Capítulo 9 Carregando o Mundo... e Dois Corações

O despertador tocou antes mesmo que o sol aparecesse no horizonte. Laura levou alguns segundos para assimilar onde estava, quem era e - principalmente - a realidade que agora fazia parte da sua vida.

Passou a mão na barriga já bem visível. Era difícil esquecer. O peso físico e emocional estava presente a cada passo, a cada movimento, a cada respiração.

Levantou-se com esforço, respirando fundo, ajeitou o jaleco que já começava a apertar na altura da barriga e, mais uma vez, olhou para o espelho, repetindo o mantra que vinha usando nas últimas semanas:

- Você consegue, Laura. É por eles. Por vocês três.

Chegar ao hospital, porém, era sempre a parte mais difícil.

Os olhares, antes discretos, agora eram descarados. Enfermeiras cochichavam pelos corredores, pacientes olhavam com pena ou curiosidade, e até alguns colegas médicos fingiam normalidade... mas não conseguiam esconder o julgamento nos olhos.

"Coitada..."

"Ela foi largada, grávida..."

"E ainda são gêmeos, imagina o sufoco."

As frases não eram ditas em voz alta, mas Laura ouvia. Mesmo que ninguém falasse, ela sentia. Cada olhar, cada suspiro disfarçado, cada conversa que mudava de tom quando ela passava.

Mas ela se recusava a abaixar a cabeça. Por mais que doesse, por mais que os pés inchassem, por mais que a coluna doesse o dobro a cada turno... ela estava ali. Firme. Forte. Ou, pelo menos, tentando parecer.

O mais difícil era quando alguém mencionava Hikaru. E isso acontecia mais vezes do que gostaria.

- Ele voltou pro Japão e te deixou assim? - comentou uma técnica de enfermagem, como quem não media palavras.

- Que tipo de homem faz isso? - questionou outra, balançando a cabeça, indignada.

Laura apenas respirava fundo, engolia a dor e seguia. Não adiantava explicar que não foi exatamente assim. Que Hikaru não sabia da gravidez quando partiu. Que nem ela sabia. E, mesmo se soubesse... teria sido diferente? Ela não tinha essa resposta.

Durante os plantões, se dividia entre consultas, emergências e os próprios enjoos, cansaço, dores nas costas e o inchaço que parecia aumentar a cada dia.

Houve momentos em que pensou em desistir. Jogar tudo para o alto. Mas então... quando sentia aquele leve movimento dentro dela - agora mais frequente, dois pequenos chutinhos sincronizados ou descompassados - ela se lembrava do motivo.

Eram eles. Sempre seriam eles.

Naquele final de expediente, sentou-se no banco do jardim do hospital, segurando a barriga, exausta.

- Vocês sabem, né? - falou baixinho, sorrindo entre lágrimas. - Que eu faria tudo por vocês. Que eu aguento tudo isso... por nós.

Olhou para o céu, onde o pôr do sol tingia as nuvens de laranja e dourado, e deixou que uma lágrima solitária escorresse.

Ela podia até carregar o rótulo de "abandonada" na boca dos outros.

Mas no coração dela... ela sabia que não estava sozinha. Nunca mais estaria.

            
            

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