RETORNO AO PARAÍSO
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Capítulo 6 ERA UMA VEZ... EM BRANCA...

ERA UMA VEZ... EM CASA BRANCA...

PARTE V

O início da manhã na fazenda foi normal. Leonardo sai logo cedo com Lopes para inspecionar o trabalho dos peões com o gado. Diana vai à escola de manhã. Ela estuda na sétima série da Escola Estadual Rubião Júnior. Magda ajuda Matilde na preparação do almoço tendo Elis sob sua vista sentada no chão da cozinha, brincando com seus brinquedos.

Quando o carro de Cláudio surge na estrada, Chico, o jardineiro da fazenda, que estava colhendo jabuticabas no pomar, para e o espera. Depois se aproxima do carro quando ele para.

- Bom dia, doutor Cláudio. Tão cedo aqui?

- Bom dia, Chico. O Wagner já acordou? – ele pergunta, saindo do carro.

- Não, senhor. O senhor sabe que ele nunca acorda antes das onze. Foi até bom o senhor ter vindo. Ele chegou ontem de Campinas virado do avesso.

- Mesmo? Por quê?

- Não sei, não, senhor. Só sei que parecia muito aborrecido.

- Aborrecido com o quê?

- Também não sei, não, senhor. Só sei que ficou a tarde inteira e a noite dentro do quarto. Não saiu nem pra jantar.

- Que estranho... - diz Cláudio, sabendo que o irmão tinha boas novas para contar para todos.

Ele entra na casa e vai direto até a cozinha. Magda se surpreende ao vê-lo.

- Bom dia, meu amor! Que faz aqui tão cedo?

Ele a beija no rosto.

- Bom dia, Magda. Bom dia, Matilde. Eu preciso falar com o Wagner.

- Ele não se levantou ainda, filho. Chegou de Campinas, ontem à tarde, muito aborrecido e não desceu mais desde então. Ele não passou na cidade pra falar com você ontem? Ele falou que contaria o resultado do vestibular primeiro pra você.

- Passou. Ele falou comigo sim. Estava feliz por ter passado.

- Ele passou?! Mas então eu não entendo. Não disse nada pra nós.

- Que estranho... Eu vou até o quarto dele.

- Vá sim. Suba, meu bem. Almoça com a gente?

- Não, hoje não. Só vim pra falar com ele mesmo. Outro dia eu fico.

Ele sai da cozinha e sobe correndo as escadas. Bate a porta do quarto do irmão, mas não obtém resposta. Imaginando que ele ainda deva estar dormindo, chama:

- Wagner, sou eu, Cláudio.

Nada. Bate novamente e como ainda não obtém resposta, resolve entrar. O quarto está vazio, a cama desarrumada e as janelas abertas. Desce novamente e vai falar com Magda.

- Magda, você certeza de que ele dormiu em casa?

- Tenho, absoluta. Ele chegou à noite, antes das oito e subiu pro quarto. Nem quis jantar. Ele não está lá?

- Não. A cama está desarrumada e as janelas abertas, mas nada dele.

Magda lava as mãos e as enxuga no avental, subindo com Cláudio até o quarto.

- É estranho. Eu não o vi sair e estive na sala até a hora em que fomos dormir, às nove.

- O mais estranho é as janelas estarem abertas.

- Você acha que... ele pode ter saído pela janela? - ela pergunta meio incrédula. – A troco de que ele faria isso?

Cláudio dá de ombros, olhando em volta do quarto todo.

- Ele pode ter saído hoje de manhã e vocês não viram.

- Diana me diria. Ela acorda cedo todos os dias pra ir à escola e falaria se tivesse o visto sair. Você sabe, ela me conta tudo o que o irmão faz. Mesmo as coisas mais insignificantes.

- Mas, então, onde ele está? - ele pergunta impaciente.

De repente começa a passar pela cabeça de Cláudio aquilo que o irmão lhe falou no dia anterior quando ele mencionou uma fuga: "É uma ótima ideia!".

- Ah, meu Deus... - diz ele, passando a mão pelo rosto.

- Que foi? - Magda pergunta.

Ele vai até o guarda-roupa do irmão e abre a porta. Tudo em ordem. Abre gavetas e o criado mudo e tudo está normal. Nada parece ter sido mexido.

- Ele não fugiria, Cláudio, diz Magda, adivinhando seu raciocínio. – De quê?

- Nossa Senhora do Desterro ouça e abençoe suas palavras, Magda.

- Amém!

- As roupas estão todas aqui, mas... e ele? Poxa, ele não é fantasma nem invisível. Alguém tinha que tê-lo visto sair. O Lopes está?

- Com seu pai na lida do gado.

- Só o Chico e os outros, não é?

- Acho que sim, alguns.

Cláudio interroga alguns dos empregados que estão na casa a respeito de Wagner, mas ninguém diz mais nada além do que ele já se sabe. Que ele foi visto chegando em casa na tarde anterior.

O médico se senta no primeiro degrau da escada da entrada da casa e fica impotente, sem saber o que pensar ou fazer.

- É melhor mandar chamar seu pai, diz Magda já ficando aflita.

- Chico! - Cláudio chama.

- Sim, senhor! - o jardineiro responde prontamente.

- O carro do Wagner está na casa?

- Não saiu da garagem, doutor. Desde quarta-feira. Ele até reclamou com o Lopes por não ter mandado lavar. Ia sair com ele hoje à noite. Ele foi de moto ontem pra Campinas e ela também está lá na garagem.

- Ele vai sair com ele hoje à noite, Chico. Meu irmão não morreu. Só tomou chá de sumiço. Deve estar querendo brincar com a gente.

- Claro, doutor. Não falei por mal. O seo Wagner é bem dessas coisas.

- Se for brincadeira, ele passou dos limites desta vez. Não tem graça nenhuma, diz Magda. – Sou capaz de eu mesma lhe dar umas palmadas quando ele voltar.

Ela entra na casa. Cláudio se levanta.

- O senhor acha que é bom chamar o patrão? - pergunta Chico.

- Acho que sim, Chico, mas ainda queria que meu irmão aparecesse antes de ele voltar do pasto.

Robério, um dos empregados, se aproxima deles.

- A porta do armazém amanheceu aberta, doutor.

- O quê?

- A gente sempre tem o cuidado de trancar à tarde por causa dos dois tratores e da ração dos animais, com medo de alguém vir mexer ou mesmo de algum animal entrar e comer tudo. Mas hoje de manhã quando eu fui pegar a ração, ela estava escancarada. E eu tenho certeza de que tranquei ontem. O Chico estava até comigo.

- Você avisou meu pai sobre isso?

- Não... Eu fiquei com medo que ele achasse que eu esqueci ontem. Desculpa, doutor.

- Calma, Robério, eu não vou dizer nada a ele. Sumiu alguma coisa de lá?

- Não, nada de valor. Eu tive o cuidado de examinar tudo, mas estava tudo em ordem. Só o lampião que fica pendurado do lado da porta quando a gente não está usando, estava no chão.

- No chão?

- Isso mesmo, doutor, e sem combustível nenhum. Parece que passou a noite aceso.

- Chico, vá chamar meu pai, por favor. Rápido. Isso é caso de polícia. Quando ele chegar, eu vou ligar pro Arnaldo.

Quando Leonardo chega e fica sabendo de tudo não se alarma e age com a calma que lhe é peculiar.

- Você sabe onde moram aqueles amigos dele, Cláudio?

- Mais ou menos, pai. O Beto é filho do Lage, do supermercado. O Guto mora numa rua perto do Desterro. As meninas...

- Você poderia ir até lá ou ligar, para saber se ele está com algum deles?

- É, pode ser, mas o que o senhor vai fazer?

- Wagner já me aprontou poucas e boas. Eu não vou correr atrás de polícia antes de saber se ele não está na cidade fazendo das duas. Vá.

- Mas, pai...

- Vá!

- Sim, senhor, Cláudio obedece.

Entra no carro e parte em direção à cidade.

**********************

Na cidade, Jairo resolve ir trabalhar. Mesmo estando muito nervoso e magoado, ele acha que talvez o trabalho o ajude a se acalmar. Mônica quer acompanhá-lo, mas ele recusa.

- Você disse que ia ficar em casa e vai ficar.

- Eu não quero te ver assim.

Ele sorri, amargamente.

- Imagine se quisesse...

Dá as costas e vai sair. Ela chama:

- Pai!

Jairo se volta.

- Meu beijo...?

Rapidamente ele lhe dá um beijo no rosto e sai. Ela se senta numa poltrona, mas não consegue ficar parada. Sobe ao quarto, veste-se e sai também.

*************************

A casa de Humberto Lage é, depois da casa do prefeito e das casas dos irmãos Telles, uma das mais elegantes de Casa Branca. Ele é dono de um dos supermercados que abastecem toda a cidade. Humberto Lage Filho, seu filho mais velho, é o melhor amigo de Wagner e se surpreende ao ver, pela janela da sala, o carro de Cláudio estacionar diante da casa. Sai e vai encontrá-lo no portão. Cláudio lhe conta tudo que está acontecendo ali mesmo, nem faz questão de entrar na casa e Beto se preocupa.

- Ele não esteve aqui hoje, Cláudio. A gente se viu ontem. Foi junto com a galera até Campinas. Depois ele disse que ia até o hospital falar com você e a gente não se viu mais. Íamos nos encontrar hoje à noite pra comemorar.

- Tem alguma chance de ele estar na casa de algum dos outros... Guto, Leo...

- O Leo foi para Ribeirão ontem à tarde, contar pro avô que passou no vestibular. Os outros, não sei, pode ser, mas eu tenho o telefone deles. Entre. A gente confere isso agora.

Eles entram e Beto liga para Guto, Janete, Dina e até Sandra, sua namorada. A resposta é a mesma. Ninguém sabe de Wagner, mas todos se dispõem a se encontrarem na casa dele para ajudarem a procurá-lo.

- Ninguém sabe dele, diz Beto colocando o telefone no gancho.

- Como uma pessoa pode sumir desse jeito? - Cláudio pergunta.

- Ele não sumiu. Deve estar gozando da nossa cara em algum lugar que a gente não tem ideia, mas... eu vou te ajudar a procurar. A turma toda vai. Todo mundo está vindo pra cá. Esse cara vai aparecer logo, logo, você vai ver.

Em minutos, a turma toda se reúne na casa de Beto e compartilham do desespero de Cláudio.

- O cara foi com a gente até Campinas, diz Guto. - Ele foi de moto, porque o carro dele não tinha sido lavado. Estava muito zangado com o coitado do Lopes. Ele sempre gosta de ir de carro pra gente poder ir conversando, mas a gente ficou tão feliz com o resultado do vestibular que a raiva toda passou. Ele se separou da gente aqui no centro de Casa Branca, porque ia falar com o senhor, no hospital. Aí, cada um foi pra sua casa e a gente não se falou mais.

- Ele disse pra onde ia de lá do hospital, Cláudio? - pergunta Beto.

- Ele foi almoçar com a Mônica.

- Com a Mônica? - Janete pergunta.

- Justo ela? Essa garota pode ter alguma coisa a ver com isso, diz Guto. – Ela pode saber dele, não?

- Não, diz Cláudio. – Tenho certeza de que não. Ela não tem nada com isso. Eu... estive com ela hoje cedo, mas eu não sei bem o que eles conversaram. Fico pensando...

Cláudio para de falar, lembrando de novo da conversa que teve com o irmão no hospital.

- O quê? - Beto pergunta.

- Ele estava tão desesperado que chegou até a pensar, entre outras coisas, em... fugir de casa.

- Por causa da Mônica? - pergunta Beto. - Ele não faria isso. A gente já tinha conversado. A turma toda tinha fechado com ele e ia defendê-lo nessa até o fim. Ele não fugiria daqui por isso.

- Eu já descartei a possibilidade. As roupas, documentos, tudo dele estão na fazenda. Inclusive o carro e a moto. O que me intriga é esse sumiço total.

- Ele deve estar escondido no mato, brinca Guto.

- Não é caso para brincadeira, Guto, diz Sandra. – O Wagner deve estar numa pior. Pior do que ser o pai do filho da Mônica. Ele não fugiria de casa, depois de saber que conseguiu a universidade. Era o sonho dele.

- Sequestro... - arrisca Laura, medindo cada sílaba para falar.

Todos olham para ela.

- Foi só um palpite, gente. Deus nos livre de acontecer uma coisa dessas. Esqueçam o que eu falei.

- Pode acontecer, fala Cláudio.

Agora é a vez de todos olharem para o médico.

- Por quê? - perguntam todos quase em uníssono.

- Na fazenda existe um armazém que é fechado religiosamente toda tarde, às seis horas pelo empregado do meu pai...

- E...? - pergunta Beto.

- Hoje de manhã ele amanheceu aberto. A janela do quarto do Wagner também.

O silêncio que cai entre eles é perturbador. Cláudio se levanta e sai da casa, indo encostar-se no carro. Beto vai atrás dele.

- Não pode ser, Cláudio. Eu não acredito que seja isso. Não pode ser isso. Quem sequestraria seu irmão e... por quê?

- É óbvio que eu não posso responder quem, mas por quê... O porquê é bem evidente, Beto. Meu pai é um dos homens mais ricos dessa região e todo mundo conhece ele.

- Mas, nesse caso, se acontecesse... um sequestrador preferiria levar uma de suas irmãs. Elas são pequenas. Seria muito mais fácil dominar uma criança e o lado afetivo da coisa pesa muito mais nelas por serem meninas.

- Eu não sei mais o que pensar. Não sei como eu vou voltar para Quatro Estrelas e contar pro meu pai e pra todo mundo... que o Wagner desapareceu da face da terra.

- A gente vai com você.

- Não precisa...

- A gente vai, ponto final. É nosso amigo que está sumido. Eu sei que o Wagner faria isso por mim e por qualquer um de nós. Eu vou chamar todo mundo.

Enquanto ele entra em casa, Cláudio entra no carro e esconde o rosto nos braços sobre o volante, exausto por tudo que aconteceu naquela manhã.

Em quinze minutos estão todos na fazenda. Leonardo está em pé no alpendre quando as motos e o carro de Cláudio vão parando diante da casa. Cláudio sai do carro e o fazendeiro não gosta das expressões que todos têm nos rostos. Olha para o filho e espera o que ele diga alguma coisa. Leonardo tem algo nas mãos.

- Ninguém sabe dele, pai.

- Eu chamei o Arnaldo. Robério achou isso jogado no armazém, no meio do feno.

O fazendeiro abre o lenço e lhe entrega um punhal que Cláudio segura, sentindo um arrepio frio lhe subir pela espinha.

- Não é de ninguém na fazenda, Leonardo continua. – Há marcas de passos lá, muitos passos e nenhum deles combinava com as botas que usamos aqui. Seu irmão foi levado daqui a força.

O velho fazendeiro olha para todos os rostos ali na sua frente e entra na casa, aparentemente parecendo muito calmo. Cláudio o conhece o suficiente para saber que aquele é o modo que pai encontrou para manter seu equilíbrio e o dos que o cercam. Afinal de contas, ele é o chefe da casa e não pode se entregar ao desespero, mesmo que o problema o afete profundamente.

Beto toca no ombro de Cláudio.

- Vamos ter fé e calma. Seu pai pode estar enganado. A gente vai dar um giro por aí pela fazenda. Pela boçoroca em volta da cidade... pela mata do lado da estrada...

- Pra quê? - o médico pergunta, olhando para o punhal.

- Sei lá. Às vezes, ele pode ter saído durante a noite pra esfriar a cabeça, se machucou em algum lugar, torceu o pé e não pôde voltar. A gente tem que evitar pensar no pior antes de ter certeza, Cláudio. Eu não vou aceitar a ideia de sequestro, antes de ouvir o delegado e ele dizer que foi isso mesmo. Fique com seu pai. Nós vamos nos dividir e dar umas voltas pela fazenda. A propriedade é grande. Tem muito chão pra vasculhar.

- É isso aí, diz Guto. – A gente vai achar o Wagner, sim. Talvez ele esteja em cima de alguma árvore, com medo de algum gato do mato...

A piada não surtiu efeito, mas a intenção foi boa.

- Nós também vamos, Cláudio, diz Dina, pelas moças.

- Eu não sei como agradecer, diz Cláudio.

- Ele é nosso amigo, não tem o que agradecer.

- Só procurem ter cuidado e não se machucar nessa busca. Eu vou falar com meu pai e daqui a pouco vou fazer o mesmo.

- Até já...

Sandra se aproxima de Cláudio e coloca a mão sobre as dele.

- Tenha fé. Nossa Senhora das Dores está com ele, diz Sandra.

- Tenho certeza. Obrigado, Sandra.

Todos se dispersam, tomando rumos diferentes. Diana sai da casa correndo e se agarra à cintura de Cláudio sem dizer nada. Ele coloca o punhal no chão.

- Oi, Didi, diz, abraçando a irmã e beijando o alto de sua cabeça.

Ela continua em silêncio com o rosto escondido no corpo dele.

- Que foi? Perdeu a língua? - ele quer saber, erguendo o rosto dela, segurando seu queixo.

O rosto da menina está molhado.

- O Wagner sumiu?

- Não... - ele só está num lugar que a gente não sabe ainda onde é.

- Não é a mesma coisa?

Ele sorri e a abraça com mais força.

- Você anda muito esperta pro meu gosto. Você não tinha treze anos?

- Ainda tenho. Cadê o Wagner, Cla? A mamãe falou que ele sumiu e o papai estava ligando pra polícia quando eu cheguei da escola.

- E por que você não tirou o uniforme ainda? - ele tenta desconversar, vendo que ela está com a mesma roupa que chegou da escola.

- Não tive tempo.

- Então a gente vai entrar e você vai arranjar tempo agora.

Os dois entram na casa. Diana ainda grudada no irmão.

- Sobe e vai tirar essa roupa, ele pede. - Cadê a mamãe?

- Com a Elisinha, lá em cima.

- Eu já subo também. Vai.

Na biblioteca, Leonardo está ao telefone falando com o distrito policial. Cláudio vai pegar o punhal que havia deixado do lado de fora da casa e o coloca sobre a mesa. Quando termina o telefonema, Leonardo senta-se em sua poltrona e olha para o filho.

- O Arnaldo já está a caminho.

- Ele vai aparecer, pai.

- Vai sim. Ele tem que aparecer... ou eu vou enlouquecer.

Leonardo levanta-se e sai da biblioteca e da casa, indo orientar os empregados como agir nas próximas horas.

O delegado Arnaldo Monteiro recolhe todo tipo de pistas que consegue encontrar nas imediações da fazenda e no armazém, incluindo o punhal de onde manda recolher digitais. Interroga um por um, todos os empregados, e se inteira de todas as últimas ações de Wagner. Pergunta sobre qualquer ruído diferente que possam ter ouvido durante a noite e todos são categóricos em dizer que não notaram nada de estranho. O que dificultou ainda mais o caso.

- Eu devo acreditar que o desaparecimento do seu filho é muito estranho, Leonardo. Mas ainda não posso dizer que se trata de um sequestro. Temos que esperar mais algumas horas. Esperar que alguém entre em contato com você ou com alguém da família. Enquanto isso, eu vou colocar alguns homens fazendo uma busca pela fazenda e imediações. É um lugar grande e há muita vegetação em volta. Temos que sondar todas as possibilidades. Ele tinha algum inimigo?

- Não... - Leonardo responde, olhando para Cláudio. – Não que eu saiba. Todos na fazenda gostam dele. É dono de um humor meio diferente, faz piada de tudo, mas... todo mundo já estava acostumado com isso. Wagner sempre foi assim. Nunca fez mal a ninguém, pelo menos... nada preocupante, fora dos limites. Eu não permitiria.

- E você?

- Eu?

- Não me leve a mal, Leonardo. Eu pergunto por que você é um homem rico e as pessoas às vezes não querem saber se você é bom ou não. O dinheiro atrai todo tipo de olhar. Inveja, vingança... Só quero saber se há alguém do seu conhecimento que pudesse querer se vingar de você, te atingindo através de algum dos seus filhos.

Leonardo se cala por um instante e diz:

- Eu não consigo lembrar de ninguém, mas... se a intenção foi essa, conseguiram. Eu só quero meu filho de volta, Arnaldo.

- Não se preocupe com isso ainda. Eu já disse que vou mandar meus homens fazerem uma batida pelas imediações e em volta da cidade. Casa Branca não é muito grande e meus policiais conhecem tudo por aqui. Não se preocupe. Vamos fazer tudo pra encontrar o rapaz.

Arnaldo sai. Cláudio o acompanha até o alpendre. Depois que os policiais se dispersam, ele encosta-se a um dos pilares e olha em volta. Diana aproxima-se dele e se senta no primeiro degrau da escada, apoiando o rosto nas mãos. Depois de um instante de silêncio, ela pergunta:

- Ele vai voltar, não vai?

- Claro que vai.

- Então por que é que está todo mundo com essa cara de enterro?

Cláudio começa a sentir uma sensação de inutilidade. Desce as escadas e vai até o carro.

- Aonde você vai? - Diana pergunta, levantando-se.

- Não sei, ele responde, entrando no carro.

- Posso ir com você?

- Já falei que não sei aonde eu vou, Diana. Vai ficar com a mamãe.

- Se você vai procurar meu irmão, me deixa te ajudar a procurar também, por favor, Cla. Lá dentro só tem gente chorando, a Matilde, a mamãe... Até a Elis que não entende nada, chora, porque a mamãe chora. Não me deixa aqui sozinha.

Ele olha para ela por um momento e acaba por concordar.

- Vem, mas não me atrapalha.

No caminho desse passeio a lugar nenhum, Diana pergunta:

- Ele foi embora por minha causa?

- De onde é que você tirou isso, menina?

- Ele não gosta de mim...

- Não seja boba. Quem te disse isso?

- Ele.

Cláudio olha para a irmã que continua olhando pela janela do passageiro.

- O Wagner disse que não gosta de você? Eu não acredito. Não inventa, Didi.

- Não estou inventando. Toda vez que a gente briga, ele fala: "Você é a garota mais enjoada que eu já conheci!". "Queria morar a quilômetros de distância de você!"

- Diana, ele só fala isso quando está nervoso. Todo irmão briga. Ainda mais com a diferença de idade que vocês têm um do outro.

- A gente não briga, eu e você.

- Porque eu tenho quase idade pra ser seu pai. Não tinha nem graça.

- Tem nada. Você tinha a minha idade quando eu nasci.

- Um pouquinho mais, mas é justamente por isso que o Wagner implica com você. Você nasceu quando ele era um molequinho. Você veio tirar o trono dele. Ele foi caçula por sete anos. Ele só tem ciúme de você.

Ela fica silenciosa e pensativa, depois ataca.

- Você também perdeu o trono por causa dele, mas vocês não brigam.

Cláudio sorri.

- Já parou pra pensar que ele perdeu o trono pra uma princesa. Ele nunca superou. Você era uma boneca, quando nasceu e ainda é. Nenhum cara supera isso - ele consegue brincar.

Ela fica em silêncio novamente e parece mais conformada. Depois de algum tempo rodando por uma estrada de terra, paralela à boçoroca, eles avistam um casinha branca no meio da vegetação rasteira. Cláudio para o carro.

- De quem é aquela casa? Parece que não tem ninguém - Diana diz.

- De um antigo jardineiro da fazenda. O Salomão. Ele foi jardineiro por muitos anos, antes do Chico. Muito antes de você nascer.

- E ele fica sozinho nessa casinha? No meio do mato?

- Aqui é mais tranquilo e sossegado que o centro da cidade.

- A gente vai falar com ele?

- Ele não é de muita conversa, mas... é por uma boa causa, ele diz com um suspiro.

Cláudio sai do carro e ela faz o mesmo e se gruda no irmão.

- Está com medo? - ele pergunta, sentindo a força com que ela segura seu braço.

- Não... - ela responde, mas não é isso que sua atitude diz.

Salomão tinha visto o carro se aproximar muito antes, pela janela da casa. Sai à porta quando os vê se aproximarem. Seu semblante é grave e austero.

- Boa tarde, Salomão.

O velho continua olhando para ele e para a menina e apenas meneia com a cabeça. Cláudio já conhece aquela atitude do velho jardineiro. Pretende falar o mínimo para não aborrecê-lo.

- Eu estou procurando meu irmão. Ele está desaparecido desde essa manhã. Só queria saber se você o viu em algum lugar por aqui.

- Wagner nunca vem aqui. Ele tem medo de mim. Você sabe disso.

Os cabelos brancos e despenteados e a longa barba do velho, realmente lhe davam um ar um tanto estranho. Fatores que sempre fizeram Wagner ter medo de chegar perto daquela casa quando os dois brincavam por ali quando crianças. Cláudio gostava de pregar peças nele provocando seu medo, mas admitia que sentia atração pelo velho, coisa que não conseguia explicar.

- Você não o viu passar, nem de carro ou na moto?

- Não passam muitos carros por aqui. Esse terreno é meio perigoso pra carros e motocicletas, por causa da boçoroca.

- É, eu sei... Está certo. Obrigado, Salomão. Até mais.

Quando o rapaz já está entrando no carro, o velho pergunta:

- Como está seu pai?

Cláudio se volta e responde:

- Preocupado com meu irmão, mas, de saúde, bem. Os empregados antigos têm saudades de você. Devia ir até lá qualquer dia. Ficaríamos muito felizes com sua visita.

- Não quero assustar as meninas - diz ele, olhando para Diana que se esconde atrás do irmão como a querer se ocultar, mas sempre olhando para ele, por pura curiosidade infantil.

- Se você nunca for até lá, elas não podem se acostumar com você.

- Wagner nunca se acostumou, mesmo com você trazendo ele sempre aqui pra brincar. Só você nunca teve medo de mim.

- Não, eu sempre... gostei daqui, dessa casa... do seu jardim... de brincar na boçoroca.... Das suas jabuticabeiras, suas flores. E você sempre me tratou muito bem. De uma forma ou de outra todos na casa que te conhecem gostam muito de você. Não se esqueça disso.

O velho abaixa a cabeça e vira as costas, entrando na casa sem dizer mais nada.

- Vamos embora? - Diana pede, baixinho, puxando a camisa do irmão.

- Vamos, ele concorda, ainda olhando para a casa.

Quando o carro está de novo em movimento, Cláudio pergunta sorrindo:

- Ficou com medo dele?

- Ele é esquisito. Nunca vi ninguém assim antes. É velho, feio e dá a impressão de ter vindo de uma daquelas estórias de terror que passam na televisão de noite.

- Que bobagem, Diana. Não é possível que você tenha medo de uma pessoa só porque ela é diferente de você.

- Na televisão, não tenho, mas o Salomão estava na minha frente. Me deu arrepios.

- Mas ele não está morto. Ele só é... velho, como você e eu e todo mundo um dia vai ficar também. Você tem medo do seu avô, por exemplo?

- Claro que não!

- Mas ele também tem cabelos brancos, barba branca e é feio como o Salomão.

- Meu avô não é feio, Cla! - ela diz, batendo de leve no braço dele. – Esse Salomão é diferente demais.

- Não é tão diferente. É quase a mesma coisa. Só que você conhece o seu avô e o ama porque ele é pai da sua mãe, te viu nascer, te traz presentes...

- E o vovô... ah, o vovô é o vovô.

- O Salomão podia ser seu avô, qual o problema?

- Deus me livre! Nunca!

Cláudio desiste, sorri e passa a prestar atenção no volante.

Depois de muito rodar, o carro estaciona à beira da boçoroca. Uma formação natural provocada pela erosão que foi feita por um rio. Ela ocorre em torno de toda a Casa Branca. Tem vários quilômetros de extensão, em algumas partes, vários metros de altura e, no fundo desse cânion natural, correm as águas límpidas de um córrego que não tem mais de poucos centímetros de altura, de maneira que se pode ver a areia quase branca em seu fundo.

Cláudio e Diana descem do carro e ela se agacha ao lado dele, olhando para a água límpida que corre intermitentemente, lá embaixo.

- A gente vai descer até lá?

- Até desceria... se não fosse tão grande e eu estivesse com mais tempo e pelo menos vestido de acordo, mas acho que o Arnaldo já deve ter tido essa ideia. Olha ali. Há uns policiais ali embaixo.

- Ele não está em lugar nenhum, Cla, ela diz desanimada. - Sumiu de vez. Eu ainda acho que ele fugiu por minha causa.

- Tira essa besteira da cabeça, Diana. O delegado vai encontrar o Wagner pra gente. Aí a gente vai poder dar quantos puxões de orelha tiver vontade nele. Não pense mais nisso.

- Eu quero que o papai o deixe uma semana sem ir na cidade, como faz comigo quanto eu faço arte.

Ela se levanta, cruza os braços e emburra, mas seus olhos se enchem de água.

- Eu estou com saudade dele, Cla.

Ele a abraça e Diana começa a chorar. A garganta dele também aperta, mas não é momento de se deixar levar pela tristeza. Não na frente da irmã. Ele a leva de volta para o carro e voltam para a fazenda.

Ao chegarem lá, já é quase noite. Ao passar pela porteira e começar a atravessar a alameda, Diana grita:

- Para, Cla! O Chico está ali tirando jabuticaba e a Mônica está com ele. Para, para!

- Calma, Diana, que agonia, ele diz, parando o carro.

Diana desce e se aproxima correndo da jabuticabeira onde Chico está colhendo algumas frutas e conversando com Mônica que tem Elis nos braços. Elas se abraçam.

- Que bom que você está aqui.

- Oi, gatinha. Tudo bem?

- Mais ou menos, ela diz, já apanhando algumas jabuticabas de dentro de cesto que Chico carrega. - Você já soube que meu irmão sumiu?

- É, soube. É por isso que eu estou aqui. Vim ajudar.

- Legal, mas a gente já procurou por tudo aí em volta e não achamos ele. Vai precisar de muito mais gente pra fazer isso, mas minha mãe deve estar precisando de ajuda. O Wagner nem é filho dela, mas ela está muito triste.

- Então vá lá dentro falar com ela. Ela perguntou de você agorinha. Disse que você saiu sem almoçar.

- Tá, diz a menina. - Estou com fome mesmo.

- Então não vá encher a barriga de jabuticaba, menina, diz Chico.

Diana ri, coloca uma jabuticaba na boca de Chico e beija Mônica.

- Tchau!

Elis estende os bracinhos querendo ir com ela.

- Didi! - ela chama, querendo chorar.

Diana ia correr, mas volta e pergunta:

- Deixa ela ir comigo? Pode Cla? - pergunta, voltando-se para o irmão.

- Pode, mas cuidado com ela, ele responde.

Elas vão correndo na velocidade que as perninhas de Elis deixam em direção à casa grande.

Cláudio que tinha ficado de longe ouvindo a conversa, aproxima-se e pergunta:

- O que você está fazendo aqui?

- Você ouviu, vim ajudar, ela diz serenamente.

- Ajudar em quê?

- Eu liguei pra cá à tarde pra conversar com o Wagner e a Matilde disse que ele estava sumido. Ela estava chorando tanto que não pode nem explicar direito. Eu resolvi vir pra... saber de tudo e... falar com a Magda e... com você.

- Seu pai está aí?

- Não, ele está no hospital. Achou melhor ir trabalhar. Não sabe de nada ainda, mas a Tânia já ligou duas vezes, querendo falar com você.

Ele entrega as chaves do carro a Chico e pede:

- Leva o carro até a casa, por favor, Chico? Meu pai está?

- Não, ele foi pra cidade registrar ocorrência do sumiço do seo Wagner. Os amigos dele vieram agorinha e disseram que andaram por todo canto, mas não encontraram nada, não, senhor. Pediram pra dizer pro senhor que voltam amanhã bem cedinho. Estava todo mundo muito cansado. Os policiais também não acharam nada. Foram até a boçoroca. Rodaram tudo por lá e nada. Também estou muito preocupado, doutor.

- Todo mundo, Chico. Leva o carro, por favor.

O jardineiro coloca a cesta no banco do carro e vai fazer o que Cláudio pediu. Depois que o veículo se afasta, ela diz:

- Me desculpa por hoje de manhã. Eu não teria chamado você se soubesse...

- Não importa mais.

- Tem ideia do que aconteceu?

- Não... - ele diz, começando a andar devagar pela alameda na direção da casa. Mônica o acompanha. - A princípio eu pensei que ele tivesse... fugido...

- Fugido? De quê?

Cláudio para e se volta para ela.

- De você. Pra não se casar com você.

- Mas eu disse pra ele que...

- Você confundiu a cabeça dele de uma forma que meu irmão não sabia mais o que pensar. Nem eu. O que você conversou com ele naquele almoço, ontem, afinal?

- Nada... nada demais. A gente só almoçou...Mas eu o tranquilizei sobre a...

- De qualquer forma... já está bem claro que... ele não saiu daqui por vontade. Meu irmão foi levado daqui a força.

- Sequestro? - ela pergunta.

- É o que o Arnaldo está investigando, Cláudio diz, passando a mão pela testa.

Andam por alguns minutos em silêncio e ele pergunta:

- Como está seu pai?

- Bem... na medida do possível. Magoado, zangado, decepcionado, chocado... mas bem. Eu não falei mais com ele depois...

- E falaria comigo?

Mônica fica em silêncio. Olha para a casa não muito distante agora e diz:

- A Magda deve estar precisando de mim. Eu vou...

- Mônica! - ele a segura pelo braço.

Ela se retrai e solta o braço da mão dele, fechando os olhos.

- A gente já falou muito sobre isso.

- Muita coisa mudou...

- Não mudou nada! Eu não vou voltar atrás, ela diz, sem olhar para ele. – O que vale agora foi o que eu contei ao meu pai: eu conheci um rapaz no curso de enfermagem no início do ano, me apaixonei por ele, fiz o que não devia e engravidei; nos separamos e a estória é essa. O nome do pai do meu filho não interessa.

- Você disse pro seu pai que ele é casado...

- Pra proteger o Wagner! Chega! Você não entendeu ainda? Vai ser melhor pra todo mundo. Vá ligar pra sua mulher e falar com ela, antes que ela venha aqui fazer isso pessoalmente, se já não estiver vindo. Ela precisa mais de você que eu. A gente tem que pensar no Wagner agora.

Ela olha para ele ligeiramente e segue rapidamente para a casa. Cláudio a segue pouco depois.

Na casa, ele telefona para Tânia e não encontra mais a mulher. Gina, a empregada de Bárbara, diz a ele que Tânia está a caminho da fazenda. Quando ela chega, a conversa seria mais difícil, se ele já não estivesse se preparado para ela.

- Custava ter me avisado do que estava acontecendo? – ela pergunta irritada.

- Tânia, o dia foi muito complicado. Pensei em fazer isso várias vezes, mas realmente não deu. E como você nunca fica à vontade falando do meu irmão, pensei que seria melhor não te aborrecer com isso.

- Não sou esse monstro que você está pintando agora, Cláudio. Se seu irmão sumiu é claro que isso me atinge. Ele é minha família também.

- Estou tentando fazer você entender isso desde que nos casamos, mas não tive muito sucesso. Acho que cansei.

Ele vai subir para ver a madrasta, mas ela segura seu braço.

- Cláudio, espera.

- Olha, eu tenho muita coisa pra fazer. Meu irmão está desaparecido, minha mãe não está muito bem, meu pai ainda não chegou da delegacia, tenho duas irmãs pequenas que precisam de atenção e... você sabe que está na sua casa. Você está bem? O bebê...?

- Estou, não se preocupe comigo...

- Então, fique à vontade.

Ele a beija rapidamente e sobe as escadas, indo para o quarto de Magda. Tânia se senta no sofá, respirando fundo, aborrecida.

RETORNO AO PARAÍSO – ERA UMA VEZ... CASA BRANCA

PARTE 5

            
            

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