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ERA UMA VEZ... CASA BRANCA...
PARTE II
Na casa de Jairo Telles, tio de Tânia e pai de Mônica, o clima é de muita tensão. Jairo é um médico de trinta e seis anos, viúvo, que vive apenas com a filha de dezessete. Desde o falecimento da mulher, de quem era separado, há doze anos, ele não tem feito outra coisa a não ser viver dos cuidados com seu hospital e com sua filha única a quem ama apaixonadamente.
Neste momento ele está em seu escritório com o irmão Jorge e anda impaciente de um lado para outro.
- Não adianta ficar assim, Jairo. A menina já está em casa. Está bem. Não se preocupe mais.
- Como não me preocupar, Jorge? Ela chegou às seis e meia da manhã, na companhia de três moleques que eu mal conheço. Ontem ela saiu daqui com o filho do Leonardo!
- Como mal conhece? São todos da cidade. Você conhece o filho do Humberto Lage e ele não é tão mal assim. É maior e teve uma boa educação. Só é um pouco... largadinho, não estuda... mas não deve ter havido nada de mais grave. E, de mais a mais, a Mônica é uma moça ajuizada. É jovem e quis se divertir comemorando o aniversário. Ela tinha esse direito, meu irmão.
- Eu quis fazer uma festa pra ela, mas ela não quis. Me proibiu até de pensar nisso. Como então resolveu comemorar com um bando de... desocupados? Ela não tem nada a ver com nenhum deles.
- Claro que tem. Eles são jovens como ela, Jairo.
- Você fala assim porque sua filha já é casada e bem casada. Não tem mais problema com filha solteira. Não tem mais com o que se preocupar. Eu morro de medo que a Mônica não chegue aonde a Tânia chegou.
- Ela vai chegar, Jairo. Não tenha medo. Eu ainda acho que só a presença do filho do Leonardo lá com ela, já é garantia de que não houve nada demais. Eles só se excederam um pouco na bebida e perderam a hora, mas ela disse que não bebeu e que havia outras garotas com ela. Então está tudo bem.
Jô, a governanta da casa, entra pedindo licença.
- Doutor Jairo, ela acordou...
Jairo dirige-se para a porta apressado. Jorge o chama:
- Mano!
Ele se volta.
- Calma. Vá com calma.
Jairo vai para o corredor, correndo, e dirige-se ao quarto da filha. Entra e aproxima-se da cama, sentando-se a seu lado e segurando sua mão. Mônica é uma jovem muito bonita. Cabelos bem curtos, pretos e lisos, pele clara, olhos castanhos. Ela está sentada na cama, recostada num travesseiro e sorri, olhando para o pai.
- Está melhor? - ele pergunta.
Ela apenas balança a cabeça, confirmando.
- Está sentindo alguma coisa?
- Um pouco de dor de cabeça, mas passa logo. Não estou acostumada a ficar a noite inteira acordada. A Jô já me deu uma aspirina, ela responde, segurando a mão dele. - Eu te peço desculpas por tudo, papai. Não fique zangado comigo.
- Não estou zangado. Estou preocupado, ele diz lhe beijando a mão. – Não faça mais isso comigo, filha. Eu nem sei o que eu faria se acontecesse alguma coisa com você...
- Não aconteceu nada e eu não sou de papel, pai. Não sou mais criança... Só queria me divertir um pouco e o Wagner me convidou pra comemorar nosso aniversário e... eu fui. Desculpa por ter me excedido no horário, mas eu te garanto que não bebi nada...
- Você é minha única preocupação, Mônica. Entenda isso...
- Está tudo bem. Fique tranquilo.
Ele a abraça e, ao se afastar, diz:
- Eu vou pedir pra Jô trazer alguma coisa pra você comer. Logo estará tudo bem.
Ele beija seu rosto e se levanta, indo para a porta e saindo do quarto. Mônica une as mãos, cruzando os dedos e sente vontade de chorar, mas se controla e não o faz, respira fundo e coloca as mãos sobre a barriga. Deita-se novamente, se agarrando aos cobertores.
Jairo faz as recomendações a Jô e volta à biblioteca onde Jorge ainda o espera.
- E então? - ele pergunta.
- Tudo bem. Ela está só com um pouco de dor de cabeça, mas...
Jairo olha para o telefone e aproxima-se dele.
- Acho que eu vou ligar pra fazenda do Leonardo...
- Você acha que vale a pena?
- Eu preciso saber do Wagner o que foi que houve. A Mônica não vai se abrir comigo. Eu conheço minha filha. Ele é o único do grupo com quem eu tenho alguma intimidade. Ele é irmão do Cláudio e não vai mentir pra mim...
- Por isso mesmo, Jairo, fale com o Cláudio primeiro. Acho que não vale a pena aborrecer o Leonardo com isso. Ele já deve ter se aborrecido demais com o filho.
- Mas e a minha filha, Jorge?
- Ela já disse que está tudo bem... e o Wagner não era o único rapaz lá. Converse com o Cláudio primeiro. Ele é capaz de aconselhar o irmão e colocar um pouco de juízo na cabeça dele.
Jairo se cala e senta-se numa poltrona, encostando a cabeça no espaldar.
- Acho que você tem razão. De mais a mais, a culpa não foi só dele...
- Isso mesmo. Fique tranquilo. Relaxe e curta seu domingo com sua filha. Já está tudo bem.
Jairo consegue sorrir. Jorge bate em seu ombro e pede:
- Me acompanha até a porta? A Bárbara está me esperando para irmos até o orfanato levar uns presentes aos guris que ela cuida. Você sabe, todo ano antes da época do Natal, ela faz isso.
Jairo se levanta e passa o braço em volta do ombro do irmão.
- As portas do céu já estão abertas pra vocês.
- Pra mim, se for um portãozinho já está ótimo, Jorge diz, sorrindo.
***************************************
No dia seguinte, no Hospital Santa Mônica, que, junto com a Santa Casa de Casa Branca, cuida da saúde dos moradores da cidade, Cláudio já começou a trabalhar. Ele é pediatra e atende crianças com câncer e cardíacas, ajudando Jairo, que às oito da manhã ainda não chegou para trabalhar. Ele está na ativa desde as cinco e não consegue parar de pensar no cafezinho que ainda não teve tempo de tomar.
Quando Jairo chega, acompanhado de Mônica, já são onze e meia e Cláudio já está com Miguel no refeitório.
- Bom dia, senhores, diz Jairo, com um sorriso, abraçado à filha.
- Bom dia, doutor, respondem os dois.
- É a primeira vez que o senhor enforca uma manhã de segunda-feira, hein? O domingo foi proveitoso? - Miguel brinca, sorrindo, mastigando uma coxinha. – A gente pensou que o senhor nem viesse mais hoje.
- Eu sei que posso deixar meu hospital nas mãos de dois médicos tão eficientes como os dois. E sei que o doutor Henrique também segura as pontas por aqui. Eu resolvi prolongar o fim de semana com a minha mascote, ele diz, com ar amistoso, passando o braço em volta do ombro da filha. – Mas eu também preciso trabalhar. Tudo bem por aqui, doutor Cláudio?
Cláudio se surpreende que a pergunta seja feita especificamente para ele, já que Miguel é quem cuida da parte administrativa do hospital Santa Mônica, mas não se abala e responde:
- Tudo tranquilo, doutor. Espero que com o senhor também.
Ele olha para Mônica e a cumprimenta.
- Bom dia, Mônica.
- Oi, ela diz, muito séria. – Papai, eu vou falar com a Ana Luísa. Ela ligou pra mim hoje cedo. Estava preocupada comigo... As notícias nessa cidade correm rápido...
- Certo, mas não se perca de mim. Nós vamos juntos à pediatria.
- Volto em dez minutos. Encontro você no seu consultório.
Ela se afasta. Cláudio a segue com o olhar e se levanta, olhando novamente para Jairo.
- Eu posso falar com o senhor?
Jairo não muda de expressão, concorda e os dois vão até seu consultório. Miguel fica sozinho, ainda mastigando sua coxinha despreocupadamente.
No consultório, Jairo apanha seu jaleco branco pendurado num cabide e o coloca calmamente. Depois se senta à mesa e espera para ouvir o que Cláudio tem a dizer.
- Doutor, eu... queria lhe pedir desculpas por ontem.
- Sobre o quê? - Jairo pergunta tranquilamente.
- Sobre... a sua filha ter chegado de manhã em casa... Sobre meu irmão...
- Não se preocupe, Cláudio. Eu achei melhor deixar isso de lado. Não posso investigar a vida de cada rapaz da cidade que sai com minha filha e, mais do que tudo, não posso culpar o Wagner por um deslize dela. Não sendo ele filho e irmão de quem é. Mônica está bem.
- Mas...
- Esqueça, Cláudio, eu já esqueci, ele diz, apanhando o estetoscópio em sua valise sobre a mesa e colocando-o em volta do pescoço.
- Então, o senhor não vai conversar com meu pai?
- Não, a não ser que ele venha falar comigo primeiro.
Cláudio estranha, mas respira discretamente aliviado. Reação que Jairo não nota.
- Vamos trabalhar? - Jairo pergunta.
- Estou fazendo isso desde as cinco.
- Então vá tomar seu café, você merece.
- Eu estava fazendo isso, quando o senhor chegou.
- Então...
***********************************************
Uma hora. Jairo, Mônica e Cláudio vão almoçar juntos no restaurante próximo à Santa Casa.
- Bárbara me disse que você vai ser o diretor do orfanato dela. É verdade? - Jairo pergunta.
- É. Ela me convidou na semana passada. Eu não pude deixar de aceitar. Ela disse fez uma pseudo-eleição com as crianças e eu acabei sendo eleito, por ser o médico de que elas mais gostam. Já que sou o único que trabalha com elas. Ganhei da irmã Ruth e da irmã Helena.
Os três riem.
- E eu também gosto muito deles todos.
- Mas isso não vai prejudicar seu trabalho aqui no Santa Mônica e na Santa Casa, vai?
- Não, só vou acumular a incumbência de assinar alguns papéis. Eu vou continuar indo lá apenas duas vezes por semana para examinar as crianças, como sempre foi.
- Você devia ter seus próprios filhos. Já passou da hora.
- Terei, doutor. Pode deixar, diz ele.
Tânia aparece de repente e se aproxima de Cláudio por trás dele, abraçando-o e beijando seu rosto.
- Aposto que estão falando de mim, diz ela, apoiando as mãos nos ombros do marido.
- Adivinhou. Estávamos mesmo, diz Jairo, sorrindo.
Ela senta-se na cadeira vaga ao lado de Cláudio.
- Já almoçou? - ele pergunta.
- Já, em São José. Eu ia passando de volta para casa e vi vocês aqui. Resolvi parar. Não atrapalho, não é? - ela pergunta, olhando para Mônica.
- De maneira alguma, responde Jairo.
- Está tudo bem com você, prima? - Tânia pergunta, com uma doçura forçada. – Eu soube que você não passou muito bem ontem.
- Estou bem, sim, obrigada, Mônica responde, tomando um gole de suco.
- Estávamos falando justamente dos seus filhos. Seus e do Cláudio, diz Jairo.
- Então vocês não se importam se eu tirar meu marido daqui justamente por causa deles, não é? - ela diz, com um largo sorriso.
Cláudio olha para ela intrigado. Tânia pega a mão dele e o puxa pelo braço parecendo muito feliz. Jairo entende o sorriso e diz:
- Estejam à vontade!
Os dois se afastam. Mônica acompanha os dois com os olhos e pergunta:
- O que será que ela quis dizer com isso?
- Você não faz ideia, filha? Do jeito que os olhos dela brilhavam... Logo teremos novidades, diz ele, tomando um gole do suco de laranja a sua frente. – Acho que meu irmão vai ser vovô finalmente.
Mônica não parece ficar tão satisfeita quanto o pai. Passa um guardanapo pela boca e apanha sua bolsa, erguendo-se.
- Vamos voltar pro hospital, papai?
- Vamos, ele concorda um tanto surpreso com a pressa dela.
Tânia anda silenciosa por alguns minutos pela praça da matriz que fica na frente da Santa Casa, segurando a mão do marido entre as suas, até que ele quebra o silêncio.
- Eu pensei que você tivesse alguma coisa pra me dizer...
- E tenho... É que... eu não consigo começar... - ela diz, parando e ficando de frente para ele. – Eu estou vindo do meu médico agora...
- Qual deles? O Giovanni?
- É...
Cláudio respira fundo sutilmente, pois tem uma vaga ideia do que ela vai lhe dizer, mas apenas pergunta:
- E...?
- Você não quer nem chutar? Não é muito difícil de adivinhar, ela diz com um ar muito especial que ele nunca viu no rosto dela, tocando a barriga.
- Você... está grávida?
Tânia confirma sorrindo e enlaça os dedos da mão direita na mão dele com ternura, esperando sua reação, como uma criança que espera um presente de aniversário.
Nos primeiros cinco anos de casamento, eles não quiseram filhos, primeiro porque os dois eram muito jovens e Cláudio tinha o propósito de ser médico e fazer a faculdade era seu maior objetivo. Depois, as coisas foram tomando outros rumos. Tanta coisa havia acontecido. Tânia não era mais a moça doce com que ele havia se casado. Não era nem mais a amiga de colégio, divertida e confidente com ele tinha se encantado quando era um adolescente. Ele também tinha mudado muito. Naquele momento, aquela notícia soou diferente, mesmo que eles não tivessem planejado nada. Um filho não estava sendo esperado naquele momento. A surpresa, pelo menos para ele, foi total.
Mas já não era o caso de se colocar fatos negativos na balança. Uma criança estava chegando e era seu filho, mesmo que a situação atual não fosse a ideal. Ele sente a garganta arder e uma vontade imensa de chorar, gritar e rir ao mesmo tempo, mas se contém como sempre fez a vida toda, aperta os dedos dela entre os seus e a atrai para si, abraçando-a. Fecha os olhos, beija sua testa e fica muito tempo abraçado a ela, sentindo uma vontade imensa de ficar ali pra sempre, para que nenhuma outra realidade exista mais entre eles. Só o fato de que eles vão ter um filho.
Quando volta à Santa Casa, depois de levar Tânia para casa, ele está distraído e aéreo. Miguel, que é ginecologista na Santa Casa, percebe quando ele entra no vestiário e pega o jaleco no cabide, como se não estivesse ali. Está pensativo e distante. Parece nem se dar conta de sua presença.
- Terra para Cláudio Valle! - ele brinca, aproximando-se do amigo devagar.
Cláudio olha para ele e franze a sobrancelha, como se saindo de um transe.
- O quê?... Oi?
- Oi! Você está em que planeta?
Cláudio sorri e passa as mãos pelos cabelos.
- Desculpa, eu estava... longe...
- Eu percebi. O que houve? O doutor Jairo disse todo orgulhoso que você foi raptado pela Tânia na hora do almoço e ela te levou pra ter um particular... Já posso te dar os parabéns... papai?
- Pode... - Cláudio responde quase que automaticamente, sorrindo, mas ainda meio alheio ao verdadeiro motivo. – A... Tânia está grávida...
- E você está com essa cara por quê? Não é seu?
Cláudio balança a cabeça e vai verificar os prontuários que deve atender naquela tarde.
- Você não está feliz.
Foi uma afirmação de Miguel e não uma pergunta.
- Claro que eu estou feliz, Cláudio afirma, olhando rapidamente para ele. – É que... eu já não esperava mais... depois de oito anos... Não foi planejado...
- Besteira... Você se casou cedo demais. Está é a época certa pra se ter filhos. Vocês já se conhecem bem, estão mais maduros, têm a vida ganha.
- É... - ele diz, folheando as páginas do prontuário, como se não as visse.
Miguel estranha aquela resposta e apoia os braços no arquivo.
- O que significa esse "É..."?
Cláudio olha para ele.
- Estou apenas concordando com você. Que é que você quer que eu diga?
- Que esse é o momento mais feliz da sua vida, que você ama sua mulher demais, que não vê a hora de acabar seu turno aqui nesse hospital pra ir pra casa ficar com ela e beijar a barriga dela, porque lá dentro dela tem um filho seu que vai nascer! Caramba, Cláudio, o que você está fazendo aqui? Você devia estar em casa babando seu filho!
- Miguel, agora mesmo é que eu tenho que trabalhar pra sustentar esse filho que vai nascer!
- Mas você ficou sabendo disso hoje, pombas! Às vezes, parece que você não tem sangue nas veias, cara!
Cláudio coloca os prontuários sobre o arquivo, irritado, e se afasta dele passando as duas mãos pelo rosto.
- Cada um reage de uma forma a esse tipo de notícia, Miguel! Me deixa em paz!
Ele sai da sala, nervoso. Miguel se espanta, achando aquela reação muito estranha.
- Que foi que eu disse?
***************************
O aniversário de Leonardo no início de novembro vem servir para comemorar e dar boas-vindas ao novo herdeiro e as famílias Telles e Valle se reúnem na fazenda Quatro Estrelas.
A gravidez de Tânia deixou a todos muito felizes e a escapada dos garotos no final de semana passado foi praticamente esquecida. Wagner, em homenagem à chegada do sobrinho, resolve conversar pacificamente com a cunhada e fazer as pazes com ela. Aproveita que ela está sozinha, sentada ao sol na varanda que contorna a sede toda e vai lhe falar. Senta-se no murinho baixo de madeira que circunda o lugar.
- Oi! – ele diz, sorrindo, pra iniciar a conversa.
Ela olha para ele séria, mas indiferente e responde:
- Oi.
- Eu estou te devendo os parabéns pelo baby. Estou muito feliz que a família vai aumentar.
Ela fica calada por um momento, coloca os óculos escuros apoiados na cabeça, depois, secamente, agradece.
- Obrigada...
Wagner imagina que deva começar pedindo desculpas por tudo que já fez para irritá-la desde que se casou com seu irmão, mas a teimosia e o orgulho são maiores, pois, afinal de contas, algumas vezes quem provoca é ela mesma. A culpa nem sempre é dele. Os dois realmente não se dão, desde a vida passada.
- Eu espero... sinceramente que a gente... dê uma trégua e não brigue mais... pelo bem do garoto. Ele pode não gostar.
- Não ligue pra isso. Ele pensa como eu, já que está dentro de mim.
- Tânia, dá um tempo. Vamos fazer as pazes, vai? Eu não quero mais brigar com você com... um sobrinho meu na tua barriga. O que ele vai pensar de mim? Afinal, ele é metade do meu irmão e... as crianças sentem tudo que se passa aqui fora, segundo o Cláudio. Eu acho estranho, mas se meu irmão disse, eu acredito. Vamos dar uma pausa de oito meses, depois a gente decide o que faz, ok?
Ele estende a mão.
- Paz?
Ela olha para a mão dele e, usando de sinceridade, diz:
- Eu não gosto de você, Wagner. Mesmo que eu apertasse sua mão, ia dar no mesmo.
- Eu não estou pedindo pra você gostar de mim, só não quero mais brigar, pelo bebê. Finja que eu não existo, eu faço o mesmo com você e a gente vai viver bem. Só não quero mais discutir por bobagem, como a gente geralmente faz. Pode não te fazer bem...
- E daqui a três minutos estamos nos comendo novamente. Você acha que essa trégua é possível?
- Você não quer nem tentar, não é?
Ela faz uma pausa, abaixa os óculos de novo e responde:
- Não.
O sangue ferve nas veias dele e ele desce do murinho.
- Afinal de contas, que diabos você tem contra mim, criatura? O que foi que eu te fiz? Se é por causa das brincadeiras bobas que eu fazia, quando moleque, de vez em...
- Sempre! Você sempre sentiu uma vontade irritante de me aborrecer, me chamando de perua, mimadinha, filhinha de papai e tudo o mais. Você sentia um ciúme doentio do Cláudio e não queria que ele se casasse comigo... acho que com ninguém! Pra você, ele era como seu pai e você queria descontar a perda dele em mim.
- Bem, mas do que interessa isso agora? Vocês são casados e felizes, não são?
- Você sabe que metade disso não é verdade, justamente por sua causa mesmo!
- Como assim? Vocês... não são felizes?
- Você continua disputando ele comigo! Na verdade, às vezes, eu tenho vontade de sair de Casa Branca pra levar ele pra longe de você!
- Você ficou maluca. Em que eu atrapalho por amar meu irmão? Eu não durmo no meio de vocês.
- A sua culpa não é tão visível assim. Acontece que, de uma forma ou de outra, você exerce uma influência muito grande sobre o meu marido e ele ouve religiosamente tudo que você diz e acredita e vive protegendo você. Você consegue envenenar o Cláudio contra mim!
Wagner dá uma gostosa gargalhada e volta a sentar-se no muro.
- Que piada! Eu enveneno o Cláudio? - ele pergunta, apontando para o próprio peito. - Essa é ótima! Meu irmão tem a cabeça feita, dona. Ele faz o que quer e pensa nas pessoas e nas coisas com as ideias dele. Eu não exerço nenhum tipo de influência sobre ele. Encontre outra desculpa. Essa não colou.
- Eu não quero que você concorde comigo. Eu penso assim e não adianta querer fazer as pazes comigo. Eu não posso ser amiga de quem quer me ver pelas costas. E de alguém que talvez tenha estragado a vida da minha prima também, pra variar...
- Ei! Que estória é essa? Que prima?
- A única que eu tenho: Mônica. Você sabe muito bem.
- E... como eu posso ter estragado a vida dela? Você está falando exatamente do quê? - ele abaixa o tom de voz.
- Todo mundo lá dentro pode ter esquecido, mas eu não. O final de semana passado em que você, ela e a sua turminha passaram a noite fora e voltaram pra casa no dia seguinte, de porre. Você acha que enganou a todo mundo, mas não a mim. Se daqui alguns meses, ela não aparecer com uma novidade como a minha, eu dou minha cara a tapa.
Wagner fica boquiaberto.
- Cala essa boca, sua megera! Você não sabe o que está dizendo...
- Basta esperar, ela diz, calmamente, colocando a mão na barriga e sorrindo.
Levanta-se e se afasta, entrando na casa. Wagner encosta-se ao pilar e abraça-se a ele, olhando ao longe, tentando ruminar o que ouviu da cunhada. Sente o coração bater a mil por minuto. Precisa se lembrar do que realmente aconteceu naquela noite. Já havia parado de tentar no assunto, porque tudo sobre ela era só um chegar à casa de Beto e sair da casa de Cláudio no dia seguinte. Não se recordava da festa em si, nem de nada sobre ela.
Resolve falar com a própria Mônica que é a maior envolvida no problema. Só ela mesma pode responder suas dúvidas. Ele ficou tranquilo até aquele dia, porque ela não falou mais no assunto com ninguém e deu a entender que estava tudo bem. Que tudo tinha sido só uma inconsequência inocente de jovens querendo se divertir, mas pelas palavras de Tânia, a coisa podia ter ido mais além. Podia apenas ser intriga da cunhada para deixá-lo com a pulga atrás da orelha, mas não custava averiguar.
Aproveitando que Mônica estava ali na fazenda, ele a procura pela casa toda e não a encontra lá dentro com os outros. Sai e, do jardim, olha para a casa de novo e a vê apoiada na sacada do quarto de hóspedes onde dormiu aquela noite. Ela também o vê de longe e sorri. Wagner acena para ela, sinalizando que vai subir para lhe falar. Ela apenas balança a cabeça, confirmando que vai esperá-lo.
Ele sobe correndo e encontra a porta do quarto semiaberta. Mônica está no mesmo lugar.
- Posso entrar? - ele pergunta.
Ela apenas olha para trás e responde:
- Você está na sua casa...
Ele se aproxima dela e quer saber:
- Por que você está isolada aqui?
- Eu não estou isolada. Estou sozinha, é diferente. A porta estava aberta, você viu.
- Mas você devia estar lá embaixo, com todo mundo. Meu pai gosta um bocado de você. E com um dia lindo assim, é um pecado ficar aqui dentro do quarto.
- Está mesmo, ela diz, com um leve sorriso. – Mas eu já cumprimentei seu pai pelo aniversário e hoje as pessoas mais importantes aqui são ele mesmo e o Cláudio e a mulher, que vão dar o primeiro neto a ele. Ele deve estar muito feliz. De mais a mais, está muito quente e daqui também dá pra sentir o dia... sem ser importunada por ninguém e sem contar com essa aragem gostosa. Eu amo a vista deste jardim.
- Estou te importunando? Quer que eu...?
- Não, claro que não. Você tem alguma coisa pra me dizer, senão não viria aqui. Faz tempo que a gente não se fala aqui na sua casa.
Ele apoia as mãos na sacada e olha para a vista ao longe.
- É... tenho sim.
Mônica olha para ele que demora a falar e o incentiva, sorrindo:
- Vá em frente.
Wagner continua hesitante e ela ri, virando-se de lado e se apoiando na sacada para olhar de frente para ele.
- Você parece que vai me pedir em casamento, Wagner. O que foi? Nós somos amigos. Fale. É sobre a festinha do nosso aniversário?
O rapaz volta-se também para ela e confirma.
- É... Eu preciso saber do que realmente aconteceu... com a gente... naquela noite. Eu consegui deletar tudo. Não consigo lembrar de nada... bebi pra caramba e... só sei que nós estávamos juntos... mas deu pra perceber que antes de eu apagar, você estava bebendo menos que eu... Deve saber de alguma coisa a mais... Eu fiz alguma... bobagem?
- Nada demais... - ela responde, com um sorriso misterioso no rosto. – Nada que um rapaz não faça quando está bêbado... e acompanhado de uma garota.
Wagner sente o coração acelerar.
- O quê?!
Mônica continua sorrindo e toca em sua mão.
- Isso não é um problema. Está tudo bem.
- Eu estou perdido! - ele declara.
- Só se eu quiser... e eu não quero. Eu gosto um bocado de você. O que acontecer vai ser um problema exclusivamente meu.
- Que é que você quer dizer com... o que acontecer? O problema é seu? Que problema?
- Exatamente o que você ouviu. Esqueça o que aconteceu, ela diz calmamente.
- Mas...
- Esqueça, ela diz taxativa.
- Mas qual é exatamente o problema, Mônica? O que aconteceu realmente? Eu preciso ouvir com todas as letras. Não sou muito bom com enigmas.
- Esse tipo de coisa pode acontecer com qualquer um.
- Que tipo de coisa? Você quer dizer que... a coisa complicou?
- Se você quer dizer que uma noite de amor entre dois jovens saudáveis é complicação, tem muita gente complicada por aí.
- Noite de amor? Eu e você? Mas... eu sou só seu amigo de infância. Eu não te amo. A gente... nem namora!
- E daí? A gente se ama de um jeito até mais forte que muito casal de namorado. Amizade também é amor. O Cláudio e a Tânia não eram amigos antes de se casarem?
Wagner passa a mão pela boca seca pelo nervoso e dá alguns passos pela sacada.
- Isso não está acontecendo comigo... E se...
Ele volta para perto dela.
- A gente... a gente chegou às vias de fato?
- E foi muito bom...
- Jesus! – ele sussurra, suando. - E... está tudo bem com você? Digo...
- Calma. É muito cedo pra acontecer alguma coisa, mas mesmo que aconteça, já falei: o problema é meu, só meu.
Wagner sente o chão faltar debaixo de seus pés e precisa encostar-se ao parapeito para não cair.
- Deus do céu! A gente... nem usou proteção. Eu não sabia que ia... Minha Nossa Senhora das Dores!... Não, do Desterro! Eu vou acabar sendo expulso de casa por isso! Da cidade talvez...
Mônica sente pena dele e procura acalmá-lo.
- Olha, eu não quero que você dê uma de herói e vá querer, como eles dizem, reparar seu erro. Ainda não aconteceu nada. Eu não quero e não vou me casar com você nem amarrada se acontecer.
- Por que, não?
- Não, não é por você. Muito pelo contrário. Você é uma gracinha e eu te adoro como amigo, como irmão, mas não gosto de você pra ser meu marido. Você tem uma cabeça diferente da minha. Não daria certo... entende?
- Não muito, mas... a coisa não é tão simples assim. Seu pai vai me matar se o meu não fizer isso antes...
- Já disse que eu seguro a barra. Coloca isso na sua cabeça.
- Eu nunca vi uma garota pensar assim. Eu pensei que a primeira coisa que elas quisessem fosse casar com o cara que... complicou a vida delas.
- Você estava bêbado. Não sabia o que estava fazendo.
- Você sabia... E se sabia por que deixou que acontecesse?
Mônica se cala.
- Você simplesmente deixou, ele diz, sem acreditar. – Por quê?
- Motivos meus... e você é um gatinho. Não resisti. Mas pode ficar certo de que seu nome não vai aparecer e nem eu quero que apareça, senão eu já teria dito alguma coisa pro meu pai, pro seu... Só fique ciente de que eu me diverti muito naquela noite. Você foi muito legal comigo, apesar de estar bêbado. Só te peço pra ficar na sua e não se apavorar.
Wagner desliza até o chão e se senta, colocando o rosto entre as mãos.
- Como não me apavorar, Mônica? Se você engravidar... Isso não é um jogo de xadrez!
- É complicado e divertido como jogar xadrez.
- Divertido?! - ele se levanta novamente. – Você está doida!? Eu não estou sacando o teu jogo. A impressão que eu tenho é de que você... me usou.
- E se for? - ela pergunta, calmamente.
- Brincadeirinha meio sem graça, não acha, não? Que vai ser quando todo mundo descobrir? O Cláudio sabe que eu... posso ter feito mil e umas naquela noite e sua priminha também. Ela já está me acusando de antemão mesmo sem ter certeza. Ele vai sacar tudo. Ele é médico! Sem falar nos meus velhos, no teu pai... Poxa, ele é amigão do meu, do Cláudio. Você vai colocar minha família inteira contra mim por causa de uma brincadeira idiota! Minha vida vai virar um caos! Você não pensou nisso, não?
Ele para e se apoia de novo no parapeito.
- Sem contar que... se de repente eu tiver que me casar com você, vou ter... de cara, mulher e filho pra sustentar... Eu, nem emprego, tenho!
- Isso não vai acontecer, ela afirma, ainda tranquila.
- E posso saber que milagre você vai realizar pra isso ser evitado?
- Já falei: seu nome nunca vai sair da minha boca. Eu não quero envolver você nisso. Na minha versão da estória, você nunca teve nada comigo. Como você mesmo disse: nós não somos nem namorados.
- E você acha que, se a coisa se complicar, eu vou aceitar ficar calado só porque você não quer que eu me envolva?
- Vai... porque eu quero. Eu amo outra pessoa e só me casaria com ele.
- Ama outra pessoa? E se mete numa roubada dessa comigo? Menininha complicada você, não? Não esperava isso de você, Mônica.
Ela apenas sorri e volta a encostar-se ao parapeito, olhando para o jardim.
- O dia está lindo mesmo, não?
Wagner balança a cabeça e sai de perto dela, saindo também do quarto. É a primeira vez que presencia um caso como aquele e o pior é que está acontecendo com ele. Entra em seu quarto e senta-se na cama. Treme só de pensar na possibilidade de seu pai e a madrasta virem a saber do fato.
Desce e vai até a cozinha. Não há ninguém ali, pois todos estão na sala. Pega um copo e abre a geladeira. Serve-se de uma dose de uísque e se surpreende quando vai colocar o copo na boca e alguém retira o copo de sua mão. Volta-se e vê Cláudio tomar o conteúdo do copo, fazer uma careta, já que não costuma beber e colocá-lo sobre a pia.
- Você prometeu que não ia fazer mais isso.
- Você me assustou... e eu estou em casa, lembra?
- Que é que você tem? - Cláudio pergunta, ignorando a pergunta do irmão. – Está branco como cera.
Wagner não responde. Vai sentar-se à mesa e apanha uma maçã de dentro da fruteira sobre ela, dando-lhe uma mordida. Cláudio estranha seu silêncio e senta-se também diante dele.
- Quem morreu?
Wagner nunca conseguiu esconder nada do irmão. Olha em seus olhos e diz:
- Eu vou ser pai.
Cláudio inicialmente se choca, depois sorri e finalmente fica sério.
- Quê?
- É isso que você ouviu. Eu... vou... ser pai.
Cláudio olha em volta rapidamente e levanta-se, puxando o irmão pelo braço, saindo da cozinha e indo para o quarto de Wagner. Entra com ele, fecha a porta à chave e o faz sentar-se na cama.
- Repete. Eu não entendi. Que estória é essa de "vai ser pai"?
- Lembra da festinha da semana passada? Acho que eu fiz besteira.
- Como assim? Que besteira?
- Alguma coisa aconteceu entre Mônica e eu e... ela... pode estar grávida.
Cláudio demora um tempo para digerir aquela informação.
- Ela confirmou isso?
- Não com essas letras, mas... pra acontecer... e só questão de tempo, a gente nem se protegeu...
O médico fica olhando para ele e mil coisas se passam por sua cabeça.
- Você... transou com ela?
- Eu não lembro de nada, mas ela diz... que sim.
Cláudio encosta-se à parede e respira fundo.
- Ela... confirmou que você... foi... o único?
- Como assim, único? Ela é filha do doutor Jairo. Nunca namorou ninguém. Quantas caras podem se candidatar a essa roubada?
- Havia outros rapazes com vocês, não é?
- Mas ela confirmou que foi comigo. Eu não me lembro de nada, mas ela confirmou. E que tipo de pergunta é essa? Você a conhece melhor do que eu. É uma das garotas mais certinhas da cidade, não é?
Cláudio não responde e fica pensativo.
- Cláudio... pode dizer. Eu estou no mato sem cachorro, não é?
- Nem tanto... - ele responde, quase sem pensar.
- Nem tanto? Não entendi de novo. O que poder ser bom nisso tudo?
- Ela é, como você falou, uma garota muito correta, certinha. Pode vir a ser uma excelente esposa.
- E quem foi que te falou que eu quero ter uma esposa excelente? Eu não quero ter esposa nenhuma. E ainda acho que tenho é uma sorte azarada.
- Sorte azarada? - Cláudio consegue achar graça na expressão. – Por quê?
- Ela não quer se casar comigo. Na verdade, não quer nada comigo.
- Não quer?
- Não, ele responde, mordendo outro pedaço da maçã. – E não me peça pra explicar. Eu mesmo não entendi o que ela pretende. Disse que não quer nem vai me acusar de nada. Vai assumir tudo sozinha, se acontecer o pior. Ela não quer se casar comigo, mesmo se estiver grávida.
- E você ainda reclama da vida? Isso põe fim ao seu drama.
- Nem parece que você vai ser pai, Cláudio. É possível que haja uma criança vindo por aí e eu sou responsável por isso.
- Muito comovente. E daí? Se ela não quer nada com você...
Wagner olha para o irmão, surpreso. Não parece Cláudio falando.
- Você bebeu aquele gole de uísque e ficou diferente. Quem é você e o que fez com meu irmão?
- Acontece que se ela te colocasse contra a parede e te obrigasse a se casar, você agora estaria dizendo que não é culpado, que na hora do bem-bom estava bêbado e semiconsciente. É ou não é?
Wagner não responde. Cláudio continua.
- Meu irmão, se a Mônica não quer que você assuma nada, ela deve ter bons motivos pra isso. Não complique as coisas, mais do que elas já estão complicadas. Deixa o barco correr. Fica na sua.
- Você faria isso?
- Pra começar, eu não faria o que você fez. Uma atitude como essa, não se toma de cara cheia. Ou você faz inteiro... ou não faz. Eu te disse: sem autodomínio você não é nada.
- Ela disse que está apaixonada por outro cara, Wagner fala, olhando pensativo para a maçã em sua mão.
- Disse...?
O rapaz balança a cabeça, pensativo, mastigando a maçã bem lentamente. Alguém bate à porta e ele se assusta, levantando-se rapidamente. Cláudio sorri.
- Calma. Teu filho não vai nascer hoje.
Ele vai abrir a porta. É Tânia.
- Atrapalho alguma coisa? O assunto deve ser sério. A porta estava trancada. Quem está com você? - ela pergunta, olhando por cima do ombro do marido.
Ao ver Wagner, diz apenas:
- Ah... O almoço vai ser servido, meu bem. Pediram pra chamar você... e o seu irmão.
- Já tínhamos terminado. A gente já ia descer, Cláudio diz.
Wagner passa pelos dois e sai do quarto. Tânia se espanta.
- Ele está com uma cara!... Deve ser fome.
- Provavelmente, diz Cláudio, saindo também e fechando a porta atrás de si.
RETORNO AO PARAÍSO – ERA UMA VEZ... CASA BRANCA
PARTE 2