casam com as mulheres?

Cláudio começa a rir de novo.

- Ah, Diana Cristina, toma jeito. Que pergunta! Às vezes você me surpreende. Você não disse que já cresceu? Que não é mais criancinha? Isso é pergunta de criancinha.

- Eu sei pra que é só não entendo por quê. Se os homens se entendem melhor com os homens e as mulheres com as mulheres, por que é que eles não podem se casar?

- Porque o mundo pararia, Didi. Não haveria mais crianças. Os novos ficariam velhos, os velhos morreriam e tudo acabaria.

- Ah, é! Que burra eu sou.

- Não é burra. Só fala mais rápido do que pensa.

Ela fica pensativa por um instante, brincando com os botões da camisa dele.

- Eu não quero crescer mais não...

- Por quê? Que novidade é essa agora? Vai virar Peter Pan?

- Deve ser chato fazer comida, arrumar casa, não poder brincar com as minhas bonecas... A mamãe disse que quando eu nasci eu era a boneca dela. Depois a Elis nasceu e eram duas bonecas. Mas as minhas bonecas não precisam tomar banho, não precisam comer, não ficam doentes, não sujam a fralda, não fazem manha... São só pra brincar.

- Você ainda vai mudar de ideia, graças a Deus.

- Vou nada.

- Quando você tiver a sua boneca de verdade você vai se lembrar desse pensamento e vai rir muito e eu espero estar vivo pra rir com você e de você.

- Eu vou ter uma?

- Bem, pelo menos eu quero ter muitos sobrinhos de olhos bem verdes como os seus.

- Ah, você respondeu minha pergunta sem querer.

- Que pergunta?

- Se o bebê do Wagner vai ser meu primo ou meu sobrinho. Ele vai ser meu sobrinho porque nós somos irmãos.

- Não falei que você não é burra? É só parar pra pensar antes de perguntar besteira.

Ela sorri e se pendura no pescoço dele, abraçando e beijando o irmão várias vezes.

- Chega de conversa por hoje. Vamos dormir, diz ele, ajeitando o cobertor sobre ela.

- Faz isso de novo manhã?

- Amanhã...? Acho que vou só telefonar. Não dá pra vir. Eu tenho que trabalhar. Mas... já que eu vou dormir aqui essa noite, posso... te levar pra escola amanhã cedo, que tal?

- Legal. Pode ser.

- Combinado. Boa noite, anjo.

- Boa noite. Te amo.

- Eu te amo mais.

Ele a beija de novo e vai para porta. Desliga a luz e sai do quarto, deixando a porta entreaberta.

Cláudio desce e encontra Magda sozinha na sala.

- Sua boneca mais velha já está dormindo.

- Que bom. Geralmente ela fica brincando na cama até mais de meia noite. Não se cansa nunca. Eu tenho que ameaçar chamar o pai.

- Eu queria te pedir pra conversar um pouquinho mais com ela. Eu sei que você já faz, mas depois que a Elis nasceu, ela anda muito sozinha.

- Mas eu tento fazer isso. Meu tempo é das duas, mas é ela que foge de mim. Parece um moleque.

- Eu sei, mas tente um pouquinho mais. Eu já falei com ela. Se ela continuar assim, vai acabar virando vaqueiro ou capataz da fazenda.

- Nem me fale nisso.

- E o papai?

- Com os homens aí fora. Está orientando os meninos pro serviço de amanhã. Graças a Deus, a rotina voltou ao normal.

- Eu não vou lá fora não. Senão a conversa rende e eu tenho que dormir um pouco. Vou me deitar, amanhã pretendo sair bem cedo daqui junto com a Diana. Vou levá-la pra escola. Ela já sabe disso. A Tânia já subiu?

- Já. Ela disse que estava cansada. E... Cláudio... ela está bem?

- Oi?

- A Tânia... está tudo bem com o bebê de vocês?

- Acredito que sim. Ela reclamaria se tivesse alguma coisa. E o médico dela não é o Miguel, é de Rio Pardo, mas é excelente também. Pelo que eu sei, está tudo bem. Por quê?

- Por nada... mas... eu preciso falar com você... sério.

Pelo jeito de Magda falar, ele percebe que é algo muito importante.

- Ela reclamou de alguma coisa com você? Ou é algum problema com o velho?

- Não, com ninguém daqui. O problema é outro.

- Pode falar.

- Não, agora não. Quando você tiver uma hora livre. Amanhã talvez ou depois. Não é urgente, mas eu preciso falar com você.

- Você está me assustando, Magda. Diz pelo menos quem é o centro desse problema.

- Você.

- Eu?

- Bem, mas nós temos tempo. Eu quero conversar com você com calma num lugar sossegado. Não fique apreensivo. Não vou te puxar as orelhas.

Ele sorri, mas fica sério logo.

- Eu não vou dormir direito hoje, Magda. Que foi que eu fiz?

Ela segura sua mão sorrindo.

- Nada que não seja compreensível e perdoável. Como diz o Wagner: não esquente a cabeça.

- Jura que não é nada sério mesmo?

- Você se lembra de feito alguma coisa que seja realmente séria ultimamente?

- Muitas... - ele responde a sério, mas aos ouvidos dela soa como brincadeira.

- Mesmo? Pois é mais um assunto pra nossa conversa. Vá dormir. Boa noite, querido.

Ela beija seu rosto e vai para a cozinha. Cláudio fica um tempo olhando para ela e depois vai para a escada, subindo lentamente.

Ao chegar diante de seu antigo quarto, onde sempre dorme quando pernoita na fazenda, ele para e respira fundo porque sabe que a mulher está lá dentro e que o que está para fazer talvez decida o resto de sua vida.

Entra no quarto. Tânia está sentada na cama com um porta-retratos nas mãos.

- Você demorou, ela diz, sorrindo.

- Eu estava com a Diana no quarto dela, ele responde seco.

Cláudio começa a desabotoar a camisa e vai para o banheiro, lava o rosto e volta para o quarto, se enxugando.

- A Magda deixa esse quarto sempre do mesmo jeito desde que a gente se casou. Eu sempre gostei dessa foto sua. Eu lembro que, quando eu a pedi pra mim, ela não quis me dar. Disse que eu já estava levando o original e que era a única foto que tinha de você menino.

- Ela tirou uma do Wagner na mesma época. Está no quarto dele.

Ele tira a camisa, senta na cama e tira os sapatos. Tânia estranha o tom distante que ele tem na voz.

- O que você tem, amor? - ela pergunta, tocando seu ombro.

- Não me toca... - ele fala, sem olhar para ela.

Tânia recolhe o braço, surpresa com aquela reação. Ele se volta para ela.

- O que você pretendia lá embaixo, falando aquelas coisas sobre a Mônica na frente do meu pai?

- Eu? Nada. Ele perguntou do tio Jairo e eu só quis...

- Jogar verde pra ver se ele entendia suas pistas venenosas, não é?

- Não, eu...

- Até quando vai isso? Eu cansei, Tânia. Meu pai é um homem muito inteligente, mas graças a Deus, ele não entendeu o que você jogou no ar pra tentar destruir a vida da sua prima e por consequência do meu irmão. Eu não suporto mais isso.

- Cláudio, eu não tive intenção...

- Teve, teve sim, até seus pais perceberam. Pra mim, já deu...

Ele se levanta e declara:

- Eu quero me separar de você.

Tânia quase fica sem fala quando ouve o marido dizer isso.

- O quê...?

- Eu já pedi outras vezes e você sempre nega, mas eu realmente não aguento mais. Eu quero o divórcio.

- Você não pode estar falando sério... Eu estou grávida, Cláudio.

- Eu sei... e infelizmente não posso mudar isso. Eu não sei se Deus... um dia vai me perdoar por ter te engravidado sem sentir nada por você ou se eu mesmo vou poder fazer isso, mas... meu filho vai ser sempre meu filho e vai ter de mim todo carinho que eu puder dar, mas eu não posso mais viver com você.

- Você não acha que vai ser fácil assim se separar de mim, acha? Ainda mais agora...

- Não sei. Eu não acho nada, mas eu não quero mais viver do lado de uma mulher que não me respeita nem como marido nem como homem...

- Eu te amo!

- Não, você não me ama. Você se acostumou comigo deitado do seu lado na cama por oito anos. E eu não te amo mais... há muito tempo... Você sabe disso... Foi você que esticou essa história até agora. Por mim, já teria terminado há muito tempo. Se chegamos a esse ponto foi porque você quis. A culpa não é só minha. Esse bebê também foi uma forma de me prender, você planejou isso, mas com ele ou sem ele, eu não quero mais estar casado com você.

Os olhos dela se enchem de água e as lágrimas rolam por seu rosto. Coloca o porta-retratos na beira da cama e o deixa cair no chão. Ele quebraria se não fosse o tapete. Cláudio vê isso e vai pegá-lo, colocando no mesmo lugar que estava antes.

- Eu mato você.

Ele sorri.

- Faça isso... assim, eu não vou ter o trabalho de explicar tudo pra todo mundo.

- Eu me mato e ao seu filho.

Ele fecha os olhos e respira fundo.

- Que Deus te perdoe por esse pensamento, Tânia, mas eu sei que você não teria coragem... É covarde demais pra isso.

- Eu conto ao seu pai que...

- Para! Chega, Tânia! Eu não tenho mais medo das suas ameaças.

- Você não pode estar fazendo isso comigo...

- Não tinha que ser desse jeito, mas o que você fez lá embaixo foi a gota d'água. E tem mais... eu não quero escândalo aqui na casa do meu pai. Quando a gente chegar em casa, a gente conversa mais e você faz e diz o que quiser. Aqui não. Hoje a gente vai dormir no mesmo quarto, mas a vontade que eu tenho é de ir dormir no quarto do Wagner ou na cocheira junto com os cavalos. Só que eu acho que o pessoal não ia entender, portanto... se você ainda tem um pouco de respeito por si mesma e por essa criança que você está carregando... respeita pelo menos a casa do meu pai... e vamos dormir.

Ele apaga a luz do abajur e se deita de costas para ela. Tânia escorrega o corpo para debaixo dos cobertores e vira para o lado oposto, chorando baixinho.

- Amanhã a gente vai sair bem cedo - ele diz, já deitado.

RETORNO AO PARAÍSO – ERA UMA VEZ... EM LONDRES?

PARTE 2

            
            

COPYRIGHT(©) 2022