RETORNO AO PARAÍSO
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Capítulo 7 ERA UMA VEZ... EM CASA BRANCA...

ERA UMA VEZ... EM CASA BRANCA...

PARTE VI

Magda dorme sob o efeito de um sedativo aplicado por Mônica. Elis está deitada no colo de Mônica com o olhar sonolento e olha para mãe ainda sem entender o que acontece. Mônica a embala suavemente. Ele entra no quarto e se aproxima delas. Abaixa-se e desliza a mão na testa da menina, suavemente.

- Você não quer dormir no seu berço, bonequinha?

- Não... - ela diz visivelmente sonolenta.

Cláudio sorri, imaginando que, do jeito que está cansado, aquele lugar seria de onde nunca mais sairia, se pudesse.

- Deixa, Mônica sussurra, sorrindo, sem parar de embalá-la. - Ela vai dormir.

Cláudio fica junto das duas. Elis segura a mão dele envolvendo seu dedo indicador com a pequena mãozinha e deixa-se ficar olhando para o rosto de Mônica, com seus grandes olhos pretos, como os do pai. Mônica desliza os dedos sobre eles, fechando-os, mas Elis teima em abri-los, sorrindo preguiçosamente. A brincadeira se repete várias vezes até que, com o balanço suave e os carinhos de Mônica, ela fecha os olhos de vez e dorme.

- Você vai ser uma boa mãe, Cláudio diz em voz baixa.

Ela não responde. Depois de ter plena certeza de que a menina está dormindo, beija sua testa e pede:

- Põe ela no berço pra mim?

Cláudio retira a irmã de seu colo com cuidado e a leva até o berço, cobrindo a menina. Depois vai até Magda e observa seu rosto, sentando-se na cama ao lado dela. Ela dorme tranquilamente.

- Obrigado, ele diz, olhando para Mônica.

- Foi pra isso que eu vim. Eu sei do amor que ela tem pelo Wagner. Não deve ser fácil a incerteza de saber se um filho está bem ou não. Ela tem o direito de se desesperar... só acho que desespero no momento não vai adiantar de nada.

- Eu vivo repetindo isso pras mães que têm filhos em estado grave no hospital, a todo o momento, mas essa frase perde totalmente o efeito quando se trata da gente. Esperar é a parte mais difícil.

Ela se levanta.

- Vamos deixar a Magda dormir. Vou ver se a Matilde precisa de ajuda pra preparar um café pra todo mundo. Se você não arrumar alguma coisa pra fazer vai ser pior. Procure não pensar muito.

Ele também se levanta.

- Você já consegue não pensar em como vai criar seu filho sozinha? - ele arrisca a pergunta.

- Cláudio...

- Por favor, responde.

- Eu vou criar meu filho, sozinha... porque ele é só meu.

- Você é corajosa.

- Não, não sou, não do jeito que você pensa. Se fosse corajosa não tinha feito o que fiz, envolvendo o Wagner nisso. Não teria dito nem pra ele. Mas eu fiquei com medo e precisava de apoio.

- Um apoio que você não vai ter. Ele não vai te ajudar em nada.

- Outra prova da minha covardia. Eu não tenho coragem de assumir um casamento sem amor. Eu tenho medo de ser infeliz me casando com ele.

- Eu tenho certeza de Wagner nunca te faria infeliz.

- Voluntariamente, não, mas ele não é o marido que eu quero. Nem eu sou a mulher ideal pra ele. Melhor ficar sozinha.

- Tomara que você não se arrependa dessa decisão tarde demais.

Alguém bate à porta levemente e a abre em seguida. É Tânia que, ao ver os dois, pergunta, com certa ironia:

- Atrapalho?

Nenhum dos dois responde. Ela entra, olha para Magda e se aproxima do marido, colocando a mão em seu peito.

- Você vai dormir aqui?

- Vou, mas você não precisa ficar se não quiser.

- Você não parece bem, ela passa a mão por seu rosto. - Acho que nem almoçou hoje.

- Quem pensa em comer numa hora dessas? – ele diz segurando a mão dela. - Mas não se preocupe. Eu estou bem.

Ele vai dar uma última olhada em Magda e depois fecha as cortinas da janela. Mônica vai sair do quarto e Tânia pergunta, antes que ela saia:

- Então a bomba estourou mesmo, hein?

Mônica e Cláudio olham ao mesmo tempo para ela.

- O que foi? - Mônica pergunta, fingindo não entender o que a prima disse.

- O resultado da festinha. Tio Jairo contou pros meus pais. Eu imaginei que aquilo não podia dar em outra coisa.

Mônica não se altera, muito pelo contrário, sorri e diz:

- Pois é, estamos na mesma situação... prima.

- Não, não estamos. Eu sou casada com o pai do meu filho. Ao contrário de você.

Mônica olha para Cláudio e depois novamente para ela e retribui:

- Mas apesar disso, o pai do meu filho me ama.

- Mas fugiu daqui pra se livrar da culpa.

- Você não tem nem ideia do que está falando...

Ela sai do quarto sem esperar resposta. Tânia gritaria, se não estivesse onde está, mas contém a explosão.

- Quem ela pensa que é pra falar desse jeito comigo?

- Mônica Martinelli Telles... sobrinha do seu pai, sua prima, ele responde. - Tem o mesmo sangue que você nas veias e vai ter um filho, como você. Você nunca consegue demonstrar o mínimo de respeito pelas pessoas, mesmo sendo da sua família.

- Você está brigando comigo por causa dela?

- Eu não estou brigando com você, ele diz calmamente. - E se estivesse, seria por sua causa mesmo. A gente só briga por sua causa. Lembre-se disso no futuro.

Os olhos dela se enchem de água.

- Não começa com isso, Tânia, Cláudio continua. – Você magoa as pessoas, eu interfiro e sempre acaba em lágrimas. Por que você não pensa antes de falar alguma coisa cruel?

Ele sai do quarto e ela o segue.

- Eu vou te levar pra casa, ele diz, descendo as escadas.

- Eu vou ficar, ela diz.

Cláudio para e se volta.

- Vai?

- É o mínimo que eu posso fazer. Você tem razão. Eu tenho que ficar ao lado da família num momento difícil como esse. Wagner é meu cunhado.

- Mas você não gosta dele. Não tem obrigação nenhuma.

- Mas gosto do seu pai, da Magda e amo você. Vocês estão sofrendo. Não é justo que eu fique em casa. Eu vou ficar.

- Muito bem. Você é quem sabe.

Na manhã seguinte, como foi combinado no dia anterior, Beto vai com a caminhonete do pai para a praça da matriz esperar a turma toda que vai voltar junto a Quatro Estrelas para continuar dando apoio à família Valle pelo desaparecimento de Wagner. Sandra chega logo em seguida. Ela o beija e se senta ao lado dele no banco da praça.

- Como é que você está? - ela pergunta, acariciando seu rosto. – Conseguiu dormir?

- Pouco e... quando consegui, tive um sonho muito estranho.

- Sonho? Que sonho?

- Foi quase um pesadelo.

- Quer me contar?

- Eu acho que vai ser até melhor. Dizem que quando a gente conta um sonho ruim, ele não acontece. E eu não quero nem pensar em ver de novo o que eu sonhei...

- Então conta.

- No sonho... eu via um cara que parecia o Wagner, mas não era ele, não sei bem explicar... era igualzinho a ele: cabelo claro, cacheado como de anjo, feito o do Wagner...a roupa era igual a que ele foi com a gente pra Campinas, lembra? Tudo era igual, mas eu só não conseguia ver o rosto dele... De repente, alguém, que eu também não consigo ver, começa a bater muito nele, um soco atrás do outro, como se estivesse com um ódio enorme, muita raiva mesmo... O Wagner desmaiou e mesmo depois de desmaiado, a pessoa continuava batendo nele sempre e com mais força. Como eu não conseguia fazer nada, nem gritar pra aquilo parar, tentei fechar os olhos e não ver mais, mas toda vez que eu abria os olhos, a cena estava lá na minha frente, horrível... Aí, a pessoa parou de bater nele, pegou um punhal e quando ia desferir o golpe, eu acordei... assustado e suando em bicas. Eu devo ter gritado, não sei. Meu irmão também acordou e estrilou comigo por isso.

- Que coisa horrível, Beto.

- Não conta isso pra turma. Não quero assustar ninguém.

- O Wagner está bem, amor. Foi só um sonho ruim.

- Vamos rezar pra que não seja outra coisa senão isso. Meu amigo não merece passar por uma coisa assim.

- Será que dava pra gente passar na igreja do Desterro antes de ir pra fazenda?

- Claro... – ele diz beijando a namorada.

A turma toda vai chegando à praça. Até Leo que voltou de Ribeirão Preto quando recebeu o telefonema de Beto contando o ocorrido. Todos sobem na caçamba da caminhonete que sobe a estrada do Desterro. Ao chegar ao largo da pequena igreja que tem em sua fachada principal um imenso painel feito com pastilhas retratando a fuga de Maria e José com o Cristo menino para o Egito, criado pelo professor Ganymédes José, escritor muito conhecido na cidade, Sandra pede para parar. Quer fazer uma prece a Nossa Senhora do Desterro pelo Wagner.

Todos concordam e fazem o mesmo, depois seguem viagem.

Na fazenda quase ninguém conseguiu dormir. Apenas Magda, sob efeito de sedativos, Diana, Elis e Tânia que, por mais que tentasse mostrar boa vontade e dando a desculpa de querer cuidar de Magda, deitou-se na cama ao lado dela e dormiu também.

Durante a madrugada pouco se conversou. Apenas o tique taque do relógio da sala diz alguma coisa: que o tempo passa e que tudo continua no mesmo ponto.

Jorge e Jairo, que chegou com o irmão à noite para dar apoio ao amigo, fazem companhia a Leonardo na biblioteca. Mônica e Bárbara ficam na cozinha com Matilde que está um pouco mais calma, mas não totalmente refeita. Chora de vez em quando, ao se lembrar do jovem patrão. Cláudio fica na sala, junto do telefone, torcendo para ouvi-lo tocar.

Às quatro da manhã, ele se levanta e abre a grande janela da sala. Os nervos estão em frangalhos. Ele coloca uma cadeira perto dela e se senta, apoiando os braços no parapeito. A noite está bonita e silenciosa. Ele esconde o rosto nos braços e não consegue mais segurar. Começa a chorar, tentando não ser ouvido.

Mônica vem à sala para lhe trazer um café e o vê ali. Coloca a bandeja sobre a mesa de centro e se aproxima dele. Toca seu ombro e segura sua mão. Ele se assusta e levanta a cabeça, mas quando vê que é ela a envolve e se abraça a sua cintura. Chora ainda mais. Ela não diz nada, apenas limita-se a acariciar seus cabelos, com as próprias lágrimas escorrendo pelo rosto também em silêncio.

Quando ele se acalma, se afasta dela devagar e percebe o que está acontecendo, toca sua barriga e ao se sentir tocada, Mônica se afasta.

- Desculpe... - ele diz, levantando-se e enxugando o rosto, afastando-se dela.

- Vim trazer um café.

- Eu não quero café e também não aguento mais esperar. Vinte e quatro horas... Um dia inteiro sem nenhuma novidade, um telefonema, uma maldita notícia, nada! Eu vou apelar para a polícia de Campinas, Ribeirão, até São Paulo, sei lá... Meu pai tem amigos em todo Estado. Meu irmão não está por aqui. Deve ter sido levado para outra cidade ou até pra Minas, porque... eu não quero acreditar que ele esteja...

- Posso te dar um conselho? – Mônica interrompe seu pensamento.

- Qual?

- Suba, tome um banho, troque de roupa, coma alguma coisa, depois vá falar com seu pai. Você está com uma cara horrível... doutor.

Ele se permite sorrir e esfrega o rosto cansado e molhado.

- Acho que vou aceitar o conselho. Eu já passei várias noites em claro sem dormir, mas sempre tinha alguma coisa pra fazer e não dava pra parar e pensar que alguém estava precisando de mim e eu não podia ajudar. Dessa vez... eu não sei o que fazer... e a sensação é... horrível.

- Já parou pra pensar que desta vez pode não ser você que tenha que fazer alguma coisa?

- Acho que você tem razão de novo ou estou muito cansado pra questionar.

- Não questione agora. Eu sei que você vai saber o que fazer quando se refizer.

Cláudio sobe, toma um banho no quarto do irmão, coloca roupas dele e, antes de sair, olha para a fotografia de Christy, num porta-retratos no criado-mudo ao lado da cama de Wagner. Senta-se na cama e o toca de leve.

- Dizem que as pessoas morrem e vão pra um plano que muita gente não entende e não pode explicar... Seja lá onde você estiver... cuida do teu filho... Eu sei que você deve tê-lo amado muito, apesar de tudo, e ainda deve amar... Cuida dele.

Ele se levanta e sai do quarto. Passa no quarto de Magda para vê-la, mas só vê Tânia deitada na cama, dormindo. Elis também dorme no berço, mas Magda não está.

Desce e encontra Mônica ainda na sala.

- Você viu a Magda?

- Ela desceu agorinha. Disse que ia até a capela rezar um pouco. Eu quis ir com ela, mas ela disse que queria ficar sozinha.

Cláudio sai da casa indo até a capela da fazenda que fica no meio de um jardim repleto de primaveras e roseiras. A capela foi construída a pedido da mãe de Leonardo nos anos vinte e Magda passou a cuidar do jardim e de todo o lugar como se fosse dela, depois que se casou com ele.

O pequeno santuário tem como padroeira Nossa Senhora do Rosário e foi para lá que Magda foi.

Quando Cláudio entra na capela vê a madrasta ajoelhada no genuflexório de um dos primeiros bancos com as mãos postas e a testa apoiada nelas. Ele faz o sinal da cruz ao entrar e senta-se no mesmo banco em que ela está mantendo certa distância. Quando termina a oração, Magda se benze e senta no banco. Quando percebe que ele está ali, aproxima-se e o abraça apertado por um longo tempo.

- Você está com o cheiro dele... - ela diz, quase num sussurro.

- Tive que colocar roupas dele, depois que tomei banho... Incomoda você?

- Não! Claro que não! - ela diz se afastando e acariciando a camisa.

- Você está melhor? - ele pergunta.

- Estou. Mônica foi mesmo de grande ajuda vindo pra cá. Ela foi um verdadeiro anjo cuidando da minha Elis e colocando nós duas para dormir... - diz ela sorrindo. - Eu vim pra cá... pedir perdão...

- Perdão? Por quê?

- Por ter sido tão fraca numa hora em que meu marido precisou de mim. Você precisou de mim... e eu só soube chorar e...

- Para com isso! Pelo amor de Deus, para com isso. Qualquer mãe se sentiria do jeito que você se sentiu se passasse por uma situação igual, Magda.

- Não, Cláudio. A partir do momento que eu me casei com seu pai, eu me comprometi a ficar ao lado dele nos momentos bons e ruins.

- Tenho certeza que meu pai não está cobrando nada disso de você.

- Eu estou cobrando isso de mim. E a partir de agora eu não quero mais chorar, não vou mais chorar. Ele está bem. O Wagner está bem e vai voltar logo pra nós. Minha Senhora do Rosário me prometeu isso agora, ela diz, olhando para a imagem da santa no altar.

- Amém! - ele diz. – Eu vou sugerir pro papai que a gente vá até as cidades mais próximas de Casa Branca. Aguaí, Santa Cruz das Palmeiras, Rio Pardo... Quem sabe até pedir ajuda pra polícia rodoviária... Campinas... O papai tem boas relações com muita gente influente da região. Eu acho que o Wagner não está na cidade.

- É possível. Faça isso. Eu tenho certeza que ele está bem.

Cláudio conversa com o pai e Leonardo concorda com sua sugestão, uma vez que as coisas não se modificam.

- Eu vou com você, Leonardo, diz Jorge. – Antes, a gente passa na redação do jornal em Casa Branca e eu vou pedir pro pessoal colocar uma nota avisando todo mundo sobre o desaparecimento do garoto. Acho que se mais gente souber vamos ter mais gente ajudando a procurar ou pelo menos dando informações que podem ser importantes.

RETORNO AO PARAÍSO – ERA UMA VEZ... CASA BRANCA...

PARTE 6

FINAL DO CAPÍTULO I

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