Ficamos em um silêncio confortável olhando o mar, até que Tyler retorna, já devidamente vestido e com os nossos equipamentos.
- Vejo que já se apresentaram, que bom, pois os dois serão parceiros hoje. Normalmente os mergulhos oferecidos pelo resort são para ver os corais e cavernas submersas que temos por aqui, mas como hoje estamos em um pequeno grupo e ambos são bons mergulhadores, vamos fazer algo diferente. - Tyler demonstra estar bem animado.
- E o que exatamente você planeja? - Theo pergunta e me parece desconfiado.
- Irei levá-los para conhecer os destroços do Lady Marion, um navio de cargas americano que afundou em 1910 durante uma viagem de Miami a Nassau. Ele está a aproximadamente 170 metros de profundidade.
Nunca desci tão fundo assim, o máximo que cheguei foi à 120 metros, e agora o Theo não é o único desconfiado, pois estou bem preocupada.
- É seguro descer a essa profundidade?
- Sim, Trixie, não precisam se preocupar, não é muito diferente de outros mergulhos, a diferença está no tamanho dos cilindros de oxigênio e na forma de imersão.
- Explique melhor essas diferenças. - Peço.
- Devido a profundidade, precisamos de mais ar disponível, por isso os cilindros são maiores e com mais pressão, fazendo assim com que sua capacidade de armazenamento seja bem maior.
Isso vai ser difícil, eu já sou pequena com um cilindro comum, vou ficar minúscula com um maior. Por mais que a água diminua a questão do peso, vai ser difícil para mim.
- Na questão do momento de subirmos de volta à superfície, precisaremos fazer isso de forma lenta, uma subida rápida demais pode causar uma descompressão, que causa sérios problemas de saúde e se não tratada logo e de forma correta, pode levar a morte.
- Recordo de ter estudado sobre isso no meu curso de mergulho, a descompressão ocorre quando o corpo sofre uma mudança súbita de pressão e alguns gases do corpo se tornam bolhas que bloqueiam as veias. O instrutor falou que para reverter o processo é necessário um equipamento especial. É isso mesmo?
- É sim Trixie, o equipamento é a câmara isobárica, mas garanto que não há com que se preocupar, pois iremos fazer um mergulho tranquilo. - Tyler declara com confiança. - Para lhes tranquilizar mais, no caso de algum incidente, o Hospital Lyford Cay possui uma câmara para emergências.
Apesar do receio inicial por conta da profundidade, me sinto animada com a aventura que está por vir, até porque nunca fui mulher de fugir de um desafio.
- E como serão os passos do mergulho? - Indago.
- Nós iremos descer normalmente até chegar aos destroços, teremos mais de uma hora para explorar o navio, o que não irá nos consumir nem metade do ar disponível, o que é necessário, pois precisamos de no mínimo meio cilindro para a volta. Então começamos a emersão, subiremos 25 metros por vez, parando por alguns minutos para que o corpo se acostume com a nova pressão externa, a última parada será a 5 metros do nível do mar.
- Além do cilindro maior, quais outros equipamentos iremos usar? - Theo questiona.
- A roupa de vocês já é mais grossa, ela possui um colete integrado que ao ser acionado insufla de ar, porém não façam isso, pois ao ser insuflado ele irá fazer com que vocês voltem rapidamente a superfície, causando uma descompressão.
Já ouvi histórias horríveis de pessoas que subiram rápido demais, e sempre morri de medo de acontecer comigo.
- A máscara de mergulho é com lente noturna integrada que é acionada por um botão lateral. Iremos usar lanternas de cabeça com luz HID, no cinto de vocês tem uma faca para alguma eventualidade, além de uma lanterna de mão de halogênio como reserva e alguns iluminadores de neon. Por último, um mostrador digital interligado ao cilindro, que mostra a quantidade de oxigênio restante e também qual a profundidade que estamos.
Tyler nos entrega os equipamentos e em seguida nos auxilia a prender os cilindros de oxigênio nas costas, que como imaginei, ficou enorme comigo. Em seguida checou se estão com capacidade total, e verifica se o regulador bocal está funcionando, assim com o reserva.
Ele também se prepara, mas ao contrário de nós, utiliza uma máscara fullface com comunicação direta com o piloto da lancha, dizem que essa máscara é melhor para mergulhar, porém é preciso um curso especial para usá-la e com a faculdade ainda não tive tempo de fazê-lo.
- Estamos quase chegando no ponto de mergulho, e antes que me esqueça, como nenhum de vocês possuem conhecimento em mergulho com máscaras fullface, iremos precisar usar sinais manuais para podermos nos comunicar. Vocês conhecem apenas os sinais de mergulho ou sabem a língua de sinais?
Recordo de quando comecei na universidade e decidi fazer o curso de ASL, para poder aprender a língua de sinais e assim tornar a DelBel mais inclusiva. E quando passamos da metade do curso, o professor fazia questão de nos levar semanalmente a uma comunidade de deficientes auditivos para que pudéssemos desenvolver melhor nossa comunicação.
- Eu sou fluente em ASL. - Respondo.
- Não sou fluente, mas conheço bem a ASL. - Theo responde.
- Isso é ótimo, irá facilitar ainda mais nosso mergulho.
Chegamos ao ponto de mergulho, e após o piloto ancorar a lancha, entramos na água. Ficando por um momento no nível da água para o corpo se acostumar.
Começamos a descer e me deixo maravilhar pela beleza que existe no mar, observando os animais nadando próximos a nós, curiosos com a novidade, assim como eu estou. Conforme vamos afundando, vou sentindo a mudança de pressão ao redor do meu corpo.
Ainda que de alguma forma a luz natural chegue tão fundo, são as lanternas que nos fornecem melhor iluminação e nos permite ver tudo ao redor. Porém os animais, por estarem acostumados com a escuridão, fogem da claridade.
Depois de uma longa descida, nós chegamos ao Lady Marion. Tyler olha em seu relógio e nos sinaliza que teremos 50 minutos para ficar aqui embaixo, antes de precisar subir. Começamos a explorar o navio, e gosto de observar como os animais transformaram esse lugar em seu lar e refúgio. Isso é o que mais amo em naufrágios.
Após explorar um pouco, começo a me sentir fatigada, não sei se é devido à pressão, já que não sou acostumada com esse tipo de mergulho. Mas decido não continuar explorando, preciso conseguir descansar antes de voltar ao barco. Eu não quero atrapalhar o mergulho dos demais, posso ficar esperando que eles terminem o passeio. Quando saímos por um buraco próximo a proa, puxo Tyler para que olhe para mim.
- Eu ficar sentada aqui. - Sinalizo.
- Você está bem? - Tyler parece preocupado.
- Sim. Vocês explorar, eu esperar.
- Certo. Nós voltar logo.
Tyler e Theo seguem para a popa do navio e eu me sento na beirada da proa, esperando os dois voltar.
Fico observando a vida aqui embaixo, os peixes nadando e fugindo dos predadores. As plantas crescendo silenciosamente, algumas para serem alimentos, outras para serem moradia.
A fadiga vai aumentando, e para piorar, sinto minha cabeça doer e que meu coração está acelerado, isso não é nada bom.
Recordo que esses são alguns sintomas de falta de ar, olho o mostrador e me assusto ao ver que tenho apenas 23% de oxigênio restante no cilindro. Deve haver algum erro no mostrador, puxo o mostrador acoplado ao cilindro para verificar e constato que não está errado, que meu oxigênio está quase acabando.
Minha cabeça gira e começo a me desesperar, pois não quero morrer aqui embaixo, mas não tenho como fugir sem morrer. Olho para o relógio no meu pulso, vejo que ainda faltam 18 minutos para começarmos a subir, só que não tenho esse tempo todo, preciso voltar à superfície logo ou ficarei sem ar.
Faço uma varredura rápida em minha volta e não vejo nenhum raio de luz que indique que os rapazes estejam por perto, eles provavelmente devem estar dentro do navio. A minha única chance é inflar o colete e subir rapidamente, porém sei que irei me causar uma descompressão, que pode ser fatal. Mas existe a válvula que permite reverter a inflação e se eu conseguir fazer isso próximo a superfície, tenho uma chance.
Para fazer isso, terei que fazer tudo certo, e torcer para que consigam me levar rápido ao hospital, para ter uma chance de sobreviver, e conseguir evitar sequelas graves. Fecho os olhos e tento me lembrar das aulas de mergulho, para não deixar de fazer nada que é preciso. Respiro superficialmente para não gastar muito oxigênio.
Decido contar até cinco antes de fazer isso.
Um...
Dois...
Três...
Quatro...
Cinco...
Abro os olhos e sem outra opção, levo a mão ao botão.