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ERA UMA VEZ... EM CASA BRANCA...
PARTE IV
Quando termina seu período de trabalho no hospital, Cláudio organiza as fichas no arquivo para ir embora quando Tânia entra pela porta.
- Oi, amor.
- Oi... ele responde, surpreso. Não a esperava ali. – O que você está fazendo aqui?
Eles trocam um beijo.
- Vim te ver, não, posso? E avisar que eu vou viajar com a mamãe pro Rio hoje. Já que você não dorme em casa há três noites, vou com ela.
- Eu avisei que teria plantão... - ele se justifica.
- Eu sei. Não estou discutindo.
Ele termina o que fazia, fecha a gaveta do arquivo e se volta para ela.
- Voltam quando?
- Talvez só amanhã à noite.
- Ok. Você está bem?
- Estou, se eu não tivesse minha mãe, seria uma mulher grávida, sozinha, ela diz com uma pitada de sarcasmo.
- Tânia, eu estou trabalhando...
- Não... Não precisa continuar. Não vim aqui pra discutir, já disse. E você, está bem?
- Estou... Meu irmão esteve aqui hoje. Ele passou no vestibular da Unicamp.
- Hum... - ela faz, dando muito pouca atenção para isso.
Cláudio balança a cabeça.
- Eu daria um terço da minha vida pra ver você ficar feliz com alguma coisa que ele fizesse de bom.
Ela não responde e olha para o marido, como a dizer: não consigo.
- Já almoçou? - ele pergunta.
- Já. Eu almocei na mamãe e vou voltar pra lá agora. Só vim te avisar.
- Vamos juntos até lá. Quero me despedir da Bárbara.
Tânia e Bárbara viajam para o Rio de Janeiro à tarde. À noite, Cláudio, Miguel, ginecologista/obstetra e seu amigo desde a faculdade, e vários outros médicos participam da reunião de trabalho presidida por Jairo. Terminada a reunião, Jairo, Cláudio e Miguel saem para jantar juntos.
- Quando tempo faz que você não dorme em casa, Cláudio? - Jairo pergunta.
- Três noites, doutor.
- Você sabe que não precisa fazer isso, ainda mais agora. Sua mulher está grávida, rapaz. Ela não reclama?
- Um pouco, mas... eu gosto demais do que eu faço e eu só fiquei porque era necessário.
- Todos os dias é necessário. Gente doente e principalmente criança doente tem todo dia, infelizmente. Mas nós temos as enfermeiras e outros plantonistas e você anda trabalhando por cinco deles. E anda levando minha filha pelo mesmo caminho. Ela fica três dias por semana no hospital e dois domingos por mês no orfanato, fora os estudos. Vão acabar se matando.
- Eu gosto do que faço, já disse. Não tenho culpa se ela puxou ao pai.
- Gosta das olheiras também? - pergunta Miguel. - Você está horrível. Daqui a pouco, vai precisar de um médico. É o cúmulo da ironia.
- Vá pra casa descansar hoje. É uma ordem, diz Jairo.
- A Tânia não está em casa. Viajou com a Bárbara pro Rio.
- É, eu sei. Me lembro que ela disse que tinha assuntos urgentes a tratar por lá. Vá lá pra casa então.
- Obrigado, doutor. Eu me arrumo no hospital mesmo. Não se preocupe.
- Mas não vai trabalhar, vai?
Cláudio demora a responder, olha para Miguel e diz:
- Não... Se não precisarem de mim...
- Não adianta, doutor Jairo. Esse não tem mais jeito - diz Miguel.
- Mas o senhor tem razão quanto a sua filha. Ela é jovem demais pra trabalhar tanto. Eu sei que ela gosta tanto quanto eu do que faz, mas...
- E você não é jovem? - Jairo pergunta. – Trabalhar no que a gente se propôs a seguir como missão é muito gratificante e nobre, mas pra cuidar dos outros, a gente tem que cuidar da gente mesmo, em primeiro lugar. Concorda?
- Claro, concordo demais, por isso eu insisto: dê o mesmo conselho pra Mônica. Eu sei me cuidar e sei dos meus limites. Cuide dela. Ela é muito nova pra trabalhar tanto. Quando ela se formar vai ter muito que fazer. Já conhece muito do trabalho, mas tem que se importar com os estudos, agora.
- É o que eu digo a ela. Eu propus que ela fosse fazer Medicina na Europa, sem contato com trabalho nenhum, só estudo. Sabe o que ela disse? "Não vou cuidar de gente da Europa. Quero cuidar de gente brasileira e aqui também tem boas faculdades." E ela quer fazer Enfermagem, não Medicina. Disse que isso ela deixa por minha conta. O que vocês querem que eu diga? Não posso dizer nada. Mônica é dona da cabeça dela e teimosa como eu.
- A Mônica tem muita opinião mesmo, diz Miguel. – O senhor só deve se orgulhar.
- E me orgulho mesmo. Só tenho feito isso nesses dezessete anos. Só peço a Deus que ela consiga fazer e ser o que quer. E por falar nisso... - ele olha no relógio. – Eu tenho que levá-la pra casa. Vocês ficam?
- Mais uns dez minutos, fala Miguel.
Jairo ergue-se, despede-se e sai do restaurante. Cláudio encosta o rosto no braço apoiado na mesa e fecha os olhos, parecendo tremendamente cansado. Miguel diz:
- Você não vai dormir aqui na mesa, vai?
- Do jeito que eu estou, durmo até no chão, se você me jogar na calçada.
- Não sei o que você ganha se matando desse jeito. Pra quê? Você não precisa disso. Nunca precisava nem trabalhar, se não quisesse.
- Já ouviu falar em objetivo de vida?
- Já, eu também tenho, só não tenho uma mulher me esperando em casa.
Cláudio ergue a cabeça e desabafa.
- Esse é justamente o motivo das minhas vinte e cinco horas de trabalho.
- Está tão apaixonado assim? - Miguel ironiza.
- E triste ter que admitir isso, mas eu dou graças a Deus por ter e gostar do meu trabalho. Eu não gosto é de ir pra casa. Tânia, às vezes, é tudo que eu não quero encontrar quando volto pra lá. Ela simplesmente não significa mais nada pra mim. E ainda por cima, existe um filho envolvido nesse casamento... estagnado. Não sei como eu pude deixar chegar nisso.
- Você pode não saber, mas ainda deve sentir alguma coisa por ela, lá no fundo. Senão, não teria ficado casado tanto tempo e ela não estaria grávida.
- Claro que sinto... Ela é uma mulher bonita. Eu sinto... respeito, amizade... desejo... mas amor... não existe mais há muito tempo.
- Olha, sinceramente, pelo que você já me contou, acho que você perdeu metade da sua vida com uma mulher que não ama, se é que um dia amou, por causa de uma tradição idiota que vai acabar te levando à loucura qualquer dia desses. Eu acredito que seu pai não seria tão egoísta a ponto de não entender, se você dissesse a ele que não quer mais ficar nesse casamento... estagnado, como você mesmo diz. Você precisa se libertar disso. Viver sua vida. Como o doutor Jairo disse: você ainda é jovem, cara!
Cláudio dá um leve sorriso e suspira.
- Eu já pensei nisso, mas o problema não é nem meu pai. Tem muita coisa envolvida.
- Por causa do bebê? Filho não prende marido, Cláudio. Não, se ele não estiver feliz.
- Não é só por ele... É sim, também, mas... é mais por ela. Eu não sei do que ela seria capaz de fazer se eu me separasse dela.
- Está falando do quê?
- Do comportamento dela. Numa das nossas brigas, há algum tempo atrás, eu meio que sugeri isso. Me separar dela. Ela não fez escândalo, não gritou nem reagiu. Só disse com muita calma que se eu a deixasse, ela se mataria.
- Como assim?
- Me deixou falando sozinho e se trancou no quarto.
- Ela pode ter blefado. Tânia é inteligente. Ela te conhece e sabe que você não ia querer isso.
- Seria bom se fosse, mas não é só blefe. Ela está obcecada por mim...
- Credo! Isso é uma coisa muito séria pra se dizer, amigo.
Cláudio ergue o corpo e apóia os dois braços na mesa.
- No início do ano passado, eu recebi uma carta de uma amiga íntima da primeira mulher do meu pai...
- Sua mãe...?
- É... e do Wagner... Ela morou aqui em Casa Branca por dois anos antes da morte da... minha mãe. Essa mulher ajudou meu pai em tudo quando ela adoeceu e ajudou a me criar e ao Wagner depois que ela morreu. Karen é o nome dela. Mora em Nova Orleans e escreve de lá algumas vezes pra mim pra saber como eu estou e ele e coisas assim. Quando a carta chegou em casa, eu não estava. Tânia recebeu e, como eu não me importo que ela veja minha correspondência, ela abriu a carta e leu. Eu nunca tinha falado da Karen pra ela. Nunca gostei de falar da minha infância com ninguém, mesmo com ela e a Karen faz parte dessa infância. Apesar de tudo que esse período da minha vida representa pra mim, eu gosto demais da Karen. Ela foi quase minha mãe, depois que a Christy morreu. E eu sei que ela gosta de mim como de um filho. Na carta, ela revela isso de uma forma muito carinhosa e, quando leu, Tânia entendeu tudo errado. Se ela tem ciúme até do meu irmão, pra você ter uma ideia, imagine o que deve ter pensado ao ler a carta de uma mulher dizendo que me ama.
- Caramba! Então você acha que ela pode fazer uma besteira, se você falar em separação.
- Não sei, mas eu não posso e não quero arriscar.
- E vai viver nesse inferno a vida toda? Se eu fosse você, explicaria a situação pra sua família e internaria ela num hospital psiquiátrico. Você não pode carregar esse problema nas costas sozinho. Do mesmo modo que ela é sua mulher, ela tem pais, um tio e um sogro influentes na cidade. Diga a eles que sua mulher está ficando neurótica e pronto.
- Não é tão fácil assim.
- É sim! Enquanto você passa dias e dias vivendo nesse tobogã emocional, perde a chance de encontrar alguém de quem você goste de verdade, que te ame também. Alguém que te dê uma família, no verdadeiro sentido da palavra. Família com filhos, tranquilidade, amor. Você tem vinte e sete anos, cara! Acorda!
- Pode ser que eu faça isso, mas não agora. Tem um problema bem maior estourando aí.
- Está falando do bebê da Mônica?
Cláudio olha para o amigo, surpreso.
- Bebê? Então ela está mesmo grávida? Você... já sabe também?
- Eu a examinei. Ela fez todos os exames comigo.
- E você não me disse nada.
- Eu não devia estar te dizendo nada nem agora. Ela me pediu segredo e acho que se eu fosse te contar naquela época, você não ia gostar de saber.
- E qual a diferença? Há quanto tempo você sabe disso?
- Eu não vou falar mais nada. É um segredo dela e ela mesma diz que é problema dela. Só dela.
- Foi o que ela disse ao Wagner. Ele está apavorado com isso. E eu também não entendi.
- E não vai entender. Pelo menos eu não vou explicar, ele diz, querendo se levantar pra ir embora, mas Cláudio segura seu braço e o impede.
- Agora você começou, vai terminar. Desembucha, Miguel.
- Não posso! Eu não devia nem ter começado, ainda mais que ela me pediu. Ela é minha paciente. Você não revelaria um segredo de uma paciente.
Cláudio reconhece que ele tem razão.
- Então por que começou?
- Reconheço que foi um erro meu, mas, de qualquer maneira, se, como você disse, a bomba estourar, tudo vai ficar esclarecido. É uma questão de tempo. A Mônica tem um pai muito inteligente. Ele vai descobrir mais cedo ou mais tarde e aí... a surpresa vai ser grande.
- Já foi surpresa quando ela contou pro Wagner que tinha se envolvido com ele, no dia da festa de aniversário deles. Eu não pensei que pudesse acontecer uma coisa assim com ela e ainda mais que ela acabasse colocando meu irmão na estória.
- Mas por que ela contou justamente pra ele? Eu não sabia que ele estava envolvido. Ela disse que... ele é o pai?
- O pior é que não, mas eles ficaram juntos na festa de aniversário deles, no dia trinta de outubro, e ela deu a entender que havia acontecido alguma coisa entre eles.
- Que rolo... - Miguel diz, intrigado.
- Por quê? O que você sabe sobre isso?
- Nada... mas sei que, se ela meteu ele nessa confusão, você tem que fazer alguma coisa pra ajudá-lo.
- Tenho, mas o quê?
- Não faço ideia, mas Wagner não tem nada a ver com isso.
- Ele estava bêbado na tal festa, embora não se lembre de nada do que aconteceu.
- Mas esse problema não é dele e você vai arranjar um meio de tirá-lo dessa encrenca. Tenho certeza. O problema dela é bem anterior a trinta de outubro.
Miguel se levanta. Cláudio o segue com os olhos.
- Se você sabe de alguma coisa que pode tirar meu irmão dessa roubada, fale, Miguel.
O médico olha para o amigo em silêncio por alguns segundos e finalmente fala:
- Não. Infelizmente eu não posso fazer nada. Sinto muito. Já me meti demais. Tchau, vai dormir um pouco. Boa noite.
************************
São oito horas da noite. Na Fazenda Quatro Estrelas reina o silêncio calmante que só é interrompido pelo cricrilar dos grilos, o latido de um cão na estrada ou pelo barulho que os animais fazem se movimentando nos estábulos e na cocheira.
Na casa, as luzes estão apagadas, com exceção a do quarto de Wagner, que teria chegado em casa dando pulos de alegria se tivesse vindo direto de Campinas, sem passar pela cidade.
Quando chegou, ele nem teve ânimo contar ao pai que havia passado no vestibular. Subiu sem querer falar com ninguém. Nem quis jantar, pretextando uma dor de estômago e por ter comido demais no almoço.
A conversa que teve com o irmão e depois com Mônica o deixou mais preocupado do que já estava antes. Ficou no quarto a tarde inteira.
Depois do jantar, Leonardo interroga a mulher a respeito deste mau humor enquanto lê o jornal.
- O que o rapazinho tem agora? Nem desceu pra jantar.
- Ele disse que é dor de estômago. Comeu demais na cidade. Deve ter comido besteira com os amigos. Tentei levar um antiácido, mas ele não quis. Acho que essa dor de estômago tem outro nome. Ele saiu dizendo que ia a Campinas ver o resultado do vestibular. Não deve ter passado. Isso é irritação.
- Se for esse o motivo, acontece - ele diz, servindo-se de uma xícara de café. - Ele tem muito tempo. Ninguém vai morrer por causa disso. Não conseguiu esse ano, consegue ano que vem.
- Eu vou perguntar se ele quer comer alguma coisa, um copo de leite, um pedaço de bolo... Não pode dormir de estômago vazio.
- Deixa ele. É melhor deixar que ele se acalme, Magda. Ele vai pensar um pouco, talvez já esteja até dormindo.
- Eu fico preocupada, ela diz sinceramente, olhando para o topo da escada. – Ele deve estar se sentindo péssimo. Deve ser muito duro esperar por uma coisa que se quer tanto e não conseguir. Apesar de tudo, em tudo que faz Wagner sempre quer fazer coisas pra te agradar. Quer fazer Agronomia pra te ajudar aqui na fazenda.
- Ele vai fazer quando for o tempo. Só tem que amadurecer um pouco mais, Leonardo diz, segurando a mão dela. – Eu amo você por esse amor que você tem pelos meus dois garotos.
Magda se senta no braço da poltrona em que ele está sentado e o beija.
- Vamos dormir? - sugere, sorrindo.
- É uma ótima ideia.
Wagner não consegue dormir. Rolou na cama a noite inteira até a madrugada e, cansado, resolve se levantar, pois, além de toda preocupação, o calor também está insuportável.
Vai até a sacada do quarto. A noite está linda e muito quente, apesar da aragem fresca. Apoia-se no parapeito e encosta o rosto nas mãos.
Por sua cabeça passam milhares de imagens que se misturam em frações mínimas de segundo. Primeiro, as mais recentes: o fato de Mônica passar mal no consultório, o rosto de Cláudio lhe abrindo seu possível futuro, o rosto do pai no dia do aniversário conversando calmamente com ele na biblioteca, os amigos na lanchonete, o nome dele na lista de aprovados no vestibular, o início da festa de aniversário dele e de Mônica, a confusão toda acontecida lá, todo mundo muito animado pelo fato de estarem muito altos, a mistura de bebidas, muito barulho, o som da vitrola incrivelmente alto e finalmente a inconsciência.
Wagner passa a mão pelo rosto suado devido ao calor. Isso o faz lembrar-se de imagens mais antigas: o casamento do irmão em sessenta e oito, a primeira vez que entrou no cinema em Casa Branca, a primeira vez que montou num cavalo, com dez anos, ajudado por Lopes, o tombo que provocou risos na família inteira por quase um mês, o nascimento de Diana que o deixou muito confuso por saber que não seria mais o filho caçula. Mal tinha começado a se acostumar com a ideia de que Magda estava ocupando o lugar de sua mãe. Uma mãe que ele mal havia conhecido e que só via por fotografias, mas que era a única de quem ele tinha conhecimento e em quem havia se acostumado a pensar como figura materna, mais que realmente não conhecia.
Magda tinha vinte e dois anos e iria ficar para sempre com eles, ao lado de seu pai, como sua mulher. Diana era, para os seus sete anos, um bebezinho esquisito, na sua opinião de criança de sete anos, deitado num berço que já tinha sido dele, no quarto do pai.
As imagens continuam. O casamento do irmão. O dia em que surpreendeu Cláudio chorando no quarto, semanas antes. Nunca tinha visto Cláudio chorar. Ao contrário, sempre tinha sido consolado por ele. O irmão estava sempre resolvendo seus problemas. Um brinquedo quebrado, apanhar uma fruta muito alta numa árvore, um corte num dedo ou um arranhão num joelho em consequência de uma travessura que o pai não podia saber.
Para ele, Cláudio nunca errava. Nunca levava "bronca" do pai. Nunca desobedecia. Nunca. Ele sempre quis saber como o irmão conseguia isso, mas nunca teve coragem de perguntar. Ele supunha que era uma coisa que um filho deveria saber, naturalmente, porque era natural em Cláudio, mas ele não conseguia. Ele não sabia. Amava o pai, mas não conseguia deixar de fazer o que lhe vinha à cabeça. O que tinha vontade.
Naquele dia, apesar de ter apenas onze anos, ele percebeu que o irmão não queria se casar. Que, como ele, não gostava de Tânia, ou não a amava a ponto de querer se casar com ela. Mas Cláudio não era como ele. Se fosse, teria coragem de dizer a todos a verdade e deixaria a noiva no altar se fosse possível. Mas havia o medo do erro. Ia cometer um, para não desapontar o pai. Wagner nunca entendeu direito por quê. Leonardo era severo, mas ele sabia que não era um tirano. Em sua cabeça, não o via punindo Cláudio por dizer a verdade.
Havia um amor filial diferente que unia Cláudio ao pai que ele não entendia. Com certeza não era o que ele sentia. Ele nunca contrariaria sua vontade para fazer a vontade do pai. Não, se a decisão fosse tão séria quanto um casamento sem amor.
Wagner é acordado dessa série de pensamentos por uma voz vinda debaixo da sacada. No meio da escuridão, alguém chama:
- Ei! Oh, Romeu abandonado, escuta! - a voz diz em tom teatral e num sotaque português que parecia música.
Ele fixa os olhos na escuridão e começa a ver a silhueta de uma pessoa que, pela voz, parece ser uma garota.
- Quem é? Quem está aí?
A pessoa se aproxima mais. É realmente uma moça.
- Meu nome é Linda. Eu estou perdida nesse fim de mundo. Você pode me ajudar?
Wagner fica algum tempo impressionado com o tom de loiro que ela tem nos cabelos. É a primeira vez que vê cabelos tão claros, quase brancos, numa pessoa tão jovem. É interrompido novamente pela voz dela. Ela tem um sotaque diferente que ele presume ser realmente português.
- Pode ou não pode? Se não puder, eu me mando.
- Como você conseguiu entrar aqui? A porteira...
- Eu entrei pelo pasto. Tem uma parte em que a cerca tem um espaço e eu passei por lá. Só preciso de ajuda, por isso entrei.
- Mas tem meio metro entre...
Ele para de falar quando, olhando melhor, percebe que a garota é muito magra e esguia.
- Espera um pouco. Eu já vou descer. Você está a pé?
- Não. Deixei meu Rolls Royce na estrada. Que pergunta mais besta. Claro que estou a pé. Senão não estaria perdida.
Ele sorri e percebe que a pergunta foi mesmo idiota.
- Espera...
Sai da sacada, veste o roupão e sai do quarto. Desce as escadas tentando fazer o mínimo barulho para não acordar ninguém. Abre a porta e sai, dando a volta pela casa até onde ela está. A moça sorri ao vê-lo se aproximar. Está vestida com um jeans batido, camiseta de malha preta, jaqueta de couro e tem uma mochila nas costas tipo capanga.
- Oi, que bom que você desceu.
- Oi... ele diz, medindo-a de alto a baixo, ainda meio desconfiado.
- Que foi? Nunca viu uma moça?
- Não a essa hora da noite, num lugar como este e... vestida desse jeito.
- Desse jeito como? O que tem meu modo de vestir? - ela pergunta, olhando pra si mesma.
- Bom... não é muito comum por aqui.
- E como é que as moças por aqui se vestem? Vestido de chita e lacinho na cabeça? - ela pergunta numa gozação.
Wagner não gosta daquela atitude.
- Basta dizer que elas se vestem como... moças. De onde você está vindo? De Portugal? - ele cutuca.
- Xi, acho que não vou gostar daqui. Não, não estou vindo de Portugal. Eu estou vindo de São Paulo. Lá tem a maior diversidade de pessoas do país e do mundo inteiro, já ouviu falar?
Ele vê que ela vai continuar provocando, chamando-o de caipira ignorante, mas não se rende.
- Já, o suficiente pra compreender que é de lá que saem as pessoas mais esquisitas... de todos os países do mundo.
- Quem não está acostumado, estranha mesmo. Ainda mais quem nunca saiu do lugar onde vive.
- Pra onde é que você vai ou... estava indo? ele desconversa.
- Casa Branca, fica longe?
- Não, quatro quilômetros naquela direção, ele aponta para as luzes da cidade ao longe. – Se você for a pé, leva uma hora e pouco.
- Ei! Quem disse que eu vou andar mais quatro quilômetros nessa escuridão no meio desse mato todo?
- Não tem perigo nenhum. Aqui não é como São Paulo. Não tem ladrão nem tarado. Só um ou outro quati, algum gato do mato, cachorro...
- Pois eu prefiro enfrentar todos os ladrões de São Paulo a ter que andar no meio dessa floresta.
Wagner respira fundo e percebendo que a moça fala aquilo tudo mais para provocá-lo que para ofendê-lo, reprime um sorriso e diz:
- Bem, se era só isso que você queria saber, o caipira ignorante aqui quer ir pra cama dormir.
- E vai me deixar aqui sozinha? - ela diz, segurando no braço dele, parecendo temerosa e olhando em volta.
Wagner olha para a mão dela, apertando seu braço.
- Mas você não veio sozinha até aqui?
- Não, vim de carona. O homem do caminhão me deixou na estrada porque viu luz na sua janela e percebeu que era uma fazenda. Achou que alguém poderia me ajudar.
- E por que ele não te levou até a cidade?
- Porque ele não ia para a cidade. Estava indo para outra direção. Santa Cruz não sei das quantas...
- Das Palmeiras, ele termina.
- É, isso aí mesmo. Será que não dava pra arranjar algum lugar pra eu dormir? Podia ser aqui fora mesmo. Isso aqui parece tão grande. Você não mora sozinho, mora?
- Não, claro que não, mas você não pode ficar em lugar nenhum aqui fora, a não ser que queira dormir com as vacas ou com os cavalos no seleiro.
Ela faz uma careta de repulsa e Wagner sorri.
- Logo vi que não. Tem também o armazém, mas fica um pouco longe da casa grande. Você vai se sentir sozinha lá. Ainda não tem luz elétrica... como em São Paulo. Só lampião a gás e a gente não acende essas coisas... perigosas aqui. Fogo não combina com feno ou palha. Se é que você me entende.
- O que tem nesse armazém?
- Ração para os animais, feno em fardo para os cavalos, ferramentas, dois tratores...
- Cabem dois tratores lá?
- Não sei se você percebeu, mas isso aqui é uma fazenda de gado, não um hotel.
- Desculpe. Eu estou nervosa, sozinha... Não quis te ofender. Só quero descansar um pouco e seguir viagem de manhãzinha bem cedo. Ninguém vai nem saber que eu estive aqui.
- Linda, não é?
Ela balança a cabeça, afirmando.
- Vem comigo. Eu te mostro o armazém.
A moça hesita, desconfiada.
- Você disse que não tem luz elétrica lá?
- Já falei que tem um lampião. Tem cinco cavalos de potência.
Ela continua hesitante. Wagner ri.
- Pode ficar tranquila. Eu não costumo levar garotas lá. É muito desconfortável. Vem.
Se estivesse mais claro, ele perceberia que ela ficou levemente vermelha, mas o segue sem mais objeções. Wagner abre a porta do armazém, dez metros longe da casa. Entra primeiro, pega o lampião pendurado perto da porta do lado de dentro na parede de madeira, acende-o e quando vai chamar a moça, sente alguma coisa gelada em sua nuca e a voz de um homem que diz:
- Quietinho, garoto, ou leva chumbo. Coloca o lampião no chão bem devagar.
Wagner obedece, tentando evitar o nervosismo, amaldiçoando ter sido tão educado com a garota.
- Que é isso? Filme de faroeste? - pergunta, procurando se acalmar.
- Chega de conversa, diz o homem, empurrando-o para dentro, para perto dos tratores que ficam no fundo do armazém e encostando-o num deles. Só ali, Wagner pode ver que além daquele, há mais dois homens armados, um com outro revólver e outro com um punhal, além da moça, que parece estar com eles, pois apenas observa tudo, impassível. Wagner olha para ela e diz:
- Bonita encenação. Já tentou o cinema?
Ela não responde. O rapaz que o havia empurrado retira de uma mochila uma corda comprida e joga para os outros dois que começam a amarrar suas mãos nas costas.
- Qual é a próxima cena? - Wagner pergunta, sentindo as pernas tremerem, mas evitando demonstrar o medo.
- Você vem com a gente, ela diz.
- Não pensei que você tivesse gostado tanto de mim, ele diz sorrindo, parte pelo nervosismo.
- É melhor você calar a boquinha, cara - diz o que segura a arma. – Chega de gracinha.
- Seu desejo é uma ordem. Você é o namorado na gatinha?
Wagner recebe um soco que o derruba no chão. A garota se aproxima dele e tenta ajudá-lo a se levantar. Ele sente o rosto pegar fogo e só não chora pela raiva que sente de tudo que está acontecendo.
- Para com isso, Teo. Ele não disse nada demais. A gente precisa dele inteiro.
Ela o ajuda a se recompor.
- Você consegue andar?
- A pergunta é se eu quero. Posso responder que não? Isso é sequestro, rapto ou o que diabo é?
- Sem perguntas, tá? Vem, sem reação, senão vai ser pior pra você - ela diz.
Os outros dois rapazes seguram Wagner pelos braços e saem como ele do armazém, levando-o para longe da fazenda por uma picada no meio do mato. Wagner tenta a todo o momento olhar para a casa, ansioso que alguém acorde, mas nada acontece. Só a luz de seu quarto continua acesa.
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Logo que acorda, Mônica coloca o roupão e desce para tomar café com o pai.
- Bom dia, papai! - ela diz, envolvendo-o no pescoço e beijando sua testa.
- Bom dia, anjo! Dormiu bem?
- Como um anjo, ela diz, sorrindo e sentando-se. Apanha uma torrada e se serve de uma xícara de café com leite. - Hoje, eu não vou para o colégio, viu?
- Nossa! Que milagre é esse? Eu pensei que você fosse começar a morar na escola e no hospital. Você não para mais em casa. É do colégio pro hospital e vice versa.
- Eu preciso... ter uma conversa séria com você...
- Conversa séria?
- E eu tenho uma coisa importante pra te dizer.
- Coisa importante? Hum, que será?
- É sério mesmo, pai, ela fala, ficando séria, unindo as mãos sobre a mesa.
Jairo força um ar também sério e pede, erguendo a xícara de café:
- Vamos lá. O que é, filhinha?
- Papai, é sério mesmo.
Ele fica sério de verdade e apreensivo.
- Algum problema, filha?
Ela afirma com a cabeça, sem tirar os olhos dos dele.
- Eu estou grávida.
Jairo não se move por algum tempo, depois olha para a xícara de café em sua mão e a coloca lentamente sobre o pires, depois respira fundo e tenta sorrir.
- Filha, que brincadeira é essa?
- Não é brincadeira. Se você quiser, eu mostro todos os exames. Foram todos feitos lá mesmo na Santa Casa...
Ele se levanta, coloca as mãos nos bolsos e começa a andar lentamente em volta da mesa já que não sabe o que fazer.
- Fala alguma coisa, ela pede, não menos nervosa.
Ele para e olha para a filha, nitidamente perturbado.
- Eu pensei que não tivesse mais que pensar nisso. Pensei que tudo já estava bem... Não tenho nem que perguntar quem foi, não é? Foi aquele cretininho do Wagner Valle...
- Pai, você não vai desconfiar de ninguém sem ter a minha palavra antes. Nós estamos falando de mim.
Jairo volta a se sentar à mesa do lado oposto do dela. Mônica se levanta e vai até ele, mas quando se aproxima, ele se ergue e se afasta bruscamente, saindo da casa. Pega o carro e sai da garagem queimando pneus.
- Pai... - ela diz, em voz baixa, imaginando onde ele deva estar indo.
Ela vai até o telefone, meio tonta e liga para o hospital, mais especificamente para o consultório de Cláudio. Ele está no intervalo de uma consulta e atende:
- Santa Casa de Casa Branca, Cláudio Valle.
- Cláudio! ela diz quase sem voz.
Ele reconhece a voz dela.
- Oi... Bom dia, Mônica. Tudo bem? - ele diz.
- Preciso de você. Papai está indo para a fazenda.
- O... quê? Que fazenda? A do meu pai?
- É, e acho que... pra fazer nada de bom.
- O que aconteceu?
- Eu disse a ele.
- Disse... o quê?
- Que eu estou grávida.
Ele para e fica em silêncio por um momento.
- Você ainda está aí? - ela pergunta.
- Você ficou maluca?
- Ele ia ficar sabendo de qualquer forma e talvez por outros meios. Preferi eu mesma dizer tudo. Só que ele nem esperou que eu explicasse nada. Já pensou no Wagner e saiu feito um doido. Vá atrás dele, por favor. Eu não quero que nada aconteça ao seu irmão. Ele não tem culpa de nada.
- Pelo menos o Wagner sabe disso?
- Sabe, sabe desde o começo disso tudo. Impeça meu pai, por favor.
- Vou tentar.
Cláudio desliga o telefone, passa as mãos pelos cabelos procurando pensar e se levanta, indo avisar Regina que vai precisar sair para uma emergência e, em seu carro, tenta pegar o caminho mais curto até a estrada principal que leva até a fazenda Quatro Estrelas e consegue, por uma fração de segundos.
Ladeada pelo capim amarelado, corre a estrada de terra, caminho aberto pelo avô de seu pai, quando a família Valle chegou ao Estado, vinda de Minas Gerais.
Ali foi construída uma pequena casa que mais tarde seria transformada em sítio e fazenda posteriormente, mas mesmo depois da construção da rodovia, o caminho de terra foi conservado.
Já próximo à bifurcação com a estrada, ele avista o carro de Jairo, pois a vegetação é baixa e não há muitas árvores por lá. Por sorte, não é uma estrada de muito movimento e Cláudio consegue alcançá-lo, ultrapassando o carro de Jairo e colocando seu carro atravessado na estrada na frente do dele. Jairo é obrigado a parar para evita um acidente. Cláudio desce do Mercedes e se aproxima da porta do motorista do carro de Jairo, ofegante e nervoso.
- Vamos voltar, doutor.
- O que você está fazendo aqui?
- Vim evitar que o senhor faça uma bobagem.
- Como você...
- A Mônica ligou pra mim. Ficou com medo de... Doutor, o senhor é médico, não nasceu pra ferir ninguém, ainda mais um inocente...
- Esse irresponsável não é inocente! Ele pode ser seu irmão, mas... ele fez mal pra minha filha, Cláudio! Minha Mônica está grávida!
Vendo que Cláudio não se surpreende, Jairo deduz por si só.
- Você sabia, não é?
Cláudio não responde, mas seu silêncio diz tudo.
- Pra que eu quero amigos? Pra ser traído assim?
O médico se debruça ao volante e começa a chorar.
- Eu só tenho ela, Cláudio. É minha única filha. Eu fiz tudo por ela, dediquei minha vida inteira pra educá-la. Não quis me casar de novo pra que ninguém viesse interferir na nossa amizade, nossa união. Eu não queria outra mulher que fosse o que a mãe dela foi. Fiz tudo, tudo pro bem dela, pra felicidade dela. Não era esse o futuro que eu queria pra minha Mônica.
Cláudio abre a porta do carro e pede:
- Me deixe entrar, doutor. Vamos voltar pra cidade. O senhor não está bem. Não está raciocinando.
Jairo não reage. Passa para o banco do passageiro e Cláudio retira a chave do carro. Precisa tirar o seu do meio da estrada e teme que, nervoso como está, Jairo vá querer seguir adiante com o que pretendia fazer. Ele coloca seu carro no acostamento e volta para a cidade no de Jairo. Ao chegarem na casa do médico, Mônica os recebe, aliviada.
- Obrigada, diz a Cláudio, mas olhando para o pai, que se recusa a olhar para ela.
Jairo se senta no sofá pesadamente, colocando as mãos na cabeça.
- Eu devia ter passado por cima do seu carro na estrada, Cláudio. Seu irmão merece uma surra como seu pai nunca deu.
- Eu não disse que é do Wagner, papai, ela declara.
- Então quem foi!? - ele grita se levantado. – Me diga pra que eu possa matá-lo com toda a razão que está comigo agora, Mônica!
- Isso não interessa mais, papai.
- Como não interessa? Esse canalha tem que pagar pelo que fez. Você é menor! Ele tem que assumir essa criança! Tem que se casar com você!
- Ele já é casado, ela sussurra, com a voz quase sumindo na garganta pela vontade grande que sente de chorar.
Cláudio e Jairo olham para ela, surpresos, por razões diferentes.
- Casado?... - diz Jairo, afastando-se dela e começando a andar pela sala. – Casado? Mas quem... quem você conhece nessa cidade que...
- Ele não é de Casa Branca. Eu o conheci durante um Congresso de Enfermagem no início do ano e me apaixonei, mas não há mais nada entre nós, ela continua. – Acabou, quando eu descobri que ele era casado.
Jairo volta a se aproximar dela e fica olhando para o rosto da filha sem acreditar.
- O assunto agora sou eu, pai. Se você me permitir continuar aqui com você, tudo bem. Se não, eu vou embora, hoje mesmo.
Jairo vai para perto da janela e não responde. Mônica se aproxima dele e quer tocá-lo, mas não consegue.
- Papai... diz alguma coisa, por favor... Você me aceita aqui?
- Se você for embora... vai viver como... com esse... com essa criança?
- Eu posso continuar trabalhando, como sempre fiz. Posso continuar no orfanato com a tia Bárbara. Ela não ia se negar a me ajudar numa situação dessas. Eu posso me virar.
- Eu ainda acho que você está querendo encobrir o nome daquele irresponsável.
- Posso te assegurar que... o Wagner foi só um pretexto que eu arranjei pra... deixar o verdadeiro pai do meu filho bem longe disso tudo.
- Diga pelo menos de onde ele é, Mônica. Essa estória está muito mal contada. Se esse canalha não é de Casa Branca, de onde ele é?
- Já disse que não interessa mais, pai. Vamos resolver logo isso. Eu posso ficar ou não?
Jairo olha para Cláudio e de novo para a filha. Vai sentar-se novamente e desesperado diz:
- Claro que pode. Como eu posso recusar isso?
- Pode, ela diz, sentando-se ao lado dele, mas mantendo certa distância. - Se você não quiser, não é obrigado a me manter aqui, se não confia mais em mim.
- Me diga o nome dele pelo menos.
- Não posso, pai, ela diz com as lágrimas rolando pelo rosto. – Se essa for a condição... eu vou embora. Não me obrigue a fazer isso.
- Você é a única coisa que eu tenho nesse mundo... O que eu vou fazer sem você, filha?
A voz dele está embargada pela emoção. Apesar de toda a firmeza de opinião, Mônica não pode deixar de sentir um nó incômodo na garganta e um enorme sentimento de culpa.
- Eu te prometo que... nada vai ser diferente, pai. A gente vai continuar sendo os velhos amigos de sempre... se você quiser. Eu ainda te amo.
Depois de alguns instantes olhando para ela, Jairo abraça a filha.
- Eu quero. Quero sim. Também te amo, meu amor. Não posso deixar minha única filha desamparada numa situação assim.
Cláudio vê que está sobrando ali e, para deixar os dois mais à vontade, sai da casa. Ainda tonto por tudo que ouviu, como está sem seu carro, vai andando até o centro da cidade com o pensamento de pegar um táxi e ir até a fazenda falar com o irmão. Ao chegar à praça da matriz, olha para a velha igreja que tem Nossa Senhora das Dores como padroeira e pede:
- Perdão, mãe, mas cuida dela pra mim, pelo amor do seu Filho.
Os olhos dele se enchem de água, mas ele não deixa que as lágrimas caiam. Vai até o hospital avisar que vai se ausentar pelo resto da tarde.
Lá encontra Miguel, que ao vê-lo chegar, pergunta.
- Onde você estava? Está tudo bem?
- Mais ou menos. Eu vou ter que ir até a fazenda. Preciso falar com o meu irmão. Eu só vim avisar o pessoal. Você pode fazer isso por mim? Pede pro Renato me cobrir essa tarde. Eu não demoro.
- Está tudo bem mesmo? Você não parece bem.
Cláudio não ouve o que ele falou.
- Seria mais fácil se o Wagner viesse até aqui. Não acho muito prudente falar nesse assunto lá em casa. Eu tenho medo... que minha irmã escute alguma coisa... Ela é um desastre...
- Falar do quê? Que assunto?
- Da... gravidez da Mônica.
- Você ficou sabendo de alguma coisa?
Cláudio balança a cabeça afirmativamente, mas não diz nada. A garganta arde. Miguel percebe que ele não quer dizer e respeita o amigo.
- E você acha que ela diria alguma coisa pra alguém, se ouvisse o que não deve?
- Ela é uma língua solta nata. Não por maldade, simplesmente pelo prazer de armar uma travessura... ainda mais se o Wagner estiver envolvido.
- Telefone pra ele.
- Não posso falar por telefone. Eu quero estar perto dele quando ele souber. Vou aproveitar que agora de manhã ela está aqui na cidade, na escola. E tenho que pegar meu carro que ficou na estrada.
- Como? Ficou na estrada? O que ele foi fazer lá sozinho?
- É uma longa estória. Eu volto logo.
- Vai tranquilo, eu aviso o Renato e as atendentes. Quer meu carro?
- Não, obrigado, eu vou de táxi. Pego um na praça da matriz. Se levar o seu, não vou poder trazer de volta.
- Claro. Vai com Deus, mas... Cláudio?
O rapaz para e espera.
- Você já sabe de quem é o bebê dela?
Cláudio apenas olha para o amigo por um instante e responde:
- Você também sabe... Por que pergunta...?
Dá as costas e sai.
RETORNO AO PARAÍSO – ERA UMA VEZ... CASA BRANCA
PARTE 4